domingo, 29 de novembro de 2015

TRÁGICA 3: Sobre a importância de um irmão


                                                                             


          Ontem, no Teatro Aracy Balabanian, aqui em Campo Grande, assisti TRÁGICA 3. A peça, dirigida por Guilherme Leme e patrocinada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobrás, apresenta três mulheres trágicas das tragédias gregas: Electra, Medéia e Antígona. Assim está a ordem no caderno que nos apresenta a peça, porém, na peça, a ordem de apresentação dessas trágicas é a seguinte: primeiro Antígona, apresentada por Letícia Sabatela, a jovem tebana, filha de Édipo, emparedada viva por descumprir a ordem de Creonte, seu tio, e enterrar o irmão Polinice, proscrito pelo tio tirano. Depois a Electra da atriz Miwa Yanagizawa, uma irmã que espera o retorno do irmão Orestes, que vingará a morte do pai Agamenon, pela própria mãe Clitemnestra e seu amante Egisto. Electra salvou o irmão quando criança, mandando-o ao exílio. E vive como escrava, banida do palácio real, ela a filha do assassinado rei Agamenon. E espera sua vingança. E será pelas mãos desse irmão, que ela tanto ama e espera que sua vingança se concretizará.
E a terceira trágica, Medéia, a mulher que abandonou tudo pelo amor de um homem, o primeiro e único. Abandonou sua amada pátria, a Cólquida, que traiu um pai, matou um irmão e o despedaçou pelo caminho para distrair o pai, o rei da Cólquida, que reconheceu os pedaços do corpo do filho e assim Jasão escapou de sua fúria. Ela, exilada de tudo, casa-se com Jasão e os dois têm dois filhos, dois meninos. Vista pelo seu povo e pelos outros, os estrangeiros, como a bárbara, é aceita como refugiada e exilada em Corinto. Jasão, já em outras conquistas, vai se casar com outra, uma nova mulher nova. E aí começa a vingança de Medéia.
         Medéia é representada por Denise Del Vecchio, embora as duas atrizes que vieram antes tenham sido excelentes, Del Vecchio é de uma grandeza inigualável no palco. Ela é a mulher que está envelhecendo, que se desfez de tudo pelo amor a um homem. Perdeu a pátria, perdeu o pai, perdeu o irmão, e está disposta a perder esses filhos para vingar-se de Jasão. Tomará dele o que ele mais dá valor: os filhos que carregam seu nome, sua herança, sua honra. Se é que alguma o personagem carrega. Essas crianças, filhos amados seus, e ao mesmo tempo, filhos do homem que ela precisa destruir para cumprir sua vingança. A rival jovem, ela mata de um golpe só: manda seu vestido de noiva para que ela use para Jasão. Ele pede a jovem esposa que o coloque. O veneno colocado no vestido entra em seu corpo e ela se consome em chamas.
         A direção de Guillerme Leme consegue salientar a grandeza da vingança de Medéia. A disposição das três trágicas está perfeita. Enquanto Sabatella e Yanagizawa entram no palco com roupas claras, Medéia já entra de negro e trás na face a dor que deforma as feições. E o que mais gostei: colocando nessa ordem as trágicas, fica evidente a força dos laços fraternais. O amor por um irmão aparece em todas elas. A primeira, disposta a morrer para respeitar seu irmão. Fosse ele quem fosse, com avidez de poder, guerreiro insano a guerrear com o outro irmão, não importa, merece os ritos fúnebres. E ela pagará com a vida por isso. É por isso que ela é a imagem da ética. A ética dos laços sociais que se sobrepõem à lei instituída por um tirano. Sou psicanalista e por isso já li várias vezes Antígona. Lacan dedicou um ano inteiro de seu ensino a comentar sua ética.
            Depois, Electra, centrada no amor pelo pai e pelo irmão e no ódio à mãe, essa lasciva que pelas mãos de Egisto matou o marido, o pai de seus filhos, e se deitou com seu assassino e vive com ele, deixa ele se sentar no trono que seria de seus filhos. Uma mãe que passa a perna nos filhos por causa de um homem. Electra vai mostrar a ela, pelas mãos de um irmão, como os laços familiares são superiores a tudo.
            E Medéia, que dispôs de tudo por Jasão e foi traída por ele. Também já tinha lido Medéia  mas nunca tomei a peça pelo viés que o diretor nos apresenta. E essa foi a grandeza maior dessa peça. Pelo menos para mim: mais do que repetir a traição de Jasão com outra mulher, ela repete ‘Jasão, você me deve um irmão’. E o ator, que é quase só uma voz, do lado escuro do palco, responde: te dei dois filhos no lugar de um irmão. E mais adiante, ela repete: você me deve um irmão. E mais adiante, novamente, ela reclama a Jasão sua dívida: você me deve um irmão.
             Assim, a Medéia de Guilherme Leme, pode se perdoar de tudo, menos do que fez a um irmão. E mesmo tendo nova pátria, tendo marido, tendo filhos, não se apaga um irmão. E quando perde quase tudo, a caminho de perder, pelos assassinatos que cometerá, os filhos, seus últimos recursos – se é que os filhos são posse de sua mãe. Não vou entrar nessa contenda – aquilo do qual não se pode perdoar é ter sacrificado um irmão. Assim, a fala de Jasão é pura baboseira: dois filhos não valem um irmão. O que não quer dizer que valem menos. O que Medéia mostra é que não se faz uma equação disso. Um irmão é um irmão. E é um laço que não se suplanta por nada que venha a se adquirir na vida. Esse foi o viés novo que nunca antes tinha visto em Medéia e que a direção de Guilherme Leme e a atuação soberba de Denise Del Vecchio me deu.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Fulgencio Argüelles e uma Asturias de poesias, flores, amores e dores

Fulgencio Argüelles é um psicólogo espanhol. Depois de um período em Madri, onde fez o curso de psicologia, regressou a sua terra natal, Astúrias, lugar de sua infância e juventude. E começou a escrever romances. Ganhador de vários prêmios de literatura. Um deles (Prêmio Café Gijon, de 2003) pela sua quarta novela, El palácio azul de los ingenieros belgas, que estou lendo agora.
O romance é uma narração da juventude de Nalo, aprendiz de jardineiro, em um povoado em Astúrias, durante o período franquista.
Nalo começa o relato com a morte do pai, O pai morre e ele começa a relatar sua história. A vida de todos os personagens circulam ao redor do palácio dos ricos belgas, donos da mina que existe no povoado, sua riqueza, sua língua estranha, seus banquetes, suas mulheres, uma delas tida como louca, cheia de segredos.

Nalo aprende sobre jardinagem com Eneka, o culto jardineiro que se casou com uma das ninfas do Olimpo, esse lugar que ele não sabe onde é.
A tristeza de todos é evidenciada pelo garoto que está ali, observando tudo. ainda que ignore os motivos, Eis um relato sobre o alcoolismo do avô Cosme: "..aunque el alcohol fuera capaz de privarlos de la tristeza, la vergûenza, el silencio y la soledad, por este ordem, nunca conseguiría redimirlos del peso de ciertos recuerdos, porque non hay alcohol suficiente sobre la tierra para anegar la memoria, así me lo había transmitido en no pocas ocasiones mi abuelo Cosme, quien andaba  en ese intento del olvido selectivo desde hacía años, y cuanto mas alcohol se ingería para olvidar más imposible resultaba el olvido y más desnudos se quedaban los recuerdos,..."
Por alusão, o pano de fundo é o período pré-revolucionário, que será sufocado pelos militares, antes de Francisco Franco. As diferenças sociais aparecem muito no romance: os ricos engenheiros e seus comensais, como moscas, zunindo às voltas do poder.
Lançado pela Editora Acantilado, em 2003.
Novela formidável.