domingo, 12 de fevereiro de 2017

Panamá Papers: a corrupção e o cinismo são ilimitados




          Em parte de minhas férias li esse livro escrito pelos jornalistas alemães Bastian Obermayer e Frederik Obermaier. Os dois jornalistas do Süddeutsche Zeitung, o jornal alemão, começaram a receber, de uma fonte anônima, e-mails com documentos do Banco do Panamá Mossack Fonseca. E a cada dia recebiam mais e-mails com documentos scanneados de aberturas de contas, troca de mensagens, operações financeiras de milhões e bilhões de dólares, etc. E foram percebendo a importância do material recebido, políticos, empresários e artistas do mundo inteiro com dinheiro escondido no banco do Panamá. E perceberam a gravidade da evasão de divisas em milhares de offshores mantidas pelo banco.
       Os documentos chegaram a mais de dois terabytes e não teriam como ler e investigar tudo. Começaram a trabalhar com um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), e depois foram convidando jornalistas de todo o mundo para participar dessa pesquisa inicial. Mais de 100 jornalistas, alguns brasileiros, inclusive, estiveram nessa pesquisa denominada Panamá Papers.
         Os parentes próximos de praticamente todos os ditadores da África têm contas com milhões de dólares na Mossack Fonseca. O melhor amigo de Putin, o violoncelista Sergei Roldugin, padrinho de sua filha mais velha, tem offshores com bilhões de dólares. Só em uma operação, um banco de Malta, recebeu dinheiro de Moscou e enviou à Mossack 200 milhões de dólares. Os filhos do primeiro ministro do Paquistão têm milhões em contas lá. A mulher do primeiro ministro da Islândia também – ele pediu demissão do cargo ano passado, quando o escândalo veio a público. Todos os dirigentes da FIFA têm também. O cunhado de Xi Jinping, o presidente da China também.
          Em função de uma investigação interligada entre a Argentina e o Estado de Nevada, nos EUA, os dois jornalistas se debruçaram sobre os papéis em busca de evidências de que Cristina Kirchner e seu falecido marido tivessem conta na Mossack Fonseca, sendo culpados de evasão de divisas, confirmando a suspeição da investigação judicial em curso. Não encontraram pistas e concluíram que o casal não tinha conta fantasma no Mossack Fonseca. Mas Maurício Macri tem. Duas. E Lionel Messi também. No nome dele e de seu pai.
        O pai de David Cameron também tem. O ex-primeiro ministro britânico respondeu aos jornalistas do SZ que a conta de seu pai não dizia respeito a ele, não tinha feito nenhuma movimentação nela. Mas não foi bem isso que os jornalistas descobriram.
              Minha grande decepção: o filho de Kofi Annan também tem. Logo ele que sempre criticou tanto a evasão de divisas e seu efeito catastrófico para o povo africano. Um continente tão rico quanto injusto, com ditadores milionários e o povo morrendo de fome.
               Uma história do livro que achei uma lição do tanto que alguém pode ser cínico. O quadro de Modigliani ´O Homem sentado apoiado em uma bengala´ foi roubado pelos nazistas de um colecionador judeu, em Paris, durante a II Guerra Mundial. Sumiu e apareceu em diversos momentos nas últimas décadas. Anos atrás apareceu em uma exposição de uma galeria em Nova York. Maestracci, o herdeiro do colecionador, entrou na justiça americana pedindo o quadro ao dono da galeria que o expôs, a Nelly Nahmad Gallery. Nelly Nahmad, o milionário, responde diante de um juiz que o quadro não era dele, estava emprestado de uma firma chamada International Art Center. Com isso, Maestracci retira o processo. Com o Panamá Papers, ano passado, se descobre que essa firma tem conta no Mossack Fonseca e pertence a Nelly Nahmad. Como alguém tem a coragem, o cinismo de, diante de um juiz, e do herdeiro de um quadro em que seu proprietário foi roubado pelos nazistas e, provavelmente, foi perseguido, dizer ‘o quadro não é meu’, sendo seu?
          Também se percebe que muitos milionários abrem firmas e contas fantasmas para comprar mansões, iates, obras de arte etc. Não vamos tão longe, Joaquim Barbosa, o ex-ministro do STF comprou um apartamento em Miami no valor de 335.000 dólares, abrindo offshore na Mossack Fonseca. E sem pagar o imposto de transferência do dinheiro. Isso nem aparece no livro. É coisa tão pequena diante dos escândalos listados lá. Mas pudemos ler isso na imprensa brasileira ano passado, quando o escândalo estourou. É só digitar no google Joaquim Barbosa Panamá Papers e a história está toda lá.
              E também encontramos no google a lista de todos os políticos e empresários brasileiros que tinham conta lá. O primeiro deles, Eduardo Cunha.
                 Enfim, com tudo isso quero dizer que é muito instrutivo ler esse livro. Indico a todos. A corrupção gigantesca e permanente de tantos seduzidos pelo poder e pelo dinheiro, sem o mínimo de ética e de respeito às leis está tão evidente. Dá nojo saber, mas não se pode virar as costas a isso.