Ano passado conheci um homem que aprecia música clássica e é
um grande conhecedor dela. Eu, que no máximo gosto de algumas sinfonias de Mahler,
Wagner e as estações de Vivaldi, escutei tudo o que ele me sugeriu.
Paramos de nos falar ano passado e voltamos somente mês passado. Ele me indicou
alguns vídeos no YouTube de um compositor que adora: Chostakovich. Inclusive
assisti a abertura do filme De olhos bem fechados, de Kubrick, com música de
Chostakovich.
Peguei para ler o livro O
Ruído do Tempo, de Julian Barnes, e seu personagem é Dmitri Dmitrievich
Chostakovich. Descubro que ele foi o mais celebrado compositor da União
Soviética e também o mais coagido e intimado pelo Estado. Em janeiro de 1936,
Stalin assistiu a apresentação da sua aclamada ópera Lady Mcbeth de Mtsensk, em
Moscou, e saiu intempestivamente da apresentação antes do final. Dias depois
apareceu uma crítica no jornal Pravda chamando
a obra de Chostakovich de chinfrim, escrita provavelmente pelo próprio Stalin.
O Ruído do Tempo é um
livro que mostra perfeitamente como a arte colide com o poder. Um episódio
dentre muitos contados nesse romance. Em 1950, quando Chostakovich foi a Nova
York, como enviado russo para um congresso sobre a paz, chegou a cogitar em se
jogar da janela de seu quarto de hotel. Um ano antes, um russo em busca de
asilo o tinha feito. Ele, Chostakovich, cogita a possibilidade, mas não o faz
também porque sabe que o Estado destruiria sua obra e teria seu nome colado a
alguma história deturpada que construiriam. Tentou viver e construir uma obra
em um regime que não permitia os amores, a liberdade, em que dizer a verdade se
tornou impossível.
Em um evento promovido
pelo jornal Guardian, a propósito da publicação de O Ruído do Tempo, Julian
Barnes questionou porque o designaram como “romance biográfico”. Segundo ele,
todos os romances o são, são o estudo de uma vida, seja de Anna Karenina, de
Madame Bovary ou de uma pessoa real como Chostakovich. E também sustentou que
trabalhava de maneira instintiva, que não lhe interessavam os gêneros literários,
que ele era um “escritor transgênero”.
O Ruído do Tempo é um
livro maravilhoso, instrutivo de como as tiranias destroem a verdade, o amor, a
liberdade. Barnes escreve que seu personagem esperava que a música o
libertasse, e em determinado momento, que a morte o libertasse. Há um
questionamento de a quem pertence a arte. Lenin escreveu que a arte pertencia ao
povo. Barnes escreve sua tese sobre a quem pertence a arte e coloca na boca de
seu personagem. A arte não pertence ao povo e ao Partido. “A arte é o murmúrio
da História, ouvido sobre o ruído do tempo.”
Escrevo essa pequena
resenha para todos, mas em primeiro lugar para meu quase amigo que me
apresentou Chostakovich. Para retribuir a gentileza, apresento-lhe esse Ruído
do Tempo, de Julian Barnes.