domingo, 8 de agosto de 2010

Uma viagem a Espanha

Caros amigos,


Dia 23 de setembro passado, embarquei em direção a Espanha. Para uma viagem de 15 dias pela Europa. Quase todos seriam passados na Espanha e os três últimos dias em Lisboa. Vou contar, então, minhas impressões sobre esta viagem.
Para entrar na Europa, um certo constrangimento de ter de colocar perfumes, pasta dental, cremes, enfim tudo que contém líquidos, em saquinhos transparentes. E também passar por um inquérito inicial na entrada: por que está aqui novamente? – entro sempre por Lisboa. Como responder com o desejo, quando do outro lado vem a desconfiança? À parte isso, foi uma viagem maravilhosa, de muitas descobertas, miradas e análises.
Leio, no vôo de Lisboa a Madri, no El país, uma matéria intitulada ‘Bélgica se evapora’. Um país, duas etnias. E a região de Flandres, agora mais rica e industrializada, quer sua autonomia, se separar dos valões, de língua franceses, atualmente a parte mais pobre. No dia seguinte, já no hotel em Madri, li a notícia sobre um grupo de catalães que queimaram a foto do Rei Juan Carlos, pedindo o fim da monarquia, em mais um movimento de busca de autonomia e separação que a Catalunha já mantém há tempos. Sem falar dos ataques do ETA, que a policia espanhola conseguiu frustrar, prendendo os mentores que há anos estavam escondidos, no sul da França. Estas buscas de autonomia, tendo como critério, nos três casos, a raça, seria reflexo de uma intolerância atual? De uma busca da comunidade dos mesmos? Foi esta a pergunta, a partir dessas três notícias de jornal, que me fiz no café da manhã de meu primeiro dia na Espanha.

Em Madrid, eu e minha amiga, ficamos hospedadas perto da Praça Callao, lugar central e movimentado. Em uma esquina passavam pessoas falando muitos idiomas. Centenas de pessoas que saiam e entravam do metrô, vindas dos mais distantes lugares do mundo, fazer turismo ou morar e trabalhar. Enfim, tomar Madri por pátria. Tenho uma amiga que há menos de um ano mora em Madri – antes morou alguns anos em Hamburgo – e crê veemente que Madri é sua pátria. É onde dá aulas e pesquisa, onde conseguiu amigos. Penso que uma pátria seja isso, mais do que um território. No vôo de volta para o Brasil, converso com um brasileiro, funcionário da Telefônica no Brasil, que morou e trabalhou um ano em Madri e foi convidado para ficar mais três. Exemplos de brasileiros que encontraram na cidade, sua casa.

Viajei para Madri com uma companheira de muitas viagens pelo mundo, Alba Abreu Lima, que tinha outra visão da cidade. Ela a tinha visitado há dez anos atrás: mais limpa, mais calma, mais organizada, mais típica – se encontrava tapas pelos bares. Era fácil ir de el tapeo, como dizem os espanhóis. Agora abundam Mc Donald´s, KFC e Starbucks. Madri tem outra cara, é uma cidade do mundo, de muitas cores e línguas. Talvez como São Paulo ou Nova York.

Ernesto Sábato, em seu livro España en los diarios de mi vejez, conta sua ida a Madri em 2002, com mais de 90 anos e acreditando que é sua última viagem ao país. Ele sente uma certa decepção e, sobretudo uma nostalgia, da Madri de outrora. Alba também sentiu essa nostalgia. Sabato diz que os imigrantes de agora, que vê pelas ruas, são diferentes dos de outrora, que buscavam aventuras, estes buscam comida, pão. E ele conta também que passava mal com o calor espantoso. Eu, cá do Mato Grosso do Sul, já estou acostumada. Alba ficava incomodada com a falta de umidade do ar. Eu, do centro do país, que antes de viajar, Campo Grande estava com umidade em 10%, nem notei. Espero que Alba não se incomode de eu estar comparando sua nostalgia com a de um homem com mais que o dobro de sua idade, mesmo que seja Sábato.

Mas Madri tem o Museu do Prado, o Thyssen-Bornemisza e o Museu da Rainha Sofia. Ver As meninas, de Velásquez e Guernica, de Picasso, motivos mais do que suficientes para ir a Madri.

Pudemos ver, no Centro Cultural de la Villa, um exposição chamada Deuses: modos de emprego, que mostrava a diversidades de religiões na Europa. Uma exposição e, juntamente, um teatro sobre esse busca religiosa que “volta com força em nossa sociedade”. As várias religiões estavam contempladas. Quanto ao Brasil, faltou mostrar a força das igrejas evangélicas, embora em um item chamado ‘figuras carismáticas’ aparecesse Edir Macedo, com nomes como o do criador da cientologia.O texto da exposição e do teatro é do dramaturgo belga Philippe Blasband.
De Madri fomos a Andaluzia – Granada, Córdoba e Sevilha – conhecer a herança moura da Espanha. Granada e Córdoba são cidades em que a população é mais fechada para o estrangeiro, vivme do turismo, mas mesmo assim, mantêm um certo desprezo ao outro.

Em Granada descobrimos que iríamos ter de enfrentar fila de madrugada para conseguir ingressos para ver a Alhambra. Acordei ainda escuro, peguei o ônibus e, sem escutar o som dos sinos de Granada ao amanhecer, como Garcia Lorca diz em seu poema, esperei três horas para comprar ingressos. Junto com mais dois mil turistas do mundo inteiro.
Na Alhambra, a fortaleza vermelha, tive uma certa decepção, apostava que estivesse mais preservada. Mesma decepção que em Córdoba: Medina Zahara estava em restauração, pois estava quase toda destruída. Tinha lido um romance sobre ela – À sombra das romanzeiras, de Tariq Ali – e esperava encontrar algo desse passado que o autor retratara. No táxi, indo à estação de trens, o motorista diz que se parece que os reis católicos destruíram esse passado mouro – creio que ele percebeu minha decepção, sem que eu a tivesse formulado mais precisamente – os mouros destruíram o passado romano. É realmente assim a história da mesquita de Córdoba: construída a partir do ano de 785, por Abderraman I, e inspirado na mesquita de Damasco, sua fundação se sobrepôs à igreja de São Vicente. E depois, Fernando III e Isabel, em 1236 reconquistam a cidade e constroem a catedral sobre a mesquita. É a história de toda dominação: quem vence, tenta apagar as conquistas do vencido.
Assim, a busca de um passado mais longínquo ficou meio frustrada. Ainda mais se comparar com a viagem do ano anterior, em que na cidade de Trier, oeste da Alemanha, as ruínas romanas foram conservadas. E, mesmo na cidade de Luxemburgo mantêm-se construções de mais de dez séculos.
E chegamos a Sevilha, o melhor da Andaluzia: mais aberta para o mundo, com pessoas mais acolhedoras. Com mais arquitetura preservada. A Praça de Espanha é o exemplo mais rico, mais lindo da arquitetura andaluza. Belíssima. Só vê-la – e tirar cerca de cem fotos dela, como Alba o fez – valeu a viagem. Tem a Torre de Ouro, a Giralda, a Catedral, a terceira maior do mundo. Linda, linda. Por fora, pois estava complicado entrar: havia uma greve de funcionários que estava fechando a maioria das portas. Não me incomodei de só tirar fotos de fora, pois não tinha lido em guia nenhum que lá tivesse uma obra importantíssima. Então, paciência.
Aliás, em Madri também vimos greve. Só que da polícia.
Perguntei a várias pessoas porque lá as pessoas eram diferentes, dois espanhóis, em situações diversas, me disseram que mesmo para eles, o povo de Córdoba e Granada, era fechado; que eles, sevilhanos, aceitam mais o turismo, estão mais acostumados. Creio que a história é mais antiga. É uma cidade de porto, dali Colombo sair para descobrir novos mundos. Na torre do Ouro tem muitos quadros, de vários séculos, que mostram as pessoas indo à torre à espera de novos navios que chegavam pelo rio Guadalquivir.

Frederico Garcia Lorca diz que Sevilha é uma cidade para se ferir, para sempre se ferir. É “uma cidade que espreita longos ritmos e os enrosca como labirintos. E quanto a Córdoba, diz que é uma cidade para morrer. Escreve isso em poemas diferentes. O que será que quer dizer?
Nesse diário de Sábato que citei antes, ele conta que pegou o trem rápido em Madri e foi a Sevilha. Fala do trem luxuoso e de grande velocidade, diferente do de suas lembranças, mas que dava para ver os olivais e o entardecer. Também fomos no AVE, o trem rápido de que ele fala. Mas tenho que dizer que o trem foi bem confortável.
Na estação de trens de Córdoba havia uma exposição sobre a diversidade. Os dados apresentados sustentavam que 10% da população da Espanha é de estrangeiros. Eu cá sem a mínima condição de provar o contrário, acho que esse índice está subfaturado. E mais, acho que a Espanha se fez de estrangeiros: de árabes, romanos, de europeus de outros lugares. É uma terra de muitas línguas desde o começo.
E creio que essa mistura está em toda a Europa. Em Lisboa é só freqüentar o metrô para ver: africanos de Angola e Moçambique e, também, Cabo Verde. Muitas línguas misturadas com o Português. E vou usar meu último dia de viagem como exemplo. Fui ao Museu Calouste Gulbenkian. Repleto de quadros importantes de impressionistas e pintores flamencos, e também arte oriental, toda sua obra veio de uma doação que Calouste Gulbenkian, um armênio que fugindo da II Guerra Mundial, adotou Lisboa como morada e, depois, doou para ela toda sua coleção de obras de arte.
Vocês devem ter percebido que gostei muitíssimo da viagem. Acordava cedo, animada e saia para andar horas pelas ruas das cidades. A cidade que mais gostei foi, sem sombra de dúvidas, Sevilha. Sai dela com a maior parte das lembranças de viagem: reprodução da Torre do Ouro em miniatura e em pintura, estatueta de uma dançarina flamenca. Todas, com um bocado de sacrifício, chegaram inteiras. E, claro, trouxe um belo xale flamengo. Olé.

Andréa Brunetto
Campo Grande, 11 de outubro de 2007

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