Em parte de minhas férias li esse
livro escrito pelos jornalistas alemães Bastian Obermayer e Frederik Obermaier.
Os dois jornalistas do Süddeutsche Zeitung, o jornal alemão, começaram a
receber, de uma fonte anônima, e-mails com documentos do Banco do Panamá
Mossack Fonseca. E a cada dia recebiam mais e-mails com documentos scanneados
de aberturas de contas, troca de mensagens, operações financeiras de milhões e bilhões
de dólares, etc. E foram percebendo a importância do material recebido,
políticos, empresários e artistas do mundo inteiro com dinheiro escondido no
banco do Panamá. E perceberam a gravidade da evasão de divisas em milhares de offshores mantidas pelo banco.
Os documentos chegaram a mais de
dois terabytes e não teriam como ler e investigar tudo. Começaram a trabalhar
com um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), e depois
foram convidando jornalistas de todo o mundo para participar dessa pesquisa
inicial. Mais de 100 jornalistas, alguns brasileiros, inclusive, estiveram
nessa pesquisa denominada Panamá Papers.
Os parentes próximos de
praticamente todos os ditadores da África têm contas com milhões de dólares na
Mossack Fonseca. O melhor amigo de Putin, o violoncelista Sergei Roldugin, padrinho
de sua filha mais velha, tem offshores com bilhões de dólares. Só em uma
operação, um banco de Malta, recebeu dinheiro de Moscou e enviou à Mossack 200
milhões de dólares. Os filhos do primeiro ministro do Paquistão têm milhões em
contas lá. A mulher do primeiro ministro da Islândia também – ele pediu
demissão do cargo ano passado, quando o escândalo veio a público. Todos os
dirigentes da FIFA têm também. O cunhado de Xi Jinping, o presidente da China
também.
Em função de uma investigação
interligada entre a Argentina e o Estado de Nevada, nos EUA, os dois jornalistas se debruçaram sobre os papéis
em busca de evidências de que Cristina Kirchner e seu falecido marido tivessem conta na Mossack Fonseca, sendo culpados de evasão de divisas, confirmando a suspeição da investigação judicial em curso. Não
encontraram pistas e concluíram que o casal não tinha conta fantasma no Mossack
Fonseca. Mas Maurício Macri tem. Duas. E Lionel Messi também. No nome dele e de
seu pai.
O pai de David Cameron também
tem. O ex-primeiro ministro britânico respondeu aos jornalistas do SZ que a
conta de seu pai não dizia respeito a ele, não tinha feito nenhuma movimentação
nela. Mas não foi bem isso que os jornalistas descobriram.
Minha grande decepção: o filho de
Kofi Annan também tem. Logo ele que sempre criticou tanto a evasão de divisas e
seu efeito catastrófico para o povo africano. Um continente tão rico quanto
injusto, com ditadores milionários e o povo morrendo de fome.
Uma história do livro que achei
uma lição do tanto que alguém pode ser cínico. O quadro de Modigliani ´O Homem
sentado apoiado em uma bengala´ foi roubado pelos nazistas de um colecionador
judeu, em Paris, durante a II Guerra Mundial. Sumiu e apareceu em diversos
momentos nas últimas décadas. Anos atrás apareceu em uma exposição de uma
galeria em Nova York. Maestracci, o herdeiro do colecionador, entrou na justiça
americana pedindo o quadro ao dono da galeria que o expôs, a Nelly Nahmad
Gallery. Nelly Nahmad, o milionário, responde diante de um juiz que o quadro
não era dele, estava emprestado de uma firma chamada International Art Center.
Com isso, Maestracci retira o processo. Com o Panamá Papers, ano passado, se descobre
que essa firma tem conta no Mossack Fonseca e pertence a Nelly Nahmad. Como
alguém tem a coragem, o cinismo de, diante de um juiz, e do herdeiro de um
quadro em que seu proprietário foi roubado pelos nazistas e, provavelmente, foi perseguido, dizer ‘o quadro não é meu’, sendo seu?
Também se percebe que muitos
milionários abrem firmas e contas fantasmas para comprar mansões, iates, obras
de arte etc. Não vamos tão longe, Joaquim Barbosa, o ex-ministro do STF comprou
um apartamento em Miami no valor de 335.000 dólares, abrindo offshore na Mossack Fonseca. E sem pagar
o imposto de transferência do dinheiro. Isso nem aparece no livro. É coisa tão
pequena diante dos escândalos listados lá. Mas pudemos ler isso na imprensa
brasileira ano passado, quando o escândalo estourou. É só digitar no google
Joaquim Barbosa Panamá Papers e a história está toda lá.
E também encontramos no google a
lista de todos os políticos e empresários brasileiros que tinham conta lá. O primeiro deles,
Eduardo Cunha.
Enfim, com tudo isso quero dizer
que é muito instrutivo ler esse livro. Indico a todos. A corrupção gigantesca e
permanente de tantos seduzidos pelo poder e pelo dinheiro, sem o mínimo de
ética e de respeito às leis está tão evidente. Dá nojo saber, mas não se pode
virar as costas a isso.