tag:blogger.com,1999:blog-90439590731990698472024-03-08T12:27:41.387-08:00Andréa BrunettoUm espaço para comentar sobre literatura, viagens, filmes, artes e todas essas "coisas inúteis" que tornam a vida possível, prazerosa, humana.Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.comBlogger157125tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-73858386323901847812021-10-20T20:21:00.004-07:002021-10-21T15:00:37.742-07:00Uma conversa no encontro de dois oceanos<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-8qNgiMXKNAQ/YXHiq1CCKDI/AAAAAAAAA0g/Dfr4im6bjHcC2FIfJd9tovYDCZrObQaNwCNcBGAsYHQ/s4608/DSC00841.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3456" data-original-width="4608" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-8qNgiMXKNAQ/YXHiq1CCKDI/AAAAAAAAA0g/Dfr4im6bjHcC2FIfJd9tovYDCZrObQaNwCNcBGAsYHQ/s320/DSC00841.JPG" width="320" /></a></div><br /> Um homem desconhecido com o qual conversei em um navio, próximo do ponto mais meridional da terra,
depois da cidade posicionada no fim do mundo, contou-me que tinha ido até
aquela cidade para turismo. Apaixonou-se por ela, pela língua e resolveu fazer
dela sua casa. Voltou para Riga, na Letônia, organizou suas coisas e se mudou
para Ushuaia dois meses depois. Abriu uma fábrica de sardinhas e agora era
feliz nessa cidade escolhida pelo seu coração.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Está ali porque todo eslavo que chegava à Patagônia, as agências de viagem o chamavam para ser intérprete de russo. Logo essa língua, que não era a sua, era
a do vizinho conquistador. Já tinha outras duas, a maternal e o castelhano que tinha
amado, não essa. Mas ganhava dinheiro falando russo. Estava no navio como
intéprete de um casal de Moscou. E eu quis saber mais sobre Riga. <o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">Isso
aconteceu anos atrás, antes de eu ir até a Estônia e navegar pelo Mar Báltico. Quando
estive tão perto de Riga, ficava lembrando do que ele tinha me contado sobre ela. Cheguei a Tallin, a trezentos quilômetros de Riga e não quis ir conhecê-la, a
cidade abandonada por ele.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">Com seus
imensos olhos azuis, brilhando de alegria, contou-me que ainda acordava, às
vezes e por segundos, e achava que estava no bairro em que morava na
infância, o Zolitude. Eu perguntei se, em espanhol, era solidão – a sonoridade
da palavra era tão parecida – e disse que sim. Depois se mudou e foi morar em
uma casa perto da biblioteca da cidade, e também da ponte Akmens (anotei tudo
que ele me falou em meu diário de viagem). <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Depois dos segundos nostálgicos com a solidão
da infância, acordava para sua cidade atual, para a casa de Ushuaia, em que, de
uma janela do andar de cima, enxergava, à distância, a cordilheira reinando
sobre tudo. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">Fiquei
pensando em alguns momentos, nos dias seguintes, sobre o que me contou sobre
seus sonhos com o bairro da infância, o nome fazia parecer um chiste, chamava-se
Zolitude. Meu interesse era freudiano. E lembro que cheguei à conclusão, à
época, que sua saudade era do infantil perdido, não da cidade. Deve ter sido
por isso que estando perto dessa cidade abandonada por ele, nem quis ir conhecê-la.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">E lembrei
novamente do letão de olhos azuis, anos atrás, pesquisando sobre os escritores
da região báltica. Descobri que houve um letão aventureiro e caçador, que
escreveu quatro livros sobre suas aventuras na América do Sul. Deixou Riga e
foi conhecer a Argentina, no começo do século XX. Um tanto entediado com Buenos
Aires, acabou chegando ao Centro-Oeste do país, veio caçar oncas-pintadas no
Pantanal. Sasha Siemel foi dar uma palestra na Pensilvânia sobre suas aventuras
nesse fim de mundo do Pantanal; casou-se com uma fotógrafa americana e foi
morar com ela em Corumbá. Moravam em uma casa flutuante, ancorada às margens do
Rio Miranda. Deu palestras e escreveu livros sobre suas errâncias.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">Sasha Siemel,
no começo do século passado, de Riga para o fim do mundo que era Corumbá,
vivendo num barco, no Rio Miranda, escreveu um livro em que o garoto letão, que
morava na Zolitude e passou a morar perto da biblioteca, e nela entrava toda
semana, encontrou e resolveu retomar os passos do aventureiro escritor. Mas
diferente do conterrâneo, gostou de Buenos Aires, da Argentina, e resolveu
descer até o extremo sul. E fez de outro fim do mundo, o seu mundo. Esse
romance que inventei, encadeando duas vidas, fiz para responder à pergunta que me surgiu:
será que ele leu os livros de Sasha Siemel? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Um romance é a história de um destino
completo, escreveu Macedônio Fernandez. Lembrei agora do portenho, já que
pensei em Buenos Aires.<o:p></o:p></p>Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-21003699819590000712017-12-27T08:02:00.001-08:002017-12-27T08:02:16.315-08:00El patio de los vientos perdidos<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-DFT2qa6GqDA/WkPD6T_EIeI/AAAAAAAAAo0/tpzd99I1ljEOiSU5CZRFc6ur6MKiaMcWACLcBGAs/s1600/26105607_1570519403024786_1447692048_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="352" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-DFT2qa6GqDA/WkPD6T_EIeI/AAAAAAAAAo0/tpzd99I1ljEOiSU5CZRFc6ur6MKiaMcWACLcBGAs/s320/26105607_1570519403024786_1447692048_n.jpg" width="234" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Alguns meses antes de ir à Cartagena
das Índias, verão de 2016, preparei-me para a viagem relendo Cem anos de
Solidão, romance de Gabriel Garcia Marquez, ambientado nas ruínas e no calor
sufocante de sua cidade amuralhada. Também reli meus livros de Álvaro Mutis, as
aventuras de Maqroll, o Gaveiro, personagem onipresente em vários de seus
livros, singrando com diferentes navios os mares e rios do mundo, sobretudo o
mar do Caribe. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Pesquisando na internet, descobri um
novo autor, Roberto Burgos Cantor, nascido em Cartagena das Índias, e que ambienta
nela sua novela “El patio de los vientos perdidos”. Só com esse nome, que já é
uma poesia, quis lê-lo. Quando estive em Cartagena, nas duas livrarias em que
fui, não o encontrei. Nem em uma que estive em Bogotá. Mas não o esqueci. Como
não consegui comprá-lo por esses sites de venda de E-books, quem sabe não o
encontro em PDF nessa selva virtual? Também não tive sucesso. Pesquisando
resenhas e comentários sobre o livro, encontrei o do escritor Cristo Garcia
Tapia. Escrevi-lhe que procurava o livro de Burgos, se ele o tinha em versão
digital, pois não tinha conseguido comprá-lo na Colômbia, nem no Brasil e nem importá-lo.
Respondeu-me dizendo que conhecia o autor e iria me colocar em contato com ele.
Assim o fez; de início, o próprio Roberto Burgos Cantor escreveu-me e, depois,
uma pessoa indicada por ele – talvez sua editora – pedindo meu endereço e dizendo-me
que me enviariam o livro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Nem estava acreditando. Passaram-se
uns dois meses, o livro não chegou e já estava meio obcecada com ele. Tinha até
sonhado que estava sentada em minha poltrona de leitura, com ele às mãos,
lendo-o em um domingo de sol e muito vento. Recebo um email de Adriana, com
quem tinha trocado e-mails, dizendo que o livro foi enviado com o número errado
de minha rua, tinha sido devolvido e estava em São Paulo. Deu-me o localizador
dos correios. Liguei em São Paulo, localizaram-no para ser devolvido, disse meu
endereço certo, mas o homem dos correios não podia fazer nada, iria seguir a
burocracia e o livro voltaria à Colômbia. Eis “El pátio de los vientos perdidos”
perdido para mim. Respondi para Adriana que quando fosse à Espanha iria compra-lo,
pois já tinha verificado que estava editado lá. Mas o autor insistiu e pediu-me
novamente o endereço. Mais dois meses e o recebo em meu consultório. Nisso tudo
foi um ano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Recebi “El pátio de los vientos
perdidos” com uma dedicatória de Roberto Burgos Cantor: “Para Andréa, com a
persistência de um abraço, e o desejo de que dessa vez ele chegue. Roberto”. Chegou.
Demorou um ano, passou por endereços falsos e corretos, pela selva digital,
pela ajuda de Cristo Tapia, e além da minha persistência, teve a do autor de
que seu livro chegasse até mim. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">E o livro chegou em uma edição
comemorativa de 30 anos de publicação. Na capa, os elogios de Álvaro Mutis ao
livro e uma frase de Garcia Márquez, dizendo que gostaria de ter podido
escrever alguns capítulos desse livro. Depois de ler “El patio de los vientos
perdidos” essa afirmativa é perfeita compreensível: o livro é maravilhoso,
quase todo uma poesia. Germania de la Concepción Cochero abre um bordel em uma
casa com um pátio aberto para o pântano, a mirar os caranguejos, os peixes
pulando no ar no começo da tarde, a partir desse lamaçal podia-se contemplar o
céu, espesso de garças e gaivotas, que ao acaso mandam sinais. A casa tomava
como sua 200 milhas de mar, entre o pátio e a praia. Entre as populações
ribeirinhas, nos canais do rio, escolheu as mulheres que trabalhariam em sua
casa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Para mim, a casa era a protagonista
da novela. Era possível caminhar entre os caranguejos, na lama salgada, entre a
casa e o mar, nessa casa em que as mulheres da vida prometiam uma vida melhor,
ainda que só por alguns instantes, uma vida de ilusão, que combatesse as ruínas
dessa cidade em que, em outro tempo, as muralhas protegeram as mulheres dos
piratas - em que as roupas para secar sacolejam como bandeiras nos mastros, em
que o vento com areia chicoteia as pernas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O livro é todo escrito com poesia, a
geografia do pátio e dos sentimentos é de uma beleza que chega a doer. Várias
páginas li e reli inúmeras vezes, como se lê os poemas. Gostaria que todos
vocês lessem e sentissem o que senti ao ler esse livro. Temo que esteja
exagerando meu apego ao livro porque o quis muito tempo, esperei por ele muito
tempo e chegou até mim depois de tê-lo perdido. Por isso citarei a seguir dois
trechos que gostei demais. E cada um faz sua análise deles. Eu, por mim, já
digo que não posso emprestar esse exemplar para ninguém: não sai da minha casa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">“...y si por lo menos lo décimos para
espantar la de malas y no dejar que más adelante pasados los años nos coma el
rencor por no ser lo que quisemos ser envejecidos de soledad sobreaguando em las
babas de la rutina y la venganza del desconsuelo que nos impone la mentira de
que todo en la vida es la mismísima vaina y la libertad de estar juntos maltratada
se fui sin estropício ay <i>remember </i>es
muy tarde y sería tonto abolir las dificultades las que callábamos em la
creencia de que se perdía tempo em resolverlas y las saltamos piedrecita em el
zapato que no se le pone nombre y nos tuerce el caminado...”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">E ainda mais um trecho de poesia: “...coincidimos
en aceptar que este mundo no es el que nos merecemos que no lo inventamos <i>remember</i> que es maluco y nos toca
mamárnoslo y él nos mama y no hay otro pero este no hay otro lo décimos hoy
carcomida la ilusión por los castillos derruidos y la sensasión de no tener
lugar nacía en el crecimiento del afecto que no cabía la estrechez nos
destripaba y assistíamos al derrumbe del sueño convencidos de que no
perderíamos el nuestro y jugábamos a sobreaguar será que la felicidade no existió
<i>remember </i>que ansiamos algo que no se
conoce que nadie ha probado y nos confundimos y vamos de pretexto en pretexto parapetos
y estuve contento el contento de que tú
existieras y nos hubiéramos visto y estabas ahí....”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">E se lê assim, sem ponto, sem
vírgulas, sem espaço, com a mesma ânsia posta nas frases de quem se destripa a
procura da felicidade. Existe ou não existe? Pergunte-se sem ao menos respirar,
rapidamente, diante de um mar revolto, de um lamaçal repleto de caranguejos, de
um aguaceiro de dezembro, de garças e gaivotas, sob o céu do Caribe, de uma
cidade amuralhada, corroída pelas ruínas, em um pátio de ventos perdidos onde
as mulheres vendem o corpo e também as ilusões. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O livro demorou um ano para chegar
até mim, pegou atalhos, retornou ao seu país, voltou para mim. E, chegando ao
seu destino, eu o li de um fôlego só. Escrevo-lhes para dizer que se algum dia
estiverem diante de alguma livraria e encontrarem “El patio de los vientos perdidos”
comprem sem pestanejar. É uma lástima que não esteja traduzido em português.
Quanto ao meu exemplar, já aviso, avaramente, não empresto para ninguém.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-8810894857211412272017-09-11T20:21:00.001-07:002017-09-11T20:29:36.832-07:00Julian Barnes, um escritor transgênero<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Ano passado conheci um homem que aprecia música clássica e é
um grande conhecedor dela. Eu, que no máximo gosto de algumas sinfonias de Mahler,
Wagner e as estações de Vivaldi, escutei tudo o que ele me sugeriu.
Paramos de nos falar ano passado e voltamos somente mês passado. Ele me indicou
alguns vídeos no YouTube de um compositor que adora: Chostakovich. Inclusive
assisti a abertura do filme De olhos bem fechados, de Kubrick, com música de
Chostakovich.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Peguei para ler o livro O
Ruído do Tempo, de Julian Barnes, e seu personagem é Dmitri Dmitrievich
Chostakovich. Descubro que ele foi o mais celebrado compositor da União
Soviética e também o mais coagido e intimado pelo Estado. Em janeiro de 1936,
Stalin assistiu a apresentação da sua aclamada ópera Lady Mcbeth de Mtsensk, em
Moscou, e saiu intempestivamente da apresentação antes do final. Dias depois
apareceu uma crítica no jornal <i>Pravda </i>chamando
a obra de Chostakovich de chinfrim, escrita provavelmente pelo próprio Stalin. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O Ruído do Tempo é um
livro que mostra perfeitamente como a arte colide com o poder. Um episódio
dentre muitos contados nesse romance. Em 1950, quando Chostakovich foi a Nova
York, como enviado russo para um congresso sobre a paz, chegou a cogitar em se
jogar da janela de seu quarto de hotel. Um ano antes, um russo em busca de
asilo o tinha feito. Ele, Chostakovich, cogita a possibilidade, mas não o faz
também porque sabe que o Estado destruiria sua obra e teria seu nome colado a
alguma história deturpada que construiriam. Tentou viver e construir uma obra
em um regime que não permitia os amores, a liberdade, em que dizer a verdade se
tornou impossível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Em um evento promovido
pelo jornal Guardian, a propósito da publicação de O Ruído do Tempo, Julian
Barnes questionou porque o designaram como “romance biográfico”. Segundo ele,
todos os romances o são, são o estudo de uma vida, seja de Anna Karenina, de
Madame Bovary ou de uma pessoa real como Chostakovich. E também sustentou que
trabalhava de maneira instintiva, que não lhe interessavam os gêneros literários,
que ele era um “escritor transgênero”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O Ruído do Tempo é um
livro maravilhoso, instrutivo de como as tiranias destroem a verdade, o amor, a
liberdade. Barnes escreve que seu personagem esperava que a música o
libertasse, e em determinado momento, que a morte o libertasse. Há um
questionamento de a quem pertence a arte. Lenin escreveu que a arte pertencia ao
povo. Barnes escreve sua tese sobre a quem pertence a arte e coloca na boca de
seu personagem. A arte não pertence ao povo e ao Partido. “A arte é o murmúrio
da História, ouvido sobre o ruído do tempo.”<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Escrevo essa pequena
resenha para todos, mas em primeiro lugar para meu quase amigo que me
apresentou Chostakovich. Para retribuir a gentileza, apresento-lhe esse Ruído
do Tempo, de Julian Barnes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-FHXfZH75MFE/WbdSACHUz5I/AAAAAAAAAoY/H2ARIp7BLb4lJpCpTuhi4CfrGgbu_eHbwCLcBGAs/s1600/21691129_1471699932906734_1728221233_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="360" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-FHXfZH75MFE/WbdSACHUz5I/AAAAAAAAAoY/H2ARIp7BLb4lJpCpTuhi4CfrGgbu_eHbwCLcBGAs/s320/21691129_1471699932906734_1728221233_n.jpg" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-9481388450787624872017-05-31T19:46:00.001-07:002017-05-31T19:51:01.195-07:00O dia depois de amanhã O fim do amor é como a explosão de um planeta. O outro não lhe quer mais, o amor que chegou ao fim para um, acaba com o mundo de quem ainda ama.<br />
A explosão dos polos. Geleiras derretem. O caos. O gelo derretido se transforma em grandes ondas. Você é arrastado. Um turbilhão indescritível de material se chocando. O fim do mundo.<br />
Submerso, no fundo de tudo que se decompõe, é preciso emergir do caos que o rodeia. O dia seguinte ainda será uma geleira decomposta? E o dia depois de amanhã?<br />
Uma promessa descumpriu-se. O amor é uma promessa: jura que vai amar, que vai estar junto, que vai caminhar junto, que vai casar e depois desonra tudo.<br />
Como continuar sendo quem se é com tanta desonra?<br />
E no dia depois de amanhã, quando já tiver destituído esse amor e encontrar o próximo, o que trará para o novo dos destroços do velho mundo explodido, dos polos derretidos, dos mares revoltos?<br />
Um mundo se acabou, uma nova ordem se fez a partir do caos, o que disso tudo serve para o dia depois de amanhã?<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-HTQpad2Ll48/WS-ACWk3TGI/AAAAAAAAAnc/35NE9IjFYbgKR96b4COUxb7M4wXUPC_8QCLcB/s1600/img.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="180" src="https://3.bp.blogspot.com/-HTQpad2Ll48/WS-ACWk3TGI/AAAAAAAAAnc/35NE9IjFYbgKR96b4COUxb7M4wXUPC_8QCLcB/s320/img.jpg" width="320" /></a></div>
<br />Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-46828410851200061842017-02-12T17:56:00.001-08:002017-02-13T16:06:32.490-08:00Panamá Papers: a corrupção e o cinismo são ilimitados<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-KvsZK2_2Px4/WKESOV0Cj5I/AAAAAAAAAm4/NLtizatKmioTe3Uy9u6oqWl1HocVTodFACLcB/s1600/16754257_1262271883849541_1095246105_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-KvsZK2_2Px4/WKESOV0Cj5I/AAAAAAAAAm4/NLtizatKmioTe3Uy9u6oqWl1HocVTodFACLcB/s320/16754257_1262271883849541_1095246105_n.jpg" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em parte de minhas férias li esse
livro escrito pelos jornalistas alemães Bastian Obermayer e Frederik Obermaier.
Os dois jornalistas do Süddeutsche Zeitung, o jornal alemão, começaram a
receber, de uma fonte anônima, e-mails com documentos do Banco do Panamá
Mossack Fonseca. E a cada dia recebiam mais e-mails com documentos scanneados
de aberturas de contas, troca de mensagens, operações financeiras de milhões e bilhões
de dólares, etc. E foram percebendo a importância do material recebido,
políticos, empresários e artistas do mundo inteiro com dinheiro escondido no
banco do Panamá. E perceberam a gravidade da evasão de divisas em milhares de <i>offshores</i> mantidas pelo banco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os documentos chegaram a mais de
dois terabytes e não teriam como ler e investigar tudo. Começaram a trabalhar
com um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), e depois
foram convidando jornalistas de todo o mundo para participar dessa pesquisa
inicial. Mais de 100 jornalistas, alguns brasileiros, inclusive, estiveram
nessa pesquisa denominada Panamá Papers.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os parentes próximos de
praticamente todos os ditadores da África têm contas com milhões de dólares na
Mossack Fonseca. O melhor amigo de Putin, o violoncelista Sergei Roldugin, padrinho
de sua filha mais velha, tem offshores com bilhões de dólares. Só em uma
operação, um banco de Malta, recebeu dinheiro de Moscou e enviou à Mossack 200
milhões de dólares. Os filhos do primeiro ministro do Paquistão têm milhões em
contas lá. A mulher do primeiro ministro da Islândia também – ele pediu
demissão do cargo ano passado, quando o escândalo veio a público. Todos os
dirigentes da FIFA têm também. O cunhado de Xi Jinping, o presidente da China
também. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em função de uma investigação
interligada entre a Argentina e o Estado de Nevada, nos EUA, os dois jornalistas se debruçaram sobre os papéis
em busca de evidências de que Cristina Kirchner e seu falecido marido tivessem conta na Mossack Fonseca, sendo culpados de evasão de divisas, confirmando a suspeição da investigação judicial em curso. Não
encontraram pistas e concluíram que o casal não tinha conta fantasma no Mossack
Fonseca. Mas Maurício Macri tem. Duas. E Lionel Messi também. No nome dele e de
seu pai.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O pai de David Cameron também
tem. O ex-primeiro ministro britânico respondeu aos jornalistas do SZ que a
conta de seu pai não dizia respeito a ele, não tinha feito nenhuma movimentação
nela. Mas não foi bem isso que os jornalistas descobriram. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Minha grande decepção: o filho de
Kofi Annan também tem. Logo ele que sempre criticou tanto a evasão de divisas e
seu efeito catastrófico para o povo africano. Um continente tão rico quanto
injusto, com ditadores milionários e o povo morrendo de fome. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma história do livro que achei
uma lição do tanto que alguém pode ser cínico. O quadro de Modigliani ´O Homem
sentado apoiado em uma bengala´ foi roubado pelos nazistas de um colecionador
judeu, em Paris, durante a II Guerra Mundial. Sumiu e apareceu em diversos
momentos nas últimas décadas. Anos atrás apareceu em uma exposição de uma
galeria em Nova York. Maestracci, o herdeiro do colecionador, entrou na justiça
americana pedindo o quadro ao dono da galeria que o expôs, a Nelly Nahmad
Gallery. Nelly Nahmad, o milionário, responde diante de um juiz que o quadro
não era dele, estava emprestado de uma firma chamada International Art Center.
Com isso, Maestracci retira o processo. Com o Panamá Papers, ano passado, se descobre
que essa firma tem conta no Mossack Fonseca e pertence a Nelly Nahmad. Como
alguém tem a coragem, o cinismo de, diante de um juiz, e do herdeiro de um
quadro em que seu proprietário foi roubado pelos nazistas e, provavelmente, foi perseguido, dizer ‘o quadro não é meu’, sendo seu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Também se percebe que muitos
milionários abrem firmas e contas fantasmas para comprar mansões, iates, obras
de arte etc. Não vamos tão longe, Joaquim Barbosa, o ex-ministro do STF comprou
um apartamento em Miami no valor de 335.000 dólares, abrindo <i>offshore</i> na Mossack Fonseca. E sem pagar
o imposto de transferência do dinheiro. Isso nem aparece no livro. É coisa tão
pequena diante dos escândalos listados lá. Mas pudemos ler isso na imprensa
brasileira ano passado, quando o escândalo estourou. É só digitar no google
Joaquim Barbosa Panamá Papers e a história está toda lá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E também encontramos no google a
lista de todos os políticos e empresários brasileiros que tinham conta lá. O primeiro deles,
Eduardo Cunha.<o:p></o:p></div>
<span style="text-align: justify;"> Enfim, com tudo isso quero dizer
que é muito instrutivo ler esse livro. Indico a todos. A corrupção gigantesca e
permanente de tantos seduzidos pelo poder e pelo dinheiro, sem o mínimo de
ética e de respeito às leis está tão evidente. Dá nojo saber, mas não se pode
virar as costas a isso.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-83260068462489483662017-01-17T18:08:00.000-08:002017-01-18T06:13:38.949-08:00Amanhã, com a chuva, será outro dia<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-YwAoMEJpQes/WH7OHQH_FUI/AAAAAAAAAmc/9lBdSQLY3XUU3VF9ssdikCsRWbHVdghrwCLcB/s1600/16128758_1235996289810434_1132344968_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-YwAoMEJpQes/WH7OHQH_FUI/AAAAAAAAAmc/9lBdSQLY3XUU3VF9ssdikCsRWbHVdghrwCLcB/s320/16128758_1235996289810434_1132344968_n.jpg" width="240" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os
Tambores da chuva, de Ismail Kadaré, é um livro para mostrar que um poderoso
exército pode fracassar diante da determinação do inimigo. É para mostrar que
toda dominação tem seus limites e, creio eu, que numa guerra o ser humano
mostra o seu pior, sua crueldade, sua barbárie, seu desprezo pelo próximo e,
mais ainda, para o estranho, estrangeiro, cristão, muçulmano, outro, <i>héteros</i>, o diferente. E para qualificar
essa baixeza do ser humano-guerreiro não serve nem ao menos dizer que vira
animalesco, pois os animais não mostram vingança, crueldade, vaidade. Numa
guerra intestina, o ser humano é humano e não animalesco. E sempre perde, todos
perdem. Assim entendi o romance. Se é que se pode tirar uma moral da guerra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Na
segunda metade do século XV, o exército otomano faz um cerco a uma fortaleza cristã
na Albânia, pequeno país dos Balcãs. É a cidadela do herói nacional albanês
Gjergi Kastriot Skënderbeu. Sei pela história que essa fortaleza cristã
defendida por Skënderbeu foi atacada quatro vezes, no período de vinte e cinco
anos, e só sucumbiu na quarta vez. O cerco contado no livro ocorreu depois da
tomada de Trebizonda e antes da de Constantinopla pelos turcos. Então, no
começo do livro, quem sabe um pouco da história da Albânia, já sabe que esse
cerco será fracassado e que os turcos, ao final, recuarão derrotados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
paxá Tursum, comandante-chefe do cerco, posto como um general para o ocidente, precisa
conquistar a cidadela para não cair em desgraça junto ao sultão. Estão mais de
três meses nesse cerco, já tentaram quase tudo. Um novo e moderno canhão que
iria derrubar os muros. Não derrubou. Várias tentativas de soldados invadirem
subindo pelos muros; bolas de piche catapultadas para dentro da cidadela. Os
turcos constroem um túnel, os albaneses percebem e o afundam com todos os
soldados que estavam nele sendo soterrados. Nada funcionou. Então a cúpula dos
assessores do paxá, junto com o próprio, decide o próximo passo: infectar
animais com doenças e jogarem para dentro da cidadela. O risco é que uma peste
negra – outra, pois tinham vivido recentemente uma – espalhe-se pelo mundo.
Mesmo assim, tentam: ratos contaminados por doenças são jogados para dentro da
cidadela. Não se sabe exatamente como, mas os sitiados conseguiram debelar a
ameaça. Os ataques são ferozes, porque o paxá é um homem encurralado. A gente
se pergunta quem está mais encurralado, os que estão nas trincheiras ou os que
estão presos na cidadela. Kadaré escreve: “não há ataque mais feroz do que
aquele desferido por um homem encurralado”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
assim se passaram mais de três meses, o verão está terminando, o calor atroz
começa a ceder e a cidadela continua impenetrável. A última tentativa é
descobrir o aqueduto e cortar a água para a cidadela. Depois de muito tentar,
cavando, conseguem e cortam a água. Passam-se alguns dias. Abrem a barriga dos
soldados capturados nas torres da cidadela e o médico turco já percebe a falta
da água. Se chover, os albaneses se fortalecem novamente e eles, turcos, terão
de recuar. Isso justifica o nome do livro: os tambores, numa madrugada,
anunciam a chuva. Tursum sabe que acabou, acabou o cerco e acabou sua vida. Sua
desonra é tanta que antes de se matar, chama uma das mulheres de seu harém,
grávida dele, e pede que coloque no filho que terá seu nome e conte a ele a
história de quem ele foi. E se mata. Nem essa glória seu nome terá, pois no
difícil trajeto de volta para casa, no chacoalhar das carroças, a jovem perde o
bebê. Nessa parte, o autor foi bem cruel com seu personagem: não sobrou a ele
nada, nem descendência, nem nome, nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dois
pontos principais que gostaria de marcar. O primeiro é uma pergunta que o
intendente-chefe turco faz ao cronista da guerra: O projeto de extermínio de um
povo é realizável? E ele mesmo, intendente, responde: mais do que destruir
fortalezas, é preciso desnacionalizar os povos e fazer sua língua e religião
desaparecerem. Qual é mais importante tentar apagar, a língua ou a religião?
Conclui que é a língua e para exterminar um povo, sua língua deve ser proibida
de ser escrita. É difícil proibir de ser falada, mas de ser escrita é possível.
Essa é a verdadeira dominação que o Império Otomano sempre tentou em todos os
povos conquistados: apagar a língua. Skënderbeu, o herói albanês é um exemplo
disso: ele e os três irmãos, filhos de um nobre albanês, foram raptados ainda
garotos e obrigados a se aculturarem. Um se matou, outro se tornou eremita e
Skënderbeu torna-se soldado do exército turco. Começa a construir a fama de
excelente soldado nos campos de batalha. Falava perfeitamente a língua turca,
já era um oficial até conseguir uma chance de fugir e voltar ao seu povo. Creio
que essa é a discussão que Ismail Kadaré traz e que responde mais ou menos
assim: não se apaga a língua materna, não se extermina o passado, as raízes de
um sujeito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
o segundo ponto que quero marcar é como as mulheres são objetos a serem
consumidos em todas as guerras. Enquanto esperavam a conquista da cidadela, os
soldados turcos saqueavam as vilas vizinhas e as mulheres eram capturadas para
o gozo sexual desses tensos soldados no campo de batalha. Eram tão
continuamente estupradas que raramente duravam mais do que dois dias. Quando o
vencedor invade, as mulheres do povo subjugado são estupradas. Essa história
acontece em todas as guerras, em todos os séculos. Mês passado, no facebook
estavam todos se escandalizando porque os familiares com jovens pediram permissão
para sacrificá-las antes que os soldados sírios rompessem o cerco em Aleppo. Por
que isso não muda através dos séculos?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Com
esses comentários nem preciso dizer o quanto o livro é bom, e se vocês me
acompanharam na leitura até aqui, não podem deixar de ler Os tambores da chuva.
Torço muito para que Ismail Kadaré ganhe o Prêmio Nobel de Literatura desse
ano.<o:p></o:p></span></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-79057131703970876712016-12-30T13:09:00.002-08:002016-12-31T14:34:49.609-08:00O mestre e a Margarida<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-HRImjDuCiUc/WGbM_ZegDpI/AAAAAAAAAl8/nVl0ErOWb6U4eP22tuF2eJ2ok1dofw8wACLcB/s1600/22028684.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-HRImjDuCiUc/WGbM_ZegDpI/AAAAAAAAAl8/nVl0ErOWb6U4eP22tuF2eJ2ok1dofw8wACLcB/s320/22028684.jpg" width="205" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O diabo chega a Moscou comunista de
1930 e começa seus intentos – que ninguém sabe bem qual é - destruindo
primeiramente os escritores. Os dois primeiros comunistas poetas que descobrem
que o estrangeiro Woland é o capeta perdem a cabeça, um literalmente, decepada
por um bonde, e o outro, enlouquecendo. Ninguém acredita quando o poeta diz que
conversou com o capeta e ele esteve presente quando Pôncio Pilatos deu sua
sentença. O poeta fica confinado no manicômio e uma das coisas que descobre lá
é que era mau poeta e deve parar de escrever. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E o diabo, que chama-se Woland, é um
estrangeiro e não russo, chega a Moscou acompanhado de seus anjos decaídos e
outras criaturas demoníacas: Behemot, Abaddon, Azazel, uma feiticeira ruiva, que sempre andava nua, de
beleza perfeita se não fosse por uma cicatriz horrenda no pescoço, e outra
figura patética, Korôviev, um baixinho, de óculos e terno xadrez, todo
meticuloso. É a descrição perfeita de um burocrata. Este é o séquito infernal
que bagunçará os alicerces de Moscou. Behemot é descrito no Livro de Jó como um
monstro gigante ou como um leão monstruoso ou um grande touro. Segundo a
tradição judaica, esse “animal” é o monstro da terra, em oposição a Leviatã, do
mar. Pelo que eu pesquisei, não é um servo do diabo, mas no romance de Mikhail Bulgákhov
assim o é, e mostra-se como um enorme gato. O enorme gato Behemot é um dos
servos do satanás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em “O mestre e a margarida”, Mikhail
Bulgákov faz uma sátira do regime comunista, uma ferrenha crítica disfarçada,
mas tão disfarçada, que o que ele denuncia está às claras: no seu show no
teatro da cidade, Woland deu dinheiro estrangeiro para os “pobres” moscovitas,
ofereceu novos vestidos e perfumes estrangeiros para as mulheres, que aceitaram
imediatamente. Quando saem do espetáculo, na rua perto do teatro, os vestidos
desaparecem e estão nuas – versão que Bulgákov dá para A nova roupa do rei – e o
dinheiro era dinheiro de tolos, pois vira papel. E um dos ajudantes do diabo
sai com essa pérola: os moscovitas continuam os mesmos. Forma que o autor usa
para mostrar a hipocrisia: apoiam publicamente o comunismo com seu desprezo
pelo dinheiro e consumismo dos “inimigos”, mas é disso que gostam. E nesse
show todas as hipocrisias são reveladas, os corruptos, os que têm amantes, os que roubam o partido. Depois, a investigação concluirá que foi uma hipnose de todos que
estavam no teatro, mesmo quando tantos funcionários do teatro dizem que é coisa sobrenatural, do mal, não podem acreditar: não acreditam em Deus e nem em Diabo.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enfim, o diabo serve para mostrar
as incongruências dos moscovitas, do comunismo, de Stalin. Fiquei pensando quem
seria o diabo: o diabo é Stalin? O diabo foi o comunismo? É o ser humano com
suas hipocrisias e falsidades? E gana de poder?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só quem não se corrompe pelos
oferecimentos do diabo é Margarida, que sofre porque é casada com um homem a
quem não ama, que lhe dá todos os bens materiais que ela precisa, perfumes e
roupas, pois é um homem importante na hierarquia – mais uma vez Bulgákov mostra
a hipocrisia do partido – e ama um escritor a quem não pode ter, pois está
desaparecido. Ela vive um inferno, pois não esquece o Mestre um minuto. O
escritor amado por Margarida é assim designado por ela. No romance, então, o
mestre não é o diabo. Parece-me até mesmo, na segunda parte do livro, que o
mestre é o amor. Margarida quer esquecer esse amor, se não pode reencontrar o
Mestre, que o esqueça, que volte a pensar em outras coisas, a encontrar
alegrias em outras coisas na vida. Margarida queria o dom do esquecimento da
dor de um amor. O diabo envia Azazel para lhe oferecer um pacto. Ela aceita,
mas ao invés de esquecer o Mestre, o diabo lhe oferece uma nova tentativa de
fazer dar certo o amor, com a condição de que ela ocupe por uma noite o lugar
de acompanhante dele no baile anual do Inferno. Essa parte é hilária. Margarida
vira Rainha Margot, a recepcionar todos os moradores do Inferno. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E depois Margarida e o Mestre se
reencontram e podem ser felizes juntos. Mas nem assim eles conseguem o céu. A
partir daqui não conto mais. Para não tirar a graça de vocês lerem a parte
final, não conto mais nada.Sim, porque vocês têm de ler esse livro. Ele tem quase um século que foi escrito, mas não perdeu o humor. Eu ficava rindo sozinha em minha sacada no final de semana passado enquanto o lia. Recomendo muito a leitura.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-38942954916595765162016-12-30T12:10:00.000-08:002017-01-16T09:03:57.233-08:00Lacan debatendo com as damas inglesas: da contratransferência ao pior<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;">XVII ENCONTRO
NACIONAL DA EPFCL-BRASIL<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;">12 A 14 DE
NOVEMBRO DE 2016</span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"> SÃO PAULO\SP<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-j0sFh_LpA8Y/WGa_RNkzdkI/AAAAAAAAAls/XrfdBBEKxhMZNscVtcqCDfFHHvFH6BpIwCLcB/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="112" src="https://2.bp.blogspot.com/-j0sFh_LpA8Y/WGa_RNkzdkI/AAAAAAAAAls/XrfdBBEKxhMZNscVtcqCDfFHHvFH6BpIwCLcB/s320/download.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
No Seminário X, dando aula sobre a angústia e o objeto a, Lacan apresenta
três artigos de autoras de língua inglesa: de Margareth Litlle, de Bárbara Low
e de Lucy Tower. Nos três teoriza-se sobre a contratransferência como um manejo
importante para a condução das análises. Nos capítulos 11 e 12 desse seminário
sobre a angústia, o viés do comentário de Lacan é de que essa teoria coloca
obstáculo ao desejo do analista. Mas adiante nesse mesmo seminário, quase nos
capítulos finais, retoma o artigo de Lucy Tower, mais precisamente um de seus
casos clínicos para diferenciar o homem e a mulher diante do desejo do Outro.
Mas há um ponto que Lacan já tinha debatido no capítulo nove: o acting-out e a
passagem ao ato. O artigo de Bárbara Low não nos mostra a clínica, mas das
outras duas autoras sim. E temos também o livro de Litlle sobre sua análise com
Winnicott. E em todos esses casos clínicos, abundam acting-outs. De um lado a
saída de cena (passagem ao ato), do outro a mostração de que o analista passou
ao largo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Acreditamos que esse estudo traz questões cruciais à psicanálise: o
manejo da transferência, a análise do analista e a interpretação. Lacan mostra,
com os artigos dessas três autoras, como a teorização da contratransferência leva
ao acting-out. Esse é o primeiro objetivo desse trabalho. O segundo é mostrar
como faz falta a essas autoras uma teoria sobre a fantasia e o objeto a. E o
terceiro é mostrar como Lacan traz esse tema no Seminário 10 e une sua
construção do objeto a e da causa do desejo com o desejo do analista. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoListParagraph" style="line-height: 200%; margin-left: 60.55pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<!--[if !supportLists]-->1.<span style="font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: normal;">
</span><!--[endif]-->As damas da contratransferência<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
O artigo de Margareth Litlle “A resposta total do analista às
necessidades do seu paciente” foi apresentado na Sociedade Britânica de
Psicanálise, em janeiro de 1956.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference">1</span></a> Começa
definindo o símbolo R: atitude inconsciente do analista em relação a seu
paciente; elementos recalcados e ainda não analisados do próprio analista;
algumas atitudes e mecanismo específicos com os quais o analista vai ao
encontro da transferência do paciente; totalidade das atitudes e do comportamento
do analista em relação ao seu paciente. E cita Humpty-Dumpty: “Quando eu uso
uma palavra, ela significa apenas o que eu escolhi que ela significasse – nem
mais nem menos do que isso. Quando Alice questionou se seria possível fazer
com que as palavras significassem muitas coisas diferentes, ele respondeu: “A
questão é, o que é ser um Mestre, isso é tudo.” Essa referência a Alice no país das maravilhas, faz-me pensar que a personagem Alice é um tanto lacaniana. Lacan também aelga em A Terceira que um significante pode estar aberto a
todos os sentidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Afirma Litlle: “Nossa dificuldade aqui é conseguir que uma palavra não
signifique uma coisa diferente para cada pessoa que usa essa palavra”. Essa
uniformização que ela quer é a respeito da contratransferência e assim chega a
uma letra para conseguir essa palavra
que não resvale para a equivocação: o Símbolo R. “É a resposta total do
analista às necessidades de seu paciente, qualquer que sejam as necessidades e
qualquer que seja a resposta.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference">2</span></a> Nele
está incluída a escuta, o silêncio do analista, sua forma de reagir ou não
reagir. A contratransferência é apenas uma parte do que está incluído no Símbolo
R.. Lacan faz uma troça: “não sou só eu que uso uma letra como símbolo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Fala de um paciente que ela teve de comparecer em uma audiência, e sob
juramento, dar avaliação desse conflito com o mundo exterior que o paciente
tinha, e que ocasionou seu acting-out. Ela crê que o analista é responsável por
tudo, que é muito mais poderoso do que é. É claro que um analista deve conduzir
o tratamento, mas não o paciente. Pelo que ela descreve, parece que o analista
conduz o paciente. Escreve coisas como “ele [o analista] tem que ser capaz de
fazer todo tipo de identificações com o seu paciente, aceitando a fusão com
ele, o que com frequência implica envolver-se ele mesmo em algo realmente
maluco, e, ao mesmo tempo, tem que ser capaz de permanecer inteiro e separado”.
E essa teoria de fusão, eu, não-eu, seria a Influência de sua análise com
Donald Winnicott?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Refere-se ao acting-out como um limite atingido e o paciente não pode
tolerar a separação, quando a exigência ao ego for grande demais pode surgir um
acting-out violento. Em nenhum momento relaciona os acting-out de sua paciente
Frieda, relato clínico desse artigo, como um erro no seu manejo da
transferência ou da interpretação. Ela escreve:
“Em todo caso, quando uma análise está andando velozmente e as ideias seguem
umas as outras em rápida sucessão, ou os mecanismos estão mudando, é impossível
estar sempre um passo a frente do paciente, ou pensar sempre antes de falar ou
agir. A gente só percebe que falou alguma coisa depois que falou. Se o contato
inconsciente com o paciente é bom, o que é dito no impulso usualmente acaba
resultando correto.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference">3</span></a> <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Quanto fala da técnica, Litlle relata que, com frequência o surgimento de
acting-out tem sido normalmente atribuído a insuficiências no analista,
insuficiência na análise. Em seguida, ela diz: “Quando consideramos pacientes
como essa que citei, vemos que os pacientes cujo sentido da realidade foi
seriamente prejudicado, e que não podem distinguir o delírio ou a alucinação da
realidade, não podem usar interpretações transferenciais, porque a
transferência em si mesma é de natureza delirante. As interpretações
transferenciais exigem o uso do pensamento dedutivo, da simbolização, e da
aceitação de substitutos. Não é possível transferir o que não está aí para ser
transferido, e nesses pacientes as experiências primordiais não lhes permitiram
construir o que é preciso para ser transferido, nem a figura de uma pessoa
sobre a qual a transferência seja possível. Eles ainda vivem no mundo primitivo
da sua primeira infância – a posição do fantasma isso, para todos – e suas
necessidades têm que ser consideradas nesse nível, no nível do narcisismo
primário e do delírio.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference">4</span></a> Ou seja,
tudo é “culpa” do paciente se ele não entender as interpretações. Falta a
Litlle saber que lugar ocupa na transferência, construir o caso clínico, ter
uma teoria sobre a fantasia e o objeto a.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Agora vamos a outra das autoras inglesas da contratransferência. O artigo
“Contratransferência”, de Lucy Tower, também foi escrito em 1956 e foi o único
artigo escrito por ela em toda sua prática como psicanalista.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="MsoFootnoteReference">5</span></a> Começa alegando que “Não se supõe
existirem analistas tão perfeitamente analisados a ponto de não terem mais um
inconsciente, ou serem imunes ao revés de impulsos instintivos e de defesas
contra esses impulsos. O próprio linguajar de nossas práticas no treinamento,
desmentem essa máscara de analista perfeito.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn6" name="_ftnref6" title=""><span class="MsoFootnoteReference">6</span></a>
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
A autora relaciona a contratransferência com o acting-out. “Episódios de
acting-out contratransferenciais, por exemplo, confrontam o analista com uma
situação surpreendente, que exige rápida ação e bom senso. Ele deve se
concentrar em manter a situação analítica sob controle e frequentemente a
surpresa e o choque apagam da memória os processos que conduzem até o incidente,
provavelmente devido à repressão do desconforto então experimentado”. (p. 132)
Dá um exemplo de um candidato a analista que conduzia um caso que caminhava
para um final próspero. Ele sentia por sua paciente muito atraente uma forte
contratransferência sexual. Contou ao Dr X (o analista prévio, no contexto da
formação. Não sei o que é) e ele perguntou: como você pode ser isso por uma
paciente? A partir disso ela relata que uma vez sentiu atração por um paciente.
Continuando no relato desse “excelente terapeuta, sustenta que ele não era
propenso ao acting-out. Com isso ela institui o acting-out do analista. O que
seria isso? Um analista que saiu do lugar de objeto a e de causa de desejo para
assumir-se desejante? Dá um exemplo dela também. Esquece o horário de uma
paciente. Era uma paciente com reação próxima da psicose (sabe-se lá o que isso
quer dizer), suportava as crises de ira da paciente, semana após semana, até
quando esquece seu horário de sessão. Quando chega no consultório fica sabendo
que ela já se fora, extremamente brava. A partir disso pode perceber o ódio que
estava sentindo da paciente. Ela chegou na sessão seguinte já perguntando “onde
você estava ontem?” Tower apenas responde “desculpe-me, me esqueci”. A paciente
responde “não a culpo”. E abriu a guarda em sua “resistência obstinada”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Ela dá dois exemplos de pacientes homens que ela está conduzindo. Lacan
comenta um dos casos, o mais difícil, com “muitos sentimentos sádicos e
agressivos”. Atormentada com esse caso,
com o ódio desse paciente com relação a ela, com receio de atendê-lo mais,
tarde, quando o consultório estava mais vazio. Mas daí sai de férias e em
algumas horas esquece completamente do caso. Sua explicação é que seu
inconsciente se sintonizou com o dele, mas depois se desligou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Esse paciente descarregou seu sadismo nela, voltou a situação edípica na
transferência, rivalizando com os homens da vida da analista. “Curiosamente,
foi só com o surgimento e a solução da minha resposta contratransferencial à
situação matrimonial, e a superação da resistência do paciente contra a
comunicação, com o extravasamento de um grande peso afetivo, que comecei a ter
sentimentos de admiração por esse homem como pessoa.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn7" name="_ftnref7" title=""><span class="MsoFootnoteReference">7</span></a>
Ela entende que só depois o inconsciente de seu paciente perceber que a havia
forçado a se dobrar, a ser dominada por ele, que ele reexperimentou a situação
edipiana. Ele a dobrou. E decorrente disso, experimentou uma confiança interna,
superando seu sadismo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Como Lacan chega a Lucy Tower nesse seminário em que está falando sobre a
angústia? A partir de sua paciente telecomandada<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn8" name="_ftnref8" title=""><span class="MsoFootnoteReference">8</span></a>,
que pode abdicar de seu próprio olhar para que Lacan olhe por ela, que contou a
Lacan uma história romanesca em que foi para um homem o que ele desejava. Lacan
tinha dado o exemplo do homem com seu mito de que faz a mulher a partir de uma
de suas costelas. O homem faz seu objeto de desejo a partir do objeto perdido,
“a mulher, para o homem é um objeto feito disso”.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn9" name="_ftnref9" title=""><span class="MsoFootnoteReference">9</span></a>
E continua, sustentando que o que importa é apreender a ligação da mulher “com
as possibilidades infinitas, ou melhor, indeterminadas do desejo, no campo que
se estende ao redor dela”.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn10" name="_ftnref10" title=""><span class="MsoFootnoteReference">10</span></a><span class="MsoFootnoteReference"> </span>Assim, maçã é para fisgar o desejo do Outro.
“É o desejo do Outro que lhe interessa”. É nesse sentido que Lacan diz, em
seguida, que Don Juan é o sonho feminino: é um desejo volátil, Don Juan se
prestou a ser o objeto de desejo do outro e depois caiu fora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E daí entra na discussão dos casos clínicos de Tower: ela atrai para si
uma tempestade. Ela suporta as consequências desse desejo. O desejo dela foi
implicado.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn11" name="_ftnref11" title=""><span class="MsoFootnoteReference">11</span></a> O paciente queria
dobrá-la ao seu desejo, que essa mulher que era sua analista se curvasse: to
stoops, “She stoops to conquer é uma comédia de Sheridan. Pelo menos é isso o
que nos relata Lucy Tower em seus próprios termos, e só podemos ficar-nos
nela.” Havendo procurado o desejo do homem, encontrou o objeto verdadeiro, a;
“aquilo que se trata no desejo, que não é o Outro, mas esse resto, a”. Foi o
que ela mesma chamou de “ter mais masoquismo do que eu supunha”.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn12" name="_ftnref12" title=""><span class="MsoFootnoteReference">12</span></a> <o:p></o:p></div>
<div class="MsoListParagraph" style="line-height: 200%; margin-left: 60.55pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<!--[if !supportLists]-->2.<span style="font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: normal;">
</span><!--[endif]-->Acting-out: quando o analista erra o alvo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
No caso Clínico
de Margareth Litlle, os acting-out de sua paciente era jogar-se à frente dos
carros, realizar o <i>a</i> que ela é. Um
dia foi atropelada seriamente, por um carro, ao sair da sessão, em frente de
seu consultório. Como Litlle não pensou que esse acting-out poderia significar
que foi um erro de interpretação dela? Outra vez foi atropelada perto da casa
de Litlle, e na frente dela, a analista. Ela se colocou em perigo, “pulando de
forma maluca entre os carros, em uma avenida movimentada.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn13" name="_ftnref13" title=""><span class="MsoFootnoteReference">13</span></a> Novamente estava mostrando que a
analista passou ao largo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Lucy Tower enxerga um pouco mais do que Litlle, relaciona a
contratransferência com o acting-out. Mostra os acting-out dela, como no caso
do esquecimento da sessão de uma paciente complicada, agressiva. Fala,
inclusive, do acting-out do analista. E também alega que o paciente violento,
sádico cometeu acting-outs. Mas não nos disse quais eram. E temos outros dois
casos clínicos clássicos em que Lacan mostra o acting-out. No seminário três
nos apresenta o Homem dos Miolos Frescos, de Ernet Kris, e no Seminário cinco,
o Caso da perversão transitória, de Ruth Lebovici. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
No Seminário X, Lacan está trabalhando com as categorias de Inibição,
Sintoma e Angústia, de Freud, e coloca o impedimento e o acting-out na coluna
do sintoma, e o embaraço e a passagem ao ato do lado da angústia. (89) Ele
explica no capítulo que é “a partir do
Outro que o <i>a</i> assume seu isolamento,
e é na relação do sujeito com o Outro que ele se constitui como resto”.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn14" name="_ftnref14" title=""><span class="MsoFootnoteReference">13</span></a> O objeto a está ligado à função de
resto, largar de mão, deixar cair (laisser tomber) é o niderkommen lassen, da
jovem homossexual. Esse largar de mão é o correlato essencial da passagem ao
ato, é o momento de embaraço maior do sujeito, com o acréscimo comportamental
da emoção como distúrbio do movimento. “É então que, do lugar em que se
encontra – ou seja, do lugar da cena em que, como sujeito fundamentalmente
historizado, só ele pode manter-se em seu status de sujeito – ele se precipita
e despenca fora da cena”. Na jovem homossexual, a função de a foi tão
prevalente, afirma Lacan, que a análise com Freud também termina assim: ele a
deixa cair. Estar nesse lugar é a função de resto, de ser deixado cair, de largar
de mão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Essa saída de cena, Lacan chama de “partida errante para o mundo puro”. É
a passagem da cena para o mundo. E Lacan relembra que aquilo que Electra não
perdoa em sua mãe Clitemnestra é “que um dia ela a deixou escorregar de seus
braços”.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn15" name="_ftnref15" title=""><span class="MsoFootnoteReference">14</span></a> (p. 137).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
A tentativa de suicídio da Jovem homossexual foi uma passagem ao ato,
afirma Lacan, mas toda sua aventura com a dama de reputação duvidosa foi
acting-out. Se a bofetada de Dora foi uma passagem ao ato, todo seu
comportamento paradoxal na casa dos K. foi um acting-out. O acting-out é
orientado para o Outro. Lacan o comparar com a libra de carne que, no balanço
de contas, é o pagamento do empréstimo para tapar os furos do desejo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Nos casos de Ernest Kris e de Rute Lebovici, e sobretudo nos de Litlle e
Lucy Tower, que estamos tratando aqui, os acting-outs foram as libras de carne
que os pacientes pagaram para mostrar a seus analistas qual era o objeto causa
do desejo. “Com os miolos frescos, o paciente simplesmente faz um sinal para
Ernest Kris: tudo o que o senhor diz é verdade, mas simplesmente não toda a
questão; restam os miolos frescos.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn16" name="_ftnref16" title=""><span class="MsoFootnoteReference">15</span></a>
Em todos eles trata-se de erros do manejo da transferência e da interpretação
do analista. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Diferente do sintoma, ele é a transferência selvagem – ou transferência
atuada, ele pede a interpretação.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn17" name="_ftnref17" title=""><span class="MsoFootnoteReference">16</span></a> Ele é
como o elefante selvagem, como fazê-lo entrar no cercado? Como por o cavalo na
roda para fazê-lo girar no carrossel? Todos eles são para se oferecer à
interpretação do analista. São essas as metáforas que Lacan usa para mostrar
que esses analistas não colocaram o objeto a para circular no tratamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Lacan marca que no que diz respeito à contratransferência, as mulheres
pareciam deslocar-se nela com mais facilidade. “Se as mulheres se movem com
mais facilidade nela, em seus escritos teóricos, é porque, presumo eu, também
não se movem nada mal na prática mesmo que não vejam seu móbil – ou melhor, não
o articulem, pois por que não lhes dar crédito por um tantinho de restrição
mental? – de maneira perfeitamente clara.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn18" name="_ftnref18" title=""><span class="MsoFootnoteReference">17</span></a>
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Lucy Tower mostra o desejo do analista, com um tanto de restrição mental,
pois não se dá conta. Mas se presta a ser esse objeto. Talvez a diferença dos
outros analistas, inclusive de Freud com a Jovem Homosexual, é que ela faz
semblante de <i>a </i>para seu paciente
sádico, se “abaixa” condescendente para ser o <i>a </i>na encenação dessa “peça” fantasmática.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E depois Lacan vai dizer que o <i>a </i>se
intromete em cena, seja na tragédia ou na comédia (melhor na comédia, já dizia
isso no Seminário V). E da história de Ajax desonrado, chega à pata do bode,
começo da verdadeira história do desejo. É uma referência a Pã, ou se
preferirem, em grego Dioniso. O bode, o sátiro, sobe ao palco. “O bode que salta
no palco é o acting-out.” E continua: “O acting-out de que falo é o movimento
daquele a que aspira o teatro moderno, ou seja, que os atores desçam até a
plateia e os expectadores subam ao palco e digam o que têm a dizer.”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn19" name="_ftnref19" title=""><span class="MsoFootnoteReference">18</span></a> <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E com isso, a seguir, Lacan começa a construir o que é o objeto a. Uma
boca, um olho, os seios de Ágatha na bandeja, as línguas dardejantes que
aparecem em “A Naúsea”, os miolos frescos, a pata de bode; enfim esses objetos
que caem e que são negativizados, então, pela presença do significante. Fica <i>stolen glances</i> - o resto do olhar que
fez sintoma no caso da paciente Frieda, de Margareth Litlle - por exemplo, e
com isso se faz a ligação entre o significante e <i>a</i>, ou dizendo de outra forma, a cooptação entre o desejo e o
fantasma. Enfim, a partir desse Seminário X, um desejo não se concebe sem a
relação com o real. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoListParagraph" style="line-height: 200%; margin-left: 60.55pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<!--[if !supportLists]-->3.<span style="font-size: 7pt; font-stretch: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: normal;">
</span><!--[endif]-->Concluindo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
No Discurso à EFP (dezembro de 1967), quatro anos depois desse seminário
sobre a angústia, Lacan escreveu que o desejo do analista é de obter a
diferença absoluta, no qual o desejo do analista é o ponto absoluto.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn20" name="_ftnref20" title=""><span class="MsoFootnoteReference">19</span></a><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
No artigo de Luis Izcovich “o desejo do analista e a diferença absoluta”<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn21" name="_ftnref21" title=""><span class="MsoFootnoteReference">20</span></a>, o autor mostra muito bem que o desejo
do analista é o desejo de que o sujeito alcance sua diferença absoluta. E que
uma análise deve propiciar que ele saiba o que ele é. Podemos chamar sua
identidade de gozo, o objeto a. O desejo do analista é fazer semblante de <i>a</i> para que o paciente possa encenar, não
no palco, mas abaixo dele, na plateia sua cena. Dizendo de outra forma, savoir
y faire com seu sinthoma. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Todas essas questões cruciais para a clínica, Lacan as construiu a partir
de seu seminário sobre a angústia. A psicanálise é uma aposta ética de que os
sujeitos possam ir até esse ponto. Mas não irão sem o desejo do analista, não
irão com teorias sobre contratransferência, não irão com encurtamento de
tratamentos para se adequar ao discurso capitalista, não irão com casamento da
psicanálise com a medicalização. O desejo do analista é sua oferta, o palco
está aí. O analista faz semblante de objeto para o sujeito do inconsciente, não
para o mercado, não para a psiquiatria. Não fazendo a psicanálise perderá
pacientes? Fracassará? Talvez, mas será esse o seu êxito.<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftn22" name="_ftnref22" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "calibri" , "sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
Referências
bibliográficas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span lang="EN-US">ALLOUCH, Jean. Psychanalyse et
écriture: Lucia Tower. </span>Conférence du salon Oedipe. Livrarie Le divan.
Paris, 7 de outubro de 2001.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
LACAN, Jacques.
O Seminário, livro 10, angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
Lacan, Jacques.
Discurso na Escola Freudiana de Paris. Outros Escritos, 2003.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
LITLLE,
Margareth. A resposta total do analista às necessidades do seu paciente.
Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, n. 32,
páginas 82-112, janeiro\junho 2007.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
TOWER, Lucy.
Contratransferência. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto
Alegre, n. 33, páginas 127-152, julho\dezembro 2007.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
LOW, Barbara. As
compensações psicológicas do analista. Revista da Associação Psicanalítica de
Porto Alegre. Porto Alegre, n. 34, páginas 166-174, janeiro\julho 2008.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference">1</span></a>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif";">LITLLE, Margareth. A
resposta total do analista às necessidades do seu paciente. Revista da
Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, n. 32, páginas 82-112,
janeiro\junho 2007.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">2</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid, p. 85.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">3</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">4</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid, p. 108.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">5</span></span></a><span lang="EN-US"> Segundo Jean Allouch.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="MsoFootnoteReference">6</span></a> TOWER, Lucy. Contratransferência. Revista da
Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, n. 33, p. 129.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn7">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="MsoFootnoteReference">7</span></a> Ibid, p.
147.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn8">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref8" name="_ftn8" title=""><span class="MsoFootnoteReference">8</span></a> LACAN,
Jaques. O Seminário, livro 10, angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p.
209.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn9">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref9" name="_ftn9" title=""><span class="MsoFootnoteReference">9</span></a> Ibid., p.
209.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn10">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref10" name="_ftn10" title=""><span class="MsoFootnoteReference">10</span></a> Ibidem,
ibid. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn11">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref11" name="_ftn11" title=""><span class="MsoFootnoteReference">11</span></a> Ibid., p.
215-16.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn12">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref12" name="_ftn12" title=""><span class="MsoFootnoteReference">12</span></a> Ibid., p.
219.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn13">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref13" name="_ftn13" title=""><span class="MsoFootnoteReference">13</span></a> LITLLE,
Margareth. A resposta total do analista às necessidades do seu paciente.
Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn14">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref14" name="_ftn14" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">13</span></span></a><span lang="EN-US"> Lacan, p.128.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn15">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref15" name="_ftn15" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">14</span></span></a><span lang="EN-US"> Lacan, p.137.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn16">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref16" name="_ftn16" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">15</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid., p. 139.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn17">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref17" name="_ftn17" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">16</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid., p. 140.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn18">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref18" name="_ftn18" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">17</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid., p. 127.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn19">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref19" name="_ftn19" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US">18</span></span></a><span lang="EN-US"> Ibid., p. 155.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn20">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref20" name="_ftn20" title=""><span class="MsoFootnoteReference">19</span></a> Lacan,
Jacques. Discurso na Escola Freudiana de Paris. Outros Escritos, 2003. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn21">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref21" name="_ftn21" title=""><span class="MsoFootnoteReference">20</span></a>
Heteridade 11. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn22">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Documents/Lacan%20debatendo%20com%20as%20damas%20inglesas%20-%20integral,%20com%20notas.docx#_ftnref22" name="_ftn22" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "calibri" , "sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a> A
terceira.<o:p></o:p></div>
</div>
</div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-17438618565669259252016-12-30T11:58:00.001-08:002016-12-30T11:58:29.206-08:00As Máscaras do Amor<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">XV
ENCONTRO NACIONAL DA ESCOLA DE PSICANÁLISE DOS FÓRUNS DO CAMPO LACANIANO NO
BRASIL <o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">AMOR
E SEXOS<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Campo
Grande, 13 a 16 de novembro de 2014<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Há
tantas máscaras quantas insatisfações, afirma Lacan em sua aula de 16 de abril
de 1958. Essa aula do Seminário V, As formações do Inconsciente, em que Lacan
falará sobre as máscaras do sintoma e ainda um episódio da epopeia romântica
Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, deram-me a inspiração do que falar para
vocês, aqui, nesse encontro sobre Amor e Sexos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Nessa
aula de seu seminário, Lacan sustenta que o desejo está ligado a alguma coisa
que é sua aparência, a máscara<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference">1</span></a>. É uma
questão essencial que temos na experiência analítica, diz Lacan, essa relação
entre o desejo e aquilo que ele se reveste.
E vai dizer que também o sintoma se apresenta sob uma máscara paradoxal.
Ele retoma o Caso de Elizabeth von R., descrito por Freud nos <i>Estudos sobre a Histeria</i>, para dizer que
seu sintoma é uma máscara de dupla identificação: com a irmã e com o cunhado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
ideia da máscara significa que o sintoma se apresenta de forma ambígua. “A
questão é a da ligação que permanece como um ponto de interrogação, um x, um
enigma, com o sintoma do qual ele se reveste, ou seja, com a máscara”.<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference">2</span></a> A máscara é essa coisa fechada que
permite o reconhecimento do desejo. Identificar a máscara com o desejo
freudiano é algo diferente do que se dirigir a um objeto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
análise serve para comprovar esse caráter vagabundo, fugidio e inapreensível do
desejo, alega Lacan. É o que faz com que ele diga: o desejo é mascarado.
Podemos desmascará-lo algum dia? É uma pergunta que faz no Seminário 10.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Uma
máscara é um revestimento, diz Lacan. Acompanhando seu ensino, também podemos
chamá-la de vestimenta, vestido. Um muro. Uma vestimenta que faz com que a
periquita de Picasso só se enamore dele quando estiver vestido. Sem a máscara,
a vestimenta, o muro, a armadura, é o gozar de um corpo. E isso não deixa claro
o que é o amor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Vou
chamar a máscara de um destino pulsional. Assim Freud dá o exemplo de um
destino, o de Tancredo e Clorinda. Jerusalém Libertada foi citada por Freud em <i>Além do Princípio do Prazer</i>. Escrita em
1581, ambientada no tempo das cruzadas, da guerra entre pagãos e cristãos,
assim vista pelo seu autor Torquato Tasso, italiano, cristão, que a escreveu
morrendo de medo que algo desgostasse a inquisição e que ele próprio fosse
considerado pagão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Em
Jerusalém Libertada, a máscara é uma armadura. Clorinda, a pagã, que usa uma
armadura para ficar forte e “poder no perigo aventurar-se”, consegue energia e
amor ardente quando a usa. Tancredo mata Clorinda em um duelo, ela disfarçada
de cavaleiro. Tirando a armadura do suposto cavaleiro que ferira, vê o corpo
casto da donzela – terá daqui saído a inspiração para Diadorim? – e com ela
morta nos braços, sente-se condenado a um indigno existir, a viver em memória
dos amores infelizes. No canto seguinte da epopeia, abre caminho numa estranha
floresta mágica que aterroriza o exército dos cruzados. Com a espada faz um
talho em um cipreste e ouve lamentar-se a voz de Clorinda: novamente me
mataste! Na árvore estava aprisionada a alma de sua amada. E o narrador nos
diz: hábil guerreiro, só débil para o amor foi. Deixa-se iludir por falsas
imagens. No aspecto amoroso, Tancredo é como todos, embora nem todos sejam
hábeis guerreiros. A isso, Freud chama um destino, “a perpétua recorrência da
mesma coisa”.<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference">3</span></a> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Lacan
afirma no <i>Seminário 20: mais, ainda</i>,
que o amor baseia-se numa certa relação entre dois saberes inconscientes,
apontando que o sujeito aproxima-se de seu objeto na condição de que não o
saiba, que esse saber é do inconsciente. “No baile dos incoerentes do amor, é
preciso uma máscara para apreender o objeto. Ele se refere a comédia de
Alphonse Allais, em que Raul e Marguerite, em um casamento de cinco meses,
feito de muitas brigas, fazem um reconciliação no baile de máscaras em que cada
um foi mascarado para, desmascarar a suposta infidelidade do outro.”<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference">4</span></a> A relação entre a orientação da libido
e o desconhecimento fica evidente tanto no Banquete como na tragédia de Édipo.
Sócrates só pôde colocar seu saber sobre o amor demonstrando que não sabia e
que o que descobriu lhe foi contado por uma mulher, Diotima. O que Lacan marca
é que só pode existir discurso amoroso a partir do ponto onde ele não sabia. E
não só no discurso. O amor é concebido sem que Poros o soubesse.<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="MsoFootnoteReference">5</span></a> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Esse
desconhecimento sobre o objeto que causa o sujeito, que para além das
vestimentas que o mascaram e fazem um <i>happy
end</i> vitoriano, Lacan encontrou no romance de Marguerite Duras, <i>O Deslumbramento de Lol Stein</i>. Um
vestido que deixado cair, evidenciava, para além da fantasia, o objeto a. Um
vestido presta-se muito bem a ser uma máscara. As mulheres bem o sabem. Não
apenas dos vestidos, da mascarada para o outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Em
<i>O Seminário 11: os conceitos fundamentais
da psicanálise</i>, diz: “Se há algum domínio em que a tapeação tem chance de
ter sucesso é certamente no amor que encontramos seu modelo”.<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn6" name="_ftnref6" title=""><span class="MsoFootnoteReference">6</span></a> E no capítulo seguinte desse seminário,
Lacan vai chamar o amor de uma falsidade essencial. Para depois afirmar:
“enquanto miragem e especular, o amor tem essência de tapeação, Mas nessa
tapeação, algo é paradoxal: o objeto a. “Eu te amo, mas porque,
inexplicavelmente, amo em ti algo que é mais que tu – o objeto a, eu te
mutilo.”<span class="MsoFootnoteReference"><a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftn7" name="_ftnref7" title="">7</a></span><o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-mOywIfw734s/WGa8V0fMLsI/AAAAAAAAAlc/mJC2UBoP9xUd4RrXLhoxTVns3gbNC2yJgCLcB/s1600/cartazEncontroMS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-mOywIfw734s/WGa8V0fMLsI/AAAAAAAAAlc/mJC2UBoP9xUd4RrXLhoxTVns3gbNC2yJgCLcB/s320/cartazEncontroMS.jpg" width="226" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A
máscara, a vestimenta, a armadura, ou o muro, que Lacan equivoca com amor,
mostram que o amor é a máscara. O amor é a tapeação não apenas necessária, mas
essencial. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Mais
dois exemplos mascarados. Um da literatura e outro da clínica. O da literatura
é um pouco mais atual que Jerusalém Libertada. É do Século XIX, uma comédia de
Max Beerbohm, inglês, contemporâneo e conterrâneo de Oscar Wilde, participava
do mesmo grupo de escritores que seu colega mais famoso, e tão ácido na crítica
quanto aquele. <i>O farsante feliz </i>conta
a história de Lord George Hell, nobre hedonista, rico, perverso, jogador,
voraz, destrutivo, rebelde, covarde, cínico, antipático, odioso, insolente. Vou
parar por aqui na lista de adjetivos com que o autor caracteriza seu
personagem. Nunca se preocupou em dissimular sua perfídia, cheio de amantes,
madrugadas na luxúria e nas mesas de jogo, fugindo de uma amante italiana que o
perseguia. Uma noite vê uma jovem dançarina um pouco desajeitada em um clube e
se apaixona à primeira vista. Ajoelha-se diante da jovem Jenny Mere e a pede em
casamento. Ela responde que não, “jamais poderá ser esposa de alguém cujo rosto
não seja de um santo”. “Talvez <i>Millord</i>,
seu rosto reflita um amor por mim, mas reflete muito da vaidade do mundo. Só a
um homem cujo rosto seja tão maravilhoso como o dos santos, só a este poderei
entregar meu verdadeiro amor”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Para
ir aos finalmente, Lord George vai a um famoso fabricante de máscaras, pede uma
que represente o verdadeiro amor e a face de um santo. O fabricante procura em
seu depósito de máscaras e encontra uma que confeccionou para um homem usar em
suas bodas de prata e depois lhe devolveu. Lord George a quer e diz que vai
usá-la para sempre. Com ela conquista Jenny Mere, vão se casar, compra uma casa
rústica, no bosque; devolve os bens que ganhou ilicitamente, nas mesas de
jogos. O único problema era que os beijos de máscara ficavam um tanto insípidos,
se perdia o gosto da boca do outro. Às vezes pensava em tirar a máscara e
beijá-la, não queria essa barreira entre ele e sua jovem esposa. Mas depois
retomava o bom senso e sabia que teria que usar a máscara para sempre. Apesar
do material duro com que era feita, ela representava o verdadeiro amor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Há
uma cena final em que a amante italiana os desmascara. Diz a Lord George que a
máscara campestre de sua jovem esposa é melhor que a dele. Avança sobre a dele,
arranca e a joga no chão. E aí vem a surpresa para ele e a ex amante italiana:
por trás da máscara seu rosto tinha se tornado igual à máscara. Ele olhou sua
amada nos olhos e viu isso refletido nos olhos dela. E foram felizes para
sempre. Mascarados. Ele de santo, ela de jovem campestre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Agora
o exemplo da clínica. Um homem jovem procura a analista porque comentaram que
ela era intelectual. É esse o significante qualquer com o qual começa sua
análise. Nela fala de Das dificuldades nos estudos que tem desde criança. E,
sobretudo, de um relacionamento amoroso fracassado dois anos antes. Nesse
momento já está namorando outra pessoa, mas fala daquela namorada, que vivia
lendo, estudando, só tinha papo cabeça, conversa intelectual e que isso o entediava.
Sempre que dizia sobre a ex, terminava assim “e aí eu me<b> in</b>tediei e terminei”.
E nessa vez em que a palavra vacila, como um tropeço, diz “e aí me apaixonei”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O
significante pode ser uma máscara? Para esse homem que se sente deslocado, fora
do mercado de trabalho, do negócio familiar – é uma das queixas: ele é <i>out</i> da empresa familiar – e da relação
de amor que deixou perder porque não enxergou que estava apaixonado, o
intelectual o interessa muito, e ele achava que isso o <b>in</b>tediava. Esse <b><i>in </i></b>que ele esperava alcançar para
deixar de ser <b><i>out</i></b> é uma sílaba de seu sobrenome. Trata-se aqui da construção
de um nome próprio. Um sinthoma. Isso é mais do que uma máscara-semblante
identificatória.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference">1</span></a> Lacan, J. O
Seminário, livro 5, As formações do inconsciente. RJ: Jorge Zahar Editor, p.
331.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference">2</span></a> Ibid, p.
338.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference">3</span></a> FREUD.
Standard Obras Completas. Além do princípio do prazer. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference">4</span></a> Brunetto,
A. Sobre amores e exílios: na fronteira da psicanálise e da literatura. SP:
Editora Escuta.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn5">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="MsoFootnoteReference">5</span></a> Ibid. <o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn6">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="MsoFootnoteReference">6</span></a> LACAN. J. O
Seminário, livro 11: os conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: JZEditor, p.
128.<o:p></o:p></div>
</div>
<div id="ftn7">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///D:/Dell/Downloads/As%20m%C3%A1scaras%20do%20amor.doc#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="MsoFootnoteReference">7</span></a> Ibid, p.
253. <o:p></o:p></div>
</div>
</div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-81862270639022680492016-12-30T11:37:00.004-08:002016-12-30T11:37:19.590-08:00Paris não se acaba nunca<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Já estive em
Paris em todas as estações, com todos os estados de ânimo, alegre, triste, para
passear, para ir a congressos, e sempre prefiro a primavera. No verão é quente
demais, tem gente demais, horas em filas para tudo e sinto, ao final do dia,
que desperdicei o tempo. E o tempo em Paris corre rápido. Porém, no verão, já
lavei os degraus da Catedral de Montmartre, em comemoração ao ano do Brasil na
França, já fiz piquenique em um domingo à tarde, na Ponte das Artes, já andei a
pé por toda a cidade. No verão isso é possível, no inverno não, pois o vento é
tão cortante que temos de ir de um lugar a outro de metrô. E Paris tem
muitíssimas linhas de metrô, se pode com ele ir a todos os lugares. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Mas prefiro a
primavera. Paris fica mais bonita com suas ruas floridas, seus parques verdes,
com os ventos frescos. Até a água do rio Sena fica com uma cor mais bonita. Turistas
alegres na rua, menos do que no verão - em Paris sempre tem turistas - os
parisienses mais contentes e simpáticos. Meu conselho aos que me leem: se vocês
forem a Paris pela primeira vez, escolham a primavera.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Já cheguei a
Paris no inverno, de trem, indo de Bruxelas para lá. Triste por ter perdido um
amor. E passei uma semana triste, inverno nas ruas, inverno na alma. E passei
meu réveillon assim, lá: triste, despenteada, sem batom, desalentada. Encontrei
em uma noite, com minhas amigas, andando pelas ruas, um casal de
sul-mato-grossenses e ao me apresentar, ela me contou que tinha sido indicada
para fazer análise comigo, que iria ligar para mim quando voltasse das férias.
E viramos amigas nessa semana em Paris. E ela teve que procurar outra analista.
Agora, anos depois, quando vejo as fotos dessa viagem, nem parece que estava
triste e desalentada. O tempo corre rápido na vida. Não só em Paris. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Em “O eremita
em Paris”, Ítalo Calvino escreveu que o lugar ideal para se viver é aquele em
que é mais natural viver como estrangeiro, por isso Paris é a cidade em que se
casou, montou uma casa, teve uma filha. Sua mulher era estrangeira também, ele
italiano e, nessa casa, cada um falava uma língua, ou seja, a filha deles devia
falar francês. E conclui: “Tudo pode mudar, mas não a língua que carregamos por
dentro, aliás, que nos contém dentro de si como um mundo mais exclusivo e
definitivo que o ventre materno.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Depois de
Ítalo Calvino, muita coisa mudou. E Paris não é mais tão amistosa. E menos
ainda dependendo de quem são os estrangeiros, de qual religião eles têm. Ser
africano, árabe, não falar francês não é nada fácil em Paris. Mas talvez o
problema não esteja só em Paris, os nacionalismos com seus muros separatistas
andam florescendo no mundo todo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
Paris foi o
berço das revoluções, nas artes, inclusive. Para os artistas, todos os caminhos
vão dar em Paris. Creio que até hoje. Poderia desfiar aqui uma listagem de
escritores e pintores que se sentem mais criativos e livres vivendo em Paris,
mas citarei só um: Ernest Hemingway que foi viver sua liberdade, suas farras
boêmias em Paris. E nela escreveu muito, brigou, se embebedou. Anos depois,
antes de se matar, escreveu um livro sobre esse período de liberdade em Paris:
“Paris é uma festa”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 49.65pt;">
A comida em
Paris é muito boa, mas os restaurantes servem porções ínfimas. Por isso eles
são magros. Depois de dias sem comer uma boa carne, vou aos restaurantes árabes
e peço um Kebab. Não tem cidade do mundo em que eu me sinta tão gorda quanto em
Paris, olhando as francesas magras, <i>mignons</i>,
bem vestidas e comendo igual passarinho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Enrique
Vila-Matas, o escritor barcelonês, escreveu um livro que se chama “Paris não se
acaba nunca” – copiei dele o título para essa crônica – em que ele mede seu
período de juventude em Paris com o de Hemingway, de “Paris é uma festa”. O protagonista da novela de Enrique
Vila-matas não está à altura da estadia de Hemingway em Paris: este foi muito
pobre em seu período parisiense, mas muito feliz, já o protagonista de “Paris
no se acaba nunca” passou um horror de infelicidade em seus anos parisienses. Foi
em comparação a esses dois livros que comecei dizendo: já estive alegre e
triste em Paris. E de todos os jeitos sempre é bom ir a Paris.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Escrevendo
sobre essa cidade que não se acaba, palco de tantas histórias alegres e
tristes, em que foram escritos e vividos muitos romances, criadas muitas obras
de arte, dou meu segundo conselho aos leitores: depois de verem a Torre Eiffel,
é urgente ir ao Museu do Louvre. E assim, com Paris que não se acaba, me
despeço de minhas crônicas às quartas-feiras. Talvez no futuro, com outra
bagagem, com outras viagens, eu volte. Obrigada a todos que me acompanharam. <o:p></o:p></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-34490978717549372152016-11-20T16:08:00.001-08:002016-11-20T16:55:22.319-08:00Na selva amazônica colombiana, um homem procura o amor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-wlp6gf6KUy0/WDI6v2-PKcI/AAAAAAAAAlA/LLPX9VAN9Pwjj1e3pQzkc9jo5TsdW0zRwCLcB/s1600/15134260_1179068198836577_921015184_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-wlp6gf6KUy0/WDI6v2-PKcI/AAAAAAAAAlA/LLPX9VAN9Pwjj1e3pQzkc9jo5TsdW0zRwCLcB/s320/15134260_1179068198836577_921015184_n.jpg" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Arturo Cova é
um homem que não se tornou o que poderia ter sido, descendia do infortúnio e o
destino implacável lhe retirou a prosperidade, empurrou-o para os pampas.
Começa sua estória nos contando que antes nunca foi apaixonado por mulher
alguma, “jogou seu coração ao acaso e ganhou a violência”. Nada soube das
“delícias embriagadoras, da confidência sentimental”, mas ambicionava “o dom
divino de um amor ideal” que incendiaria sua alma e seu corpo como a chama na
madeira. E eis que ele conhece Alícia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
“Quando os
olhos de Alícia me trouxeram a desventura, havia já renunciado a esperança de
sentir um afeto puro. Em vão meus braços – tediosos de liberdade – se
estenderam para muitas mulheres, implorando por elas, sucessivamente. Ninguém
adivinhava meu sonho. E seguia em silencio meu coração.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Alícia chegou
até ele fugindo de um casamento arranjado por sua família. E amava um primo com
quem também não poderia ficar. E se entregou a Arturo facilmente: “se entregou
sem vacilações, esperançada no amor que buscava em mim”. Depois ele continuou querendo-a. Ela lhe
respondeu: morrerei sozinha, minha desgraça se opõe a seu porvir. Mesmo assim,
fugiu com ele para a floresta amazônica colombiana, para a vida dura dos
colonos e indígenas escravizados pela febre da borracha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Mesmo vivendo
dia-a-dia com Alícia, olhava e seduzia as outras mulheres que iam aparecendo
pelo caminho, seguindo sua vida de homem de coração endurecido, que compensa em
fidalguia o que não pode dar em ternura, com a convicção íntima de que vive
como enamorado sem o estar, e de que “essa idiossincrasia cavalheiresca o
empurrará até o sacrifício” por uma dama que não é a dele, e por um amor que
não conhece. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
“A fama de
galã ganhou no ânimo de muitas mulheres, graças ao costume de fingir, para que
minha alma se sinta menos sozinha. Por toda parte fui buscando no que distrair
minha inconformidade, e ia de boa fé, desejoso de renovar minha vida e me resgatar
da perversão; porém em qualquer lugar onde pus minha esperança me encontrei
lamentavelmente vazio, embelezado pela fantasia e repudiado pelo desencanto. E
assim, enganando-me com minha própria verdade, consegui conhecer todas as
paixões e sofro o fastio, e sigo desorientado, caricaturando o ideal para
sugestionar-me com o pensamento de que estou próximo da redenção. A quimera que
persigo é humana, e bem sei que dela partem os caminhos para o triunfo, para o
bem-estar e para o amor. Mas se passaram os dias e se foi consumindo minha
juventude sem que minha ilusão reconhecesse a derrota; e vivendo entre mulheres
sensíveis, não encontrei a sensibilidade, nem entre as enamoradas, o amor, nem
a fé entre as crentes. Meu coração é como uma rocha coberta de musgo, donde
nunca falta uma lágrima. Hoje me viu chorar, não por fraqueza de ânimo, que
bastante rancor o tenho na vida; chorei por minhas aspirações enganadas, por
meus sonhos desvanecidos, pelo que não fui, pelo que jamais serei.”<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E tudo isso
só até a metade do livro. Continuo avidamente a segunda parte, que não pode
descumprir a promessa dessa escrita formidável. La Vorágine é a única novela de
José Eustasio Rivera e, também, uma obra clássica da literatura colombiana do
começo do Século XX. Trouxe também, de minha viagem a Colômbia, em julho, seu
livro de poesias <i>Tierra de Promisíon y
otros poemas.</i> Em abril de 1928, voltando de Cuba, enviado para um congresso
internacional sobre imigração, parou em Nova York, famoso como poeta,
novelista, político e diplomata, sentiu-se mal, foi internado e morreu do que
pareceu ser uma recidiva de malária. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-iJHVm2vsE8I/WDI62We2TbI/AAAAAAAAAlE/4Dk0BZyJ1QQyztEbrZov4HmMpvFXjG6qwCLcB/s1600/15174676_1179068158836581_1089285252_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-iJHVm2vsE8I/WDI62We2TbI/AAAAAAAAAlE/4Dk0BZyJ1QQyztEbrZov4HmMpvFXjG6qwCLcB/s320/15174676_1179068158836581_1089285252_n.jpg" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-32567570375636017052016-11-20T15:44:00.001-08:002016-11-20T15:44:12.351-08:00São Paulo, a acelerada cidade de tantos gostos e desgostos<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-_nx7_knY3Xo/WDI1Pbdzj7I/AAAAAAAAAko/Yo6WrHJ8FnwWBugLXfuy2D3IwJ9KfQ9LACLcB/s1600/o-SAO-PAULO-facebook.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="160" src="https://3.bp.blogspot.com/-_nx7_knY3Xo/WDI1Pbdzj7I/AAAAAAAAAko/Yo6WrHJ8FnwWBugLXfuy2D3IwJ9KfQ9LACLcB/s320/o-SAO-PAULO-facebook.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Fui
a São Paulo na terça-feira passada. Como era feriado aqui em nosso Estado, era
uma manhã mais calma do que as outras, trânsito calmo, aeroporto tranquilo, e
cheguei a São Paulo em uma terça-feira de dia útil – e os feriados seriam
inúteis? – numa cidade gigantesca, acelerada e fervilhante. Fui com Fabiana e
encontramos Márcia já no aeroporto, vinda de Aracaju, para assistirmos ao show
de Andrea Bocelli. Não estávamos no ritmo acelerado, pois eram dois dias
“inúteis”, para aproveitarmos as coisas “inúteis” da vida: o show de Andréa
Bocelli, três museus e alguns restaurantes para <i>mangiare bene.</i> Escrevo assim, em italiano, para já entrar no clima
do show. Fazer tudo isso em dois dias, só sendo paulistano: acelerando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eu
e minhas amigas passamos dois dias andando de Uber em São Paulo. Fizemos muitas
perguntas sobre o aplicativo. Vários dos motoristas começaram a trabalhar com o
Uber depois de perderam seus empregos em fábricas, grandes magazines, shoppings,
e estavam contentes de estar ganhando dinheiro com o novo trabalho. E,
disseram, também os passageiros estavam contentes, pois as tarifas do Uber são
bem mais acessíveis que o do taxi comum. Realmente, se nesses dois dias
tivéssemos tomado taxis normais, simplesmente teríamos gasto uma fortuna.
Disse-nos um deles que um dos candidatos não chegou ao segundo turno, que em
determinado momento da eleição teve chances, porque sustentou que iria acabar
com o Uber. Nem os motoristas, nem os passageiros queriam isso. E o outro
candidato – isso foi conclusão minha e de minhas amigas – não permaneceu porque
tentou desacelerar São Paulo. Todos os motoristas reclamaram de multas tomadas
nas marginais por excesso de velocidade. Eu argumentei: mas não diminuíram os
acidentes, sobretudo os com mortes? Nenhum dos motoristas com os quais
conversamos aceitaram que a velocidade na Marginal precisava ser cinquenta
quilômetros por hora, por exemplo. Eu repetia a pergunta: e as mortes? Não é
bem assim, era sempre a resposta. Enfim, cada um conclua essa história que
conto como achar melhor. Eu só posso entender uma coisa: São Paulo não aceita
ser desacelerada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quanto
aos motoristas de taxi e Uber que tomávamos, era entrar no carro e Márcia
perguntava: você é de Recife, você é do Ceará? Você é de Alagoas? Márcia é
nordestina – de nascimento é carioca – e sabe reconhecer todos os sotaques. Se
um sujeito era do interior do Ceará e não de Fortaleza, por exemplo. Mas conto
tudo isso só para mostrar que o Nordeste está em São Paulo. Então por que
aquilo que se passou na última eleição, de os paulistanos acusarem os
nordestinos de terem elegido uma presidente de esquerda? Nem sentido tem isso.
A não ser o do preconceito. E para encerrar essa história de Uber e
nordestinos, um último fato. Na quinta-feira, dia de ir embora, Carolina, uma
jovem motorista do Uber, que estava em seu segundo dia de trabalho no
aplicativo, veio nos buscar no hotel. Antes trabalhava como gerente de uma loja
de eletrodomésticos, marca bem conhecida, e foi demitida depois de quase uma
década. Perguntei se era paulistana. Sim, mas filha de nordestinos. Enfim, a
impressão que tive é que a São Paulo que trabalha, que produz, que faz a cidade
acontecer, é nordestina.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Fomos
ao MASP, na Avenida Paulista. A coleção permanente do museu é um espetáculo:
quadros importantíssimos. E muitos deles doados para o acervo do museu há
décadas. Anotei algumas doações: Ovídio de Abreu doou um Van Dyck, pintor
flamengo importantíssimo. Os quadros de Van Dyck valem milhões. Henryk Spitzman
doou quadros de Cézanne e Gauguin para o museu. E também a Família Sotto Mayor
doou vários quadros. E a Companhia Antártica. Todas essas doações são de pelo
menos quarenta anos atrás. E doações recentes? Nenhuma. Os ricos de agora não
doam para os museus? Parece que não. Nisso, talvez nossos milionários não
querem parecer com os europeus e também, em menor grau, com os americanos. Na
Avenida Paulista, onde os empresários de agora constroem patos gigantes, aliás
plagiados de um artista norueguês, os do passado faziam doações para as artes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Fiquei
pensando isso depois do show de Andrea Bocelli e da posição dele, dos dividendos
de sua riqueza. Antes dele entrar no palco, passou um filme no telão: mostrava
o trabalho de um instituição que leva o seu nome, no Haiti. Uma instituição que
ampara as crianças em suas necessidades de saúde, educação, moradia. Ficamos
sabendo que ele faria um show em Aparecida, para todos, à frente da catedral. E
alguns dias depois um show que ele estaria doando para a instituição Santa
Marcelina. E ainda mais, ontem vi que ele foi escutar um coral em um presídio.
Um homem engajado que paga bem o preço de sua fama e riqueza. Pessoal,
inclusive. Com tudo isso, até o perdoei que ele tenha começado e terminado o
show, diante de um estádio lotado, e não tenha dito nem Boa noite Brasil, Boa
Noite São Paulo. Já o perdoei. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
que é imperdoável, no Brasil do momento, é que os milionários não paguem
dividendos de suas grandes fortunas, como em quase todos os países da Europa se
faz – e Bocelli deve pagar, e ainda investe um tanto dela no Haiti - que os
políticos se aposentem com oito anos, que estes não diminuam suas regalias
parlamentares, que os altos cargos da justiça ganhem tanto em proporção ao que
ganha o povo, que os rentistas ganhem tanto com os juros altos. E, para
terminar, diante da necessidade – que ninguém duvida – de que é preciso conter
gastos, seja a saúde, a educação e a segurança pública que vão pagar o pato.
Estamos caminhando para onde? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">São
Paulo, a capital da solidão, como Roberto Pompeu de Toledo a adjetiva em seu
livro sobre essa cidade gigantesca, caminha aceleradamente para onde? Ela está
uns passos mais acelerada que Campo Grande, mas diante do que o Brasil vive,
estamos todos indo para o mesmo lugar. É uma pena, pois somos um país de tantas
riquezas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Andrea
Bocelli já é um artista consagrado no mundo inteiro, com uma voz espetacular,
um tenor com grande presença de palco. Isso tudo já era esperado. A surpresa: a
jovem cantora Anitta, cantora de funk, entrou no palco e cantou Somewhere Over
the rainbow. Lindamente vestida (vestido sóbrio e bonito) e maquiada, com uma
voz linda cantou essa música ímpar. E sozinha. Recebeu um começo de vaias, mas
o público foi escutando sua voz e abdicou de seu preconceito e a apladiu muito.
Na segunda música, já cantou com o tenor, em português. E depois cantou Vivo
per Lei, e sua voz acompanhou a do tenor. Uma diva. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Dois
dias em São Paulo foi uma grande viagem, de grande aprendizado, de muitas
artes. Por isso, a foto que mais gostei de todas que tirei foi esta à frente de
um quadro de Portinari, com esse homem trabalhador, sabedor de sua força e de
seu poder. Um homem altivo, que não abaixa a cabeça e segue adiante. Portinari
tão bem retratou os trabalhadores da colheita do café, do milho, os retirantes.
Esse povo explorado, o trabalhador. Eu, você, a maior parte desse país. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-81955733461577816072016-11-20T15:22:00.000-08:002016-11-20T15:22:07.417-08:00São Petersburgo III - Uma nervosa aventura para deixar o país<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">São
Petersburgo, apesar de ser uma cidade linda, possui muita pobreza e só agora
está se abrindo para muitas coisas do mundo ocidental. Sua moeda estava bem
desvalorizada perto do real e tudo era barato para nós. Foi um alívio, depois
de passar pela Noruega, em que um prato de macarrão era uma pequena fortuna - não
só o macarrão, tudo, até mesmo a comida no supermercado custava uma pequena
fortuna - chegamos a uma cidade em que nosso dinheiro dava até para comprar <i>souvenirs </i>para os amigos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É
difícil se comunicar com eles. A maioria das pessoas não fala nem algumas
palavras em inglês. Tivemos que resolver quase tudo na mímica. Quase perdemos o
trem por conta dessa dificuldade do idioma. Eu e minhas amigas chegamos a São
Petersburgo a partir de um voo de Estocolmo e sairíamos uma semana depois, de
trem. Descobrimos que havia um novo trem de alta velocidade, saindo de lá e
chegando a Helsinque. Foi construído pelo governo finlandês, pois muitos
finlandeses trabalhavam na Rússia e assim faziam o trajeto com rapidez e
conforto. Compramos o bilhete na Estação Central de São Petersburgo sem que a
vendedora soubesse uma palavra do inglês. Colocamos no papel o dia da viagem, o
horário, de onde e para onde iria – seguindo todas as informações pesquisadas
na internet, pois lá na estação não tinha um folder que informasse sobre esse
trem, o Allegro- e compramos. Mas a vendedora não disse que esse trem, que era
finlandês, parava em outra estação, se disse, foi no perfeito russo e não
entendemos. Depois fomos perceber que a estação era velha e antiga e os
dormentes também, daqui não sairia um trem-bala de jeito nenhum. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Tivemos a sorte de chegar à estação mais de
uma hora antes e mostrávamos o bilhete para todo mundo, procurando a plataforma
de saída, pois nada apontava para o trem Allegro. Um funcionário da estação viu
que estávamos erradas, ele era faxineiro, estava varrendo o chão. Um homem determinado,
pois dois ou três policiais estavam ali, explicando a nós, quatro mulheres, em
russo, que o trem não saia daquela estação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-Z1z1HNON_yc/WDIv_Gw9qsI/AAAAAAAAAkM/cbNwFmnO3ygYA9xzqaU-SrlkbfVX-j22QCLcB/s1600/DSC01787.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://2.bp.blogspot.com/-Z1z1HNON_yc/WDIv_Gw9qsI/AAAAAAAAAkM/cbNwFmnO3ygYA9xzqaU-SrlkbfVX-j22QCLcB/s320/DSC01787.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Esse
homem chegou ao burburinho, pegou uma de nossas malas e fez sinal para segui-lo.
Descemos um metrô tão fundo, abaixo do rio Neva, pegamos outro, e uma segunda
baldeação e tudo o seguindo. Ele pagou até os bilhetes de metrô para a gente,
para ser mais rápido, e nos deixou no outro canto da cidade, em outra estação
ferroviária - essa maravilhosa, internacional, com o trem finlandês. Se ele não
tivesse feito isso, o trem estaria perdido. Indo de taxi não iria dar tempo, e
para entender todo esse trajeto teríamos demorado bem mais. Depois, olhamos
pelo mapa e entendemos que atravessamos a cidade inteira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
poucos lugares do mundo, e poucas pessoas que conheço fariam isso para quatro
mulheres desconhecidas, que não sabiam falar a língua dele. Poucas pessoas
teriam tanta disponibilidade para fazer isso para pessoas estranhas. Léa é uma
pessoa muito comunicativa e espiritualizada, teve a primeira conversa com esse
homem – ela em português e ele em russo - e acreditou na boa energia e no bom
caráter dele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
demos um dinheiro para ele, pela gentileza, por ter pagado os bilhetes de
metrô, embora saibamos que não há dinheiro que pague o que ele nos fez. Quando
chegamos à outra estação, já mais aliviadas, fomos cumprimentá-lo estendendo a
mão. Acho que, até no calor da emoção, devemos tê-lo abraçado. Ele era um homem
bem sério e inibido e ficou muito envergonhado com nossa efusão. Não sei se
entendeu que éramos brasileiras, mas se entendeu, deve ter nos achado um pouco
loucas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Só
não perdemos o trem pela rapidez de decisão desse homem, pela sua gentileza,
sua decisão de ajudar naquela situação. Nenhum dos funcionários da estação nem
os policiais que viram nossa aflição fizeram nada. Isso mostra que um homem
decidido faz toda a diferença. De vez em quando lembro-me dele, até mesmo suas
feições ficaram gravadas em minha memória. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
no trem chique, moderno e todo tecnológico, passamos pelo carimbo de passaporte
pelos russos e, depois, na fronteira, a polícia finlandesa pediu os passaportes.
Estávamos novamente entrando na União Européia. Contei essa história para
alguém de minhas relações, logo depois do ocorrido, e ele me escreveu: quatro
mulheres com energia boa e mesmo sem entender uma palavra, esse homem percebeu
isso. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Estou
terminando de ler o livro de Iván Bunin, “Dias Malditos” e ele escreve “na
Rússia, Deus e o diabo se sucedem um ao outro, constantemente”. Passei uma
semana lá, e a sucessão não foi tão constante, pois do segundo nem tive
notícias, só do primeiro. E lembro-me das feições dele até hoje. <o:p></o:p></span></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-73206011365269985572016-11-20T15:04:00.001-08:002016-11-20T15:04:59.679-08:00São Petersburgo II - Hermitage, um imperial palácio de inverno se transforma em museu<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-lHRrEC0XtxQ/WDIrouzFKGI/AAAAAAAAAjw/pt1v4MDsnL0bQpC-sLpCOzoNFhKnn5drACLcB/s1600/P7020552.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-lHRrEC0XtxQ/WDIrouzFKGI/AAAAAAAAAjw/pt1v4MDsnL0bQpC-sLpCOzoNFhKnn5drACLcB/s320/P7020552.JPG" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
Hermitage é o maior museu da Rússia e um dos maiores do mundo. Seu acervo tem
mais de três milhões de peças. No site de divulgação do museu há a informação
de que ele tem a maior coleção de quadros do mundo. Encontrei uma página na
internet em que é feito um cálculo: se você parar alguns minutos diante de
todas as obras, demorará quatro meses para visitá-lo inteiro. À beira do Rio
Neva, em São Petersburgo, engloba dez edifícios completos. O principal é o
Palácio de Inverno: moradia dos Czares
da Rússia. Tudo nele é grandioso: a quantidade de obras, de edifícios, de filas
para entrar. E exagerado: ouro pelo teto, nas paredes, nas fechaduras, nas
pias, nas janelas. Como já foi a moradia dos czares, tudo nesse palácio-casa-museu
reflete a grandiosidade desse país. <o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-gwUarwgSKAQ/WDIr-ArXARI/AAAAAAAAAj0/Qj5lKieu5fEb63VNJ0YAf0elk6k85fAsACLcB/s1600/P7010545.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://2.bp.blogspot.com/-gwUarwgSKAQ/WDIr-ArXARI/AAAAAAAAAj0/Qj5lKieu5fEb63VNJ0YAf0elk6k85fAsACLcB/s320/P7010545.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mesmo
com filas grandiosas que contornavam todos os edifícios e continuavam pelo
pátio em frente ao museu, eu e minhas amigas entramos pela lateral, pois já
tínhamos comprado os ingressos pela internet. Então o segundo conselho é esse:
ir a esse museu somente com os ingressos já comprados. O primeiro conselho: não
é possível para alguém que gosta de arte não conhecer o Hermitage. É uma
necessidade. E uma orgia visual, sai-se do museu até tonto. E mais outro
conselho: se você não for sozinho, combine uma estratégia para reencontro em
algum lugar fora dele para o caso de se perder de suas companhias. Eu e minhas
amigas nos perdemos. Primeiro me perdi de Márcia e Léa, e horas depois, de
Alba. Já de noite, depois do dia inteiro andando por esse museu – noite só pelo
horário do relógio, pois lá, no verão, não escurece - saí e andando sozinha
pela rua, escutei meu nome sendo gritado de um barco quase no meio do canal.
Márcia e Léa saíram do museu minutos antes e pegaram um barco para andar pelos
canais da cidade e passar de barco em frente ao museu. Com minha perfeita
mímica, fiz sinal ao piloto, que já estava partindo, de que eu também queria
ir. Ele, falando tudo em russo, entendeu tudo, e pude subir ao barco. Assim
terminou meu passeio pelo Hermitage. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Enquanto
andava pelos corredores, salas e escadas suntuosas, com exagero de ouro por
tudo, lembrava-me das aulas de história e dos romances russos que já tinha
lido. A miséria do povo, a fome, uma aristocracia que voltou suas costas a essa
miséria, as condições climáticas adversas que aumentavam os problemas, tudo
isso fez uma revolução, uma tomada de poder pelo povo que foi sanguinária. A
última dinastia russa, os Romanov, foi assassinada: Nicolau, Alexandra, os
filhos, os criados e o médico da família foram assassinados no ano seguinte à
revolução.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Nicolau II, o último czar da Rússia, vivendo
suntuosamente nesse palácio, não enxergou a insatisfação do povo, fazia
jantares exagerados, gastava demais, não coibiu o antissemitismo que
proliferava no país e exigia do povo pagar altos impostos. Seu reinado luxuoso
e insensível, cheio de decisões erradas, terminou com a revolução bolchevique.
Com Lênin e Stalin, também sabemos como terminou décadas depois, esse governo
que se disse do povo: em um totalitarismo que virou as costas a ele. A história
sempre se repete? E o povo sempre fica no mesmo lugar? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não
é apenas pelo Hermitage que escrevo isso para vocês, nem pela votação de uma
contenção de gastos que só atinge o povo - essa não na Rússia, mas no Brasil
dos dias atuais – mas por um livro que estou lendo e do qual só consigo
desgrudar de suas páginas para trabalhar. E depois volto para elas: Dias
Malditos, de Iván Bunin. Foi o primeiro autor russo a ganhar um Prêmio Nobel da
Literatura (em 1933). Esse livro tem como subtítulo “Um diário da revolução”, é
um relato desesperado do dia-a-dia após a revolução de 1917. O desespero das
pessoas nas ruas, os rostos atormentados, a fome. Os bombardeios à noite. O
frio. Como ele se refugiava de todo esse horror? Tendo bons sonhos, construindo
em seus sonhos um mundo que não existia durante o dia. Um exemplo: no dia 3 de
abril escreve que o tempo está melhorando, não está mais tão frio e ele teve um
sonho lindo, estava em um mar branco como o leite e tendo um céu azul
estrelado. E dias depois outro sonho: vagões de trem, mares e países bonitos,
vento fresco batendo no rosto. E mais um para finalizar, um sonho que veio
depois de um dia em que publicaram grande lista de fuzilados: ao invés de
paisagens, sonha com um poema em que um corcel corre livre pelos campos, livre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Em
uma coisa se assemelhavam seus sonhos e seus dias malditos: ânsia de liberdade.
Queremos sempre o mesmo?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 42.55pt; text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-30661403901072077092016-11-20T14:57:00.001-08:002016-11-20T14:57:52.392-08:00São Petersburgo I - A monárquica e chique cidade imperial russa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-LX-auNgn5do/WDIqV9_7QFI/AAAAAAAAAjs/AUotY3i3cMsVtXgEIfYit0WB4Nrxnq7owCLcB/s1600/P7030648.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-LX-auNgn5do/WDIqV9_7QFI/AAAAAAAAAjs/AUotY3i3cMsVtXgEIfYit0WB4Nrxnq7owCLcB/s320/P7030648.JPG" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<br /><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Quando o
policial, na imigração, pediu-me de onde eu vinha, por estar distraída ou pelas
minhas limitações do inglês, respondi “venho do Brasil”. Ele disse não. Pedi
desculpas, disse que falava mal o inglês, não tinha entendido que queria saber
de onde era meu voo. Respondi Estocolmo. Não sei se por isso ou por outro
motivo, passei rapidamente pela polícia. São filas demoradas para entrar na
Rússia, muitas perguntas. A mim, depois de pedir desculpas e dizer que não falo
bem inglês, foi rápido. Fui dispensada bem antes do que minhas amigas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E chegamos a
São Petersburgo, cidade linda, de muitas cúpulas douradas, à beira do Rio Neva.
Próxima do Golfo da Finlândia, no Mar Báltico. Já tinha lido tanto sobre ela,
em tantos romances, tantos escritores. Ivan Turgueniev ambienta nela a maior
parte de seus dramas políticos e amorosos. Nela, a aristocracia, que vivia de
um jeito nababesco, com uma família real exageradamente rica e gastadora, ficou
com os olhos fechados aos anseios do povo e foi o clima propício para a
revolução bolchevista, que depois de um tempo, também virou às costas ao povo.
Meu pai, que é um grande leitor da história russa, dos romances russos, tinha
me dito, antes da viagem: você vai conhecer um povo que foi oprimido desde
sempre, um povo muito sofrido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Encontrar nosso hotel foi difícil. Era em um
andar de um prédio imponente, antigo, sem restauração. Entrando no prédio, as
escadas eram depredadas, estragadas, um elevador velho que tive medo de subir.
Chegando ao primeiro andar, em uma das portas, era nosso hotel. Dentro era
totalmente reformado, moderno, bem decorado. Não acreditava que assim o seria.
E assim foi quase tudo em São Petersburgo: uma mistura de novo e velho, de
coisas depredadas, precisando de restauração, com preciosidades. Mesmo em sua
rua principal, a Nevsky Prospekt, tudo é assim: algumas construções lindas e
outras sem cor, sem cuidado, gastas pelo tempo. A Igreja do Sangue Derramado,
situada à margem do canal Griboedov, foi construída onde o Czar Alexandre II
foi assassinado e se tornou um armazém durante o período comunista. Ainda
guarda marcas desse período de descaso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Estive na
cidade por uma semana durante o verão, e pude observar suas noites brancas,
como Dostoievski descreve em sua novela. Escurecia – e mesmo assim, não
completamente – às três horas da madrugada e às cinco horas já estava
completamente claro. O jeito era passear pela cidade, andar de barco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Não conseguíamos
nem conversar com as pessoas. Mesmo em nosso hotel, só uma atendente falava inglês.
Tivemos que resolver quase tudo na mímica. E além de tudo, eles têm outro
alfabeto. Senti-me uma analfabeta absoluta. Só reconhecia as imagens. Saia
entrando nas lojas, olhando dentro, para ver se encontrava um mercado. Nos
passeios de barco, museus, enfim, em todos os passeios turísticos, só se falava
em russo. A maioria dos turistas era do próprio país. Assim o percebi. Foram
dias e dias tentando me comunicar na mímica. Para algumas coisas é bem difícil
fazer mímica, porém as pessoas eram tão simpáticas, tão acolhedoras, sempre
querendo ajudar, adivinhar o que você queria, que eu e minhas amigas, não
tivemos problemas sérios. Um dia cheguei ao hotel comendo um chocolate, nos dias
seguintes, ganhava das atendentes um chocolate. Não há marcas conhecidas nos
supermercados, tudo é produção local. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Foram dias
quentes, de muito sol e noites claras, de comida boa e pessoas simpáticas e
acolhedoras. Gente simples, pobres, trabalhadores. Eu não precisava saber
língua nenhuma para entender isso. Mas foi lá, nessa semana, que decidi que
voltaria ao país falando o russo. Quero fazer, em viagem futura, o trajeto da
ferrovia transiberiana – pelo menos um trecho, pois ela tem mais de nove mil
quilômetros - conhecer o Lago Baikal, ler alguns romances russos no original e,
sobretudo, conversar com as pessoas. Há mais de um ano sigo nesse
empreendimento tão difícil: estudando russo. Já conheço o alfabeto, declino
verbos, falo e compreendo frases curtas. Em poucas viagens em minha vida,
aprendi tanto e saí tão determinada a aprender uma língua tão difícil. Um país
gigantesco, com uma história tão complexa, de tantas batalhas, guerras,
sofrimento do povo. Qual país do mundo tem tantos escritores geniais como a
Rússia? Que cidade foi tão retratada em romances como São Petersburgo? Enquanto
andava pela Nevsky Prospekt, estava no ambiente de Anna Karenina, o maior
romance já escrito. E como a cidade, em parte, parou no tempo, eu estava
naquele tempo. E não no meu. Voltarei a essa cidade imperial em alguns anos e
falando a língua deles. Quem me acompanha?<o:p></o:p></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-37526108457826260262016-11-20T14:44:00.001-08:002016-11-20T14:44:38.585-08:00Conhecer o norte da França é uma aula de história e um exagero de beleza<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-D6zpbxXCcXU/WDInRVFFhoI/AAAAAAAAAjY/v64kYAi5KvE1wSAOtQBbNXxvWjEc1fYfwCLcB/s1600/IMG_3572.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-D6zpbxXCcXU/WDInRVFFhoI/AAAAAAAAAjY/v64kYAi5KvE1wSAOtQBbNXxvWjEc1fYfwCLcB/s320/IMG_3572.JPG" width="240" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<br /><div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
François-René
de Chateaubriand nasceu em Saint-Malo, na Bretanha. Hoje, norte da França. É um
escritor que descobri meio por acaso – como, aliás, muitos deles – pois é
atualmente pouco lido, um escritor que só os mais “velhos” conhecem. É do
século XVIII e da virada do XIX; foi diplomata francês à época de Napoleão, foi
embaixador em Londres, viajou até os EUA em uma época dos desbravadores. Foi ao
Oriente, à África. Escreveu sobre suas viagens nesse mundo tão inóspito. Era um
viajante, um homem visionário que relatou as aventuras de sua vida – políticas,
amorosas e, também, como viandante – em um diário intitulado <i>Memórias do Além-Túmulo. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Depois que
comecei a ler sua obra, quis conhecer sua cidade Saint Malo e sua região amada,
a Bretanha. Suas descrições sobre a Bretanha e sobre sua cidade eram
deslumbrantes. Descreveu Saint-Malo como a cidade onde a lua encontrava a terra
se deitando no mar. Saint-Malo, na costa norte da França, é uma dentre várias
cidades do que é denominado A Costa Esmeralda, balneário de luxo dos franceses.
Como tornar essa viagem viável?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E eu tinha
outro desejo que era conhecer o Monte Saint-Michel, na Normandia, vizinho à
Bretanha. Quanto ao Monte Saint-Michel, também tinha uma ideia que era ir a
Avranches, de onde se pode ver o monte. No Jardim das plantas, na praça da
pequena cidade de nove mil habitantes, se tem uma excelente vista do monte.
Assim o escritor Maupassant relata em um de seus contos: o personagem fica
sentado confortavelmente nesse parque e vendo o pôr-do-sol cair sobre o Monte
Saint-Michel. De Avranches dá para ir a pé até o monte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Eu fiquei
meses com esses dois lugares na mente, tentando encontrar um jeito de ir de
trem, a partir de Paris – de onde deveria sair, pois estava em um congresso – e
nada dava certo, pois para Avranches as linhas de trens eram complicadas e não
havia trens rápidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Abandonei a
ideia de ir a Avranches e fomos para Rennes, a capital da Bretanha. Eu,
Priscila, Duda, Fernanda, Alba e Heloisa, pegamos um TGV, o trem francês de
alta velocidade, até Rennes. Ficamos hospedadas lá, nessa cidade linda e antiga
e perto de Saint-Malo e também do monte. Em um dia fomos de ônibus ao monte e,
no outro, de trem passar o dia em Saint-Malo. E em outros tantos dias andamos
por Rennes. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-YLmJ3nxnsR8/WDIm4o4e1RI/AAAAAAAAAjU/VNPEHhXMlSEX7hIKO2weYRJxluRJ4JTqgCLcB/s1600/IMG_8634.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://3.bp.blogspot.com/-YLmJ3nxnsR8/WDIm4o4e1RI/AAAAAAAAAjU/VNPEHhXMlSEX7hIKO2weYRJxluRJ4JTqgCLcB/s320/IMG_8634.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
O Monte
Saint-Michel é um dos lugares mais turísticos do mundo, uma ilhota rochosa na
foz do Rio Couesnon. Conta a história que no século VIII, após três aparições
do Anjo São Miguel, o bispo de Avranches quis construir uma abadia no alto da
rocha, nessa ilha minúscula tomada pela maré. De manhã, com maré baixa, pode-se
ir a pé, de tarde, o rio começa a subir e só se volta de embarcação. O cenário
é um espetáculo, muitos e muitos degraus para subir nessa rocha\ilha até chegar
à abadia e sempre acompanhando, até aonde a vista alcança, o rio subindo às
voltas do monte. Todas minhas revistas de viagem diziam que os restaurantes no
monte tinham preços exorbitantes, e ainda mais, comprei um jornal da cidade, em
Rennes e havia uma matéria em que os bretões reclamavam dos preços exorbitantes
de tudo no Monte Saint-Michel. Eu e minha amigas, depois de concluir que os
preços, mesmo em euros, eram exorbitantes, resolvemos fazer um almoço-piquenique
no monte. E assim fomos, pegamos um ônibus bem cedo, andamos cerca de cento e
cinquenta quilômetros, chegamos ao monte com nossa sacola de comida – antes que
vocês pensem que estávamos umas “farofeiras” é preciso que diga que quase todo
mundo teve a mesma ideia que a gente – e passamos o dia tirando fotos e olhando
tudo com grande emoção. Eu ficava dizendo “nem acredito que estou aqui” e Duda,
filha da Priscila, com nove anos, respondia “e eu nem acredito que estou na
França”. Fernanda, praticamente uma fotógrafa profissional, embora seja
psicanalista, levou seus equipamentos profissionais, junto com um tripé o qual
era demorado montar. Era preciso ser paciente, todas éramos. Valeu a pena,
temos as mais belas fotos do monte. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-Kobx9LBIW_g/WDImjsddizI/AAAAAAAAAjQ/k1Z-lzXt4SEZEYmBOncQL-DWwbI4cEA-QCEw/s1600/IMG_8537.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-Kobx9LBIW_g/WDImjsddizI/AAAAAAAAAjQ/k1Z-lzXt4SEZEYmBOncQL-DWwbI4cEA-QCEw/s320/IMG_8537.JPG" width="213" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Em Saint-Malo
contratamos um passeio de barco e passamos horas nesse mar verde de ondas
fortes, em que, do mar, avistamos cidadezinhas cada uma mais linda que a outra,
nessa Costa que é Esmeralda. Quando voltamos do passeio, andamos pela cidade,
compramos <i>souvenirs </i>e o horário do
trem se aproximava. Saint-Malo, em séculos passados, foi uma cidade esconderijo
dos corsários, os piratas dos mares, toda muralhada, medieval e com muitos
mirantes e faróis a perscrutar o mar. E não tive tempo para ir ao túmulo de
Chateaubriand. Assim como, já em Paris, depois de ter deixado a Bretanha,
sonhei que estava sentada em um banco de praça e, à distância, via o Monte
Saint-Michel e muitas ovelhas pastando no campo antes de chegar ao rio. É uma
paisagem que vi em muitas fotos. Fiz uma viagem, vi o monte, estive lá, mas
persegue-me o que me falta: a vista a partir do Jardin des Plantes, de
Avranches. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Começo minhas
viagens com os livros, depois as coloco em prática e saio delas e elas não saem
de mim. Dias atrás, lendo um trecho dos diários de Chateaubriand – são vários
volumes, ainda estou lendo aos poucos, ano após ano – deparei-me com essa
frase: “As ciências explicam tudo para a inteligência e nada para o coração”.
Linda, não? Escrita pelo maior escritor francês do romantismo, em 1811, ano em
que entrou para a Academia Francesa de Letras. A ciência, de lá para cá,
evoluiu muitíssimo, mas o amor continua sendo o amor. E o ser humano continua
sendo o ser humano. Com seus enigmas, seus segredos, seu insondável coração. <o:p></o:p></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-52481813378808001582016-10-03T16:01:00.001-07:002016-10-03T16:01:26.447-07:00Dos dois lados da Baía de Guanabara, os museus futuristas de Oscar Niemeyer e Santiago Calatrava<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
No final de
semana passado, fui a Niterói para dar uma conferência de psicanálise e
aproveitei para ir aos museus. Em dois dias, três museus, um em Niterói e dois
no Rio de Janeiro. Sexta-feira e sábado passados estavam lindos dias de sol,
dias perfeitos para ir a museus. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
No mirante de Boa Viagem, em Niterói, O Museu
de Arte Contemporânea, o MAC, essa construção circular, como um disco voador, é
por si só uma obra de arte de Oscar Niemeyer. Inaugurado em setembro de 1996,
nesse mês fez exatamente vinte anos que está lá, redondo, com todas suas
janelas a contemplar a Baía de Guanabara. A exposição Ephemera, com peças do
colecionador João Sattamini estão lá para lembrar-nos que “a arte é o espelho
das ilusões”. A arte mostra os enigmas, os medos, o poder e o narcisismo dos
homens. Assim está inscrito na parede. Cito apenas duas que me tocaram muito:
de Waltércio Caldas (1946), uma caixa de couro e veludo com uma coroa de metal
e strass, para mostrar a ilusão do poder. Um homem que se sente um rei, seja um
ou não, está sempre nu, como no conto de Handersen, a Roupa nova do rei. Uma
coroa mostra exatamente isso, como o poder sobe à cabeça. E a segunda obra que
gostei muito é intitulada “Na estrada da vida”. Sobre um pedaço de lona de
caminhão, estão bordadas as frases que lemos nos para-choques de caminhões: nas
curvas de teu corpo, capotei meu coração; só Jesus Cristo salva; viúva é como
grama verde, chora, mas pega fogo, dentre outras. Essa coleção de ilusões,
espelhos da arte e da alma, enche de beleza essa construção sobre o mar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
No sábado de
manhã, fui ao Parque da Cidade. Dizem que é a vista mais linda do Rio de Janeiro.
Do alto do morro, os corajosos pulam de parapente se enfiando no meio dessa
paisagem espetacular. Tirei umas quantas fotos, mas já vou avisando que não
pulei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
E depois
atravessei a Baía de Guanabara de barca e fui caminhando até o Museu do Amanhã.
Outro museu às margens da baía, em que a própria construção já é uma obra de
arte. Inaugurado no final do ano passado, é obra do renomado arquiteto espanhol
Santiago Calatrava. O prédio parece uma nave espacial. Um museu que começa
perguntando a todos seus frequentadores que amanhã estamos construindo com
nosso desmazelo com a terra. Com fotos espetaculares da terra vista do
espaço. “O futuro não está pronto e
acabado. A cada dia, a cada escolha, o rio do Tempo se abre em um delta de
Amanhãs.” Depois da pergunta acima, está lá, impressa na parede, essa
explicação tão poética de que ainda há tempo. E também impressa está a poesia de Vinicius de
Moraes, Rosa de Hiroshima, para lembrar-nos da tragédia atômica: não se
esqueçam da rosa de Hiroshima, radioativa, atômica, sem perfume, sem cor, sem
rosa, sem nada. E também tem uma exposição temporária sobre Santos Dumont,
intitulada “O poeta voador”. É um museu imperdível, se não puderem ir hoje, vão
amanhã ao Museu do Amanhã. Filas para entrar – mesmo tendo comprado o ingresso
online – filas para entrar na lojinha do museu – <i>souvenirs</i> caríssimos, exorbitantes – filas até para sair do museu.
E carregando minha mochila, atravessei a Praça Mauá e fui ao MAR (Museu de Arte
do Rio). A praça estava cheia de gente, revitalizada e prestigiada pelos
cariocas e turistas. Bem policiada, limpa, organizada. No MAR estava tendo
várias exposições. A que mais gostei foi sobre Dona Leopoldina, princesa da
independência, das artes e das ciências. A bela princesa austríaca, que veio ao
Brasil com uma bagagem gigantesca e um séquito de criados, para se casar com D.
Pedro I. No último andar do museu, uma bela vista da Baía de Guanabara. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Depois de tudo
isso, de dois dias em que fui a Niterói para falar de psicanálise e o que mais
fiz foi visitar museus, e viajar pela beleza das construções, pelas imagens,
pelos enigmas e pelas ilusões que a arte propicia, pude fazer a viagem de volta.
Um belo dia de sol não serve apenas para ir à praia, serve para ir ao Museu do
Amanhã. E a praia? Deixei para o domingo. Mas domingo choveu. Então tive que
deixar as praias para um amanhã, em futuro próximo, pois o Rio continua lá. E
continua lindo. E com o novo museu, mais lindo ainda. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-JDcDi4FIxHA/V_LjNUgX6uI/AAAAAAAAAio/HBlKuNYHgno0e5s7sAPL9fGPLsXNLTPiwCLcB/s1600/14483900_1124072291002835_673122872_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://2.bp.blogspot.com/-JDcDi4FIxHA/V_LjNUgX6uI/AAAAAAAAAio/HBlKuNYHgno0e5s7sAPL9fGPLsXNLTPiwCLcB/s320/14483900_1124072291002835_673122872_n.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 2cm;">
Eu, à frente do MAC</div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-36991856868740885952016-10-03T15:55:00.002-07:002016-10-03T15:55:29.143-07:00Bonito, um milagre da natureza bem perto de nós<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Bonito é um milagre da natureza.
Muitas cidades do mundo têm como um de seus atrativos a beleza da natureza; em
Bonito não, a natureza é a personagem principal. Ela tem muitos rios, cachoeiras,
aquários naturais, cavernas, bosques, animais. Ela tem peixes e pássaros,
ventos e pastos, e mergulhos em rios de águas transparentes, com os peixes se
esfregando em suas pernas – para quem gosta – e uma arara vem pousar no braço
de sua cadeira, e os rebanhos de gado, no caminho para os passeios, andam ao
seu lado (do outro lado da cerca, claro) e você coloca os pés na terra vermelha
e não no cimento duro ou no asfalto construído pela mão humana. Eu não reclamo
de um bom asfalto, mas em Bonito, por alguns dias, você pode ser transportado
para uma vida mais rural, mais campestre, mais natural. Nem que seja por um
final de semana. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas Bonito, em nosso Estado, tem uma
configuração ímpar, além da natureza. É uma cidade internacional. Não apenas
porque nela você topa com turistas do mundo inteiro e escuta muitas línguas –
nenhuma outra cidade do Estado tem isso – mas porque as pessoas que a
escolheram para viver e trabalhar são de vários lugares do mundo. O atendente
na pousada em que ficamos era de Assunção; o dono de uma pousada na qual fiquei
hospedada em outras vezes era argentino. Veio para passear com a mulher e
resolveu viver sua vida de aposentado ali. Priscila, uma psicóloga que conheci
porque veio estudar no instituto de psicanálise que participo, depois de uma
temporada estudando em São Paulo, construiu uma pousada em terras familiares e
está lá, vivendo e trabalhando em Bonito. Minha amiga Graça, pedagoga, com a
qual trabalhei na Secretaria de Educação, em séculos passados, tem uma loja de
artesanato em que aplicou toda sua <i>finesse</i>,
seu estilo, sua delicadeza para transformá-la num mimo que se destaca de todas
as demais lojas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E também conheci uma mulher que abriu
um museu de contação de histórias. Em quarenta minutos, ela conta a história da
cidade, mostra as fotografias na parede e os objetos da cultura Kadwéu, e conta
a história do bandoleiro Silvino Jacques. E na avenida Pillad Rebuá – que na
semana passada estava sendo organizada para se transformar em mão única –
encontra-se sorveterias com sorvetes de frutas típicas, que só tem aqui em
nosso Estado. E vou confessar: experimentei uma das melhores tortas da vida em
uma doceria que tem a palavra gula no nome do estabelecimento. Para os viciados
em doces, faz jus ao nome. E, entre todas as lojas que vendem camisetas
típicas, uma delas conseguiu estampar nas camisetas as fotos mais lindas dos
passeios de Bonito. Assim, mais do que a riqueza da natureza, tecida em milhões
de anos, a riqueza das boas ideias humanas também está lá. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Para quem mora em Campo Grande, é
relativamente perto. Só dirigir um pouco, nem precisa passar por aeroportos.
Saí com uma amiga no sábado de manhã e voltamos domingo final da tarde. Os
problemas de Bonito: na agência onde fomos marcar o passeio foi demoradíssimo,
pois a atendente falava um perfeito português com um grupo de argentinas
(deduzi que eram argentinas pelo acento do castelhano falado) que queriam
entender os atrativos. Como pode a agência não ter funcionários que falem
espanhol? Depois dessa espera, eu e Silvana decidimos conhecer a caverna São
Mateus. É um atrativo relativamente novo, funciona há cerca de três anos. Já
conhecíamos as outras duas cavernas, do Lago Azul e São Miguel, pedimos ao
funcionário da agência se ele conhecia, se sabia se era bonita. Não conhecia,
não tinha ido lá. E outra coisa que todo mundo comenta: os preços dos passeios
são caríssimos. Mesmo para quem paga em dólar ou euros, para esses menos, mas
mesmo assim são caros. Para fazer jus a esses preços, os serviços em Bonito
precisam melhorar muito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ficamos em uma nova pousada, distante
da cidade. Na agência nos explicaram como chegar de um jeito muito complicado,
como não tinha uma placa até a pousada, deve ter sido por milagre que
conseguimos chegar até lá. Mas valeu a pena, pois era linda, verde, cheia de
coqueiros, com chalés muito confortáveis, e piscinas e café-da-manhã excelente.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E o principal: a gruta São Mateus.
Impressionante, difícil de entrar, um buraco pequeno de entrada – se eu
engordasse mais um pouco, o que não é nada difícil, não passava na abertura – e
lá dentro se descortinam formações rochosas que a natureza demorou milênios
para construir. É escura, lisa, é um passeio um pouco aventureiro, mas para
quem já chegou até Bonito, aventura faz parte do pacote. Vale a pena também por
causa de seu guia, que explica tudo sobre a caverna e a conhece em minúcias.
Enfim, alguém que faz seu trabalho do melhor jeito possível. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Bonito é esse milagre, como disse
acima, bem perto da gente. Como muitas coisas na vida, a gente vai longe, mas
por vezes o que precisamos está bem perto.</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-9oHIMUAwHug/V_Lh2gL3hVI/AAAAAAAAAig/5d-iNlJS8D0Y93a8e1SQTOP4hq1X0cQKwCLcB/s1600/14445342_1118088061601258_1434876702_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-9oHIMUAwHug/V_Lh2gL3hVI/AAAAAAAAAig/5d-iNlJS8D0Y93a8e1SQTOP4hq1X0cQKwCLcB/s320/14445342_1118088061601258_1434876702_n.jpg" width="240" /></a></div>
<o:p></o:p><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-44162482080385094572016-10-03T15:47:00.001-07:002016-10-03T15:47:18.320-07:00Florença, a capital da Toscana, cidade das artes e do amor<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-kiqeaWNHl6A/V_Lf7CNG5uI/AAAAAAAAAiM/v5didoU6KF0b2IS4gWFsL10nxCitmhalACLcB/s1600/Firenze%2B2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://4.bp.blogspot.com/-kiqeaWNHl6A/V_Lf7CNG5uI/AAAAAAAAAiM/v5didoU6KF0b2IS4gWFsL10nxCitmhalACLcB/s320/Firenze%2B2.jpg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Quase na virada
do Século XX, Rainer Maria Rilke chegou a Florença. Ainda não era o gigante da
poesia que viria a se tornar, era um jovem poeta apaixonado por uma mulher mais
velha, comprometida e já uma escritora renomada. Nessa cidade, campo das artes,
começa a escrever um diário para contar a ela - a amada, a amante, a confidente
e interlocutora fundamental com a qual foi construindo sua obra - sobre a viagem, para que ela pudesse
acompanhar o que ele via. Assim nasceu o <i>Diário
de Florença</i>. O que pretendo é mais ou menos isso: que vocês vejam Florença
a partir de meus olhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Estive em
Florença duas vezes, uma no verão e outra na primavera. Sempre ela é lotada de
gente, com grandes filas para entrar nos museus, restaurantes, igrejas, trens.
Mesmo com todas essas dificuldades, uma pessoa não pode ir à Itália sem ir a
Florença. Na primeira vez que fui, acordei às cinco da manhã para andar pela
cidade vazia, tirar fotos do rio Arno, ficar na fila para entrar na Galeria Uffizi e
ver, dentre centenas de quadros importantes, o Nascimento de Vênus, de Sandro
Botticelli. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Nessa primeira
vez fui em um verão, fiquei mais de uma hora em uma fila que contornava
quarteirões, para entrar na Galeria da Academia de Belas Artes e ver a estátua
de Davi, de Michelangelo. Desisti antes de chegar lá, sabendo que voltaria em
breve para vê-la. Voltei. Contentei-me em contemplar a réplica da estátua
original na Praça della Signoria. Nessa praça há réplicas de três estátuas
belíssimas: o Davi, de Michelangelo, o Rapto das sabinas, de Giambologna e Netuno,
de Bartolomeo Ammannati. É uma praça das artes. Nela escutei um concerto de um
músico polaco que tocava lindamente violino. Comprei seus CDs. De vez em
quando, quando sinto saudades da cidade, coloco suas músicas e lembro-me de
Florença e da Praça della Signoria. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
O poder da Família
Médici, durante trezentos anos, transformou Florença em um resplendor do
renascimento. É a cidade de Bruneleschi, Michelangelo, Dante Alighieri, Giorgio
Vasari, Giambologna, Leonardo Da Vinci (que nasceu numa cidade vizinha), Sandro
Botticelli, Ghirlandaio. São tantos os nomes de artistas que deixaram sua marca
para a história, praticamente todos os nomes do renascimento que estudei na
escola, estão inscritos na história da cidade, em sua arquitetura, museus,
igrejas e praças. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Rilke escreve
que “a cidade espraia-se na harmonia dos tons marrons e cinza, e as cores da
noite já atingem as montanhas de Fiesole.” Nesse Diário de Florença, diz que a
poesia deve ser lida à beira de um caminho, com um pouco de floresta e à luz do
sol de um verão. Assim, cada poema conserva seu significado: o frescor, o
perfume e o brilho. Mas lembra que em Florença não têm florestas, então as
igrejas são como florestas. E em Florença tem muitas, e são lindas e cheias de
obras de arte. Na Santa Maria Novella está o quadro O nascimento de Maria, de
Ghirlandaio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Foi com esse
Diário de Florença, de Rilke, que cheguei à cidade. Com o olhar romântico,
artístico, e apaixonado, escreveu esse diário que foi para mim um guia de
viagem. Mas se vocês preferirem outra referência sobre a cidade, sugiro
assistirem ao filme “Uma janela pra o amor”, do diretor James Ivory. Nele, os
atores Julian Sands e Helena Bonhan Carter se olham, apaixonadamente, de uma
janela de um andar alto e, além dos dois, vemos a cúpula da Catedral Santa
Maria del Fiore. No filme, a beleza de Florença é evidente e a cidade é a
protagonista. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
A cidade é um
palco para o amor. Há uma igreja em Florença, a Chiesa di Dante, onde se diz
que Dante viu pela primeira vez Beatrice e se apaixonou por ela. Robert e
Elisabeth Barret Browning, os poetas ingleses, para viver mais livremente seu
amor, foram se refugiar em Florença. Para mim, Florença é a cidade onde se pode
viver o amor. Muito mais romântica do que a suja e confusa Veneza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Mas se vocês
preferirem outros motivos para ir lá, sem tanto amor, ei-los: é a capital da
Toscana, uma província linda, acolhedora, terra de muitas vinícolas, de
vilarejos antiquíssimos, escondidos nas montanhas, repletos de ruínas dos
etruscos, povo que antecedeu aos romanos. Por motivos históricos, para os
amantes do vinho, para andar pelo Rio Arno e pela Ponte Vecchio, se pode ir a
Florença. Para contemplar seus telhados vermelhos, sua arte, seus corredores
amplos, vale à pena ir a Florença. Pelo exagero de tanta beleza junta, de
tantos artistas. Tudo está lá, para todos os gostos. Com amor ou sem amor. Mas
com amor é sempre melhor, tem mais brilho, tem mais arte. Tudo se pode
encontrar lá, tantos foram viver seu amor lá, por que não eu? Por que não você?
<o:p></o:p></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-43173051833885366472016-10-03T15:43:00.001-07:002016-10-03T15:43:38.388-07:00Nápoles, a impressionante e caótica cidade que cresceu à beira de um vulcão.<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Viagens pela Itália.
Parte II<o:p></o:p></span></b></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Cerca de dez séculos A.C., os gregos
navegaram pelo Mar Jônico e foram procurar novas terras. Encontraram. E ali
construíram vários povoados. Aos pés de um vulcão cresceu um deles - um dentre
tantos, dessa região que foi conhecida como Magna Grécia – chamado Pompéia. Em
79 D.C., uma irrupção do vulcão destruiu a cidade toda. A fumaça tóxica acabou
com toda vida humana e animal por quilômetros. Um cachorro correndo, um homem
abaixado, outro deitado, uma mulher com uma criança, petrificados pela fumaça
vulcânica, conservados assim pela eternidade. Como em um museu de cera - esse é
de pedra - eles estão lá, nesse museu a céu aberto: as ruínas de Pompéia, a
cidade destruída pelo Vesúvio. Pompéia fica mais ao sul que Nápoles, mais perto
da Costa Amalfitana. As duas cidades são separadas pelo vulcão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nápoles é uma grande cidade,
litorânea, banhada pelo Mar Tirreno. Fui até ela com três amigas e por três
motivos: conhecer Pompéia, ir à ilha de Capri e ver a estátua de Hércules no
Museu Arqueológico Nacional. Mesmo sabendo de antemão que era caótica,
desorganizada, perigosa, sob o controle da máfia, fiz questão de ir e ainda
levei minhas amigas. Ficamos em um hotel lindo e chique, no porto, mas com
entorno péssimo. Já sabíamos que ela era perigosa, por isso só chegamos nela
com uma sacola com poucas roupas, para o final de semana. Inês já chegou sem
bagagem nenhuma, pois a companhia aérea tinha extraviado sua mala.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Stendhal, o famoso escritor francês,
escreveu um livro sobre Nápoles, Roma e Florença, as cidades italianas de que
mais gostava. Em 1816, escreveu que era difícil assistir à queda de um império –
o império napoleônico tinha acabado há dois anos – e ele foi se refugiar da
França em ruínas de um império, em Nápoles. Àquela época, Nápoles não era
caótica, pelo contrário, ela era uma cidade chique, repleta de nobreza, todas
as noites, portas abertas do teatro para grandes óperas. Dizia que não era
possível ser feliz em Paris, somente na Itália podia-se viver dia-a-dia, sem
planos para o futuro, renunciando às ambições. Andava pelas ruas de Nápoles,
sob um sol ardente e aspirava às emoções radicais e apaixonadas dos
napolitanos: “um homem nórdico sempre achará absurdo esse jeito de ser dos
italianos”. Mas ele lembrava que não eram paixões profundas e sim voláteis,
pois os napolitanos viviam o momento. Eu soube disso, pois em duas situações
diferentes, dois homens se apaixonaram perdidamente por mim, por uns quinze
minutos ou um pouco mais: ao sair de uma padaria com minhas amigas, ele pegou o
carro e foi atrás de mim porque não poderia esquecer-me nem viver mais sem
saber quem eu era. Ao dizer que meu marido me esperava no hotel, pediu
desculpas e voltou. E o outro que se apaixonou foi um marinheiro lindo no barco
indo para Capri. A paixão durou o trajeto de uma travessia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma coisa em comum com Stendhal: ele
ficou impressionado com os afrescos de Pompéia. Eu também. Atualmente, eles estão no Museu Arqueológico
Nacional. E a herança grega de Pompéia está representada nesses quadros todos:
os deuses gregos estão lá. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quis ir a Nápoles depois que assisti
ao filme “Viaggio in Itália”. Filme dirigido por Roberto Rosselini. Em uma
Europa se reconstruindo da Segunda Guerra, um casal vai a Nápoles para vender
uma casa. Um casal em crise. A casa a ser vendida ficava próxima do Vesúvio.
Ele é onipresente no cenário do filme. A mulher é interpretada por Ingrid
Bergman. Está belíssima. Em uma das cenas ela vai ao Museu Arqueológico
Nacional e fica parada, impressionada, contemplando a estátua de três metros de
altura de Hércules. Vemos no filme uma Nápoles já caótica, uma Europa destruída
e o desabar de uma relação, sendo vivida pouco a pouco em uma casa diante de um
vulcão. Katherine, a personagem de Bergman, vai a Pompéia ver os restos da
irrupção do Vesúvio, as pessoas petrificadas. Esse filme é o melhor guia do que
se ver na cidade. Fui até Nápoles por causa dele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eu, como Bergman, fiquei
impressionada com a estátua de Hércules.
Imponente, com um corpo perfeito, cansado, encostado em seu bastão,
depois de ter executado todas as provas que lhe foram impostas pelos deuses.
Dizem os boatos que depois que Napoleão deixou Nápoles - sim porque Napoleão
também conquistou o reino de Nápoles - a única coisa de que se arrependeu foi
de não ter carregado essa estátua com ele para Paris. Eu também não pude trazer
a estátua comigo, contentei-me com umas fotos, de uma delas, fiz um quadro e
está pendurado em uma parede de minha casa. Mas não tem só essa estátua, no
Museu Arqueológico Nacional estão todos os afrescos de Pompéia, muitas estátuas
lindas. Também gostei demais da estátua de Atlas, envergado, carregando o globo
terrestre nas costas. Alba tirou belas fotos dessa estátua, fez-me fechar uma
grande porta do andar de cima do museu para não refletir na estátua e tirar a
foto perfeita. Morrendo de medo de ser descoberta, mas pensando na foto, fiz. E
também há no museu uma coleção de bustos dos imperadores romanos. Está lá a
Coleção Farnese, uma extensa coleção de arte da antiguidade. É um dos mais
importantes museus da Europa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E também fomos a Capri, uma ilha
linda, pequena, uma montanha em que se sobe em círculos, para contemplar do
alto os dois rochedos pontudos fincados em um mar azul anil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Apesar do lixo nas ruas, das casas
depredadas, feias e sujas, da pobreza, das ruelas inseguras, Nápoles tem
Pompéia, Capri e esse museu. Nela, em séculos passados, Stendhal foi se
refugiar de um império em ruínas. E hoje é ela a lembrança de um reinado que
ruiu. E avalio que se não tivesse ido lá, minha visão da Itália não seria a
mesma. Fico tão contente de ter me apaixonado por esse filme e ter tido a
coragem de ir lá. E que minhas amigas me acompanharam. Quanto a Nápoles, só
desejo duas coisas: que vocês também tenham coragem de ir lá, porque quanto a
mim, vou arranjar coragem para voltar. Quem se habilita a voltar lá comigo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-bPpGd24jucA/V_Le-KvRrtI/AAAAAAAAAh4/inxu0qP-mWIg1myuVCqvcoVTDOiHjXtvACLcB/s1600/H%25C3%25A9rcules.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-bPpGd24jucA/V_Le-KvRrtI/AAAAAAAAAh4/inxu0qP-mWIg1myuVCqvcoVTDOiHjXtvACLcB/s320/H%25C3%25A9rcules.jpg" width="240" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-lLqSXkhZ90o/V_LfDqCubjI/AAAAAAAAAh8/gHRMIchNzyY3PtW3BiYsKewTHxx7En4MwCLcB/s1600/P7071163.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-lLqSXkhZ90o/V_LfDqCubjI/AAAAAAAAAh8/gHRMIchNzyY3PtW3BiYsKewTHxx7En4MwCLcB/s320/P7071163.JPG" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-34332200811905939492016-10-03T15:35:00.001-07:002016-10-03T15:35:06.411-07:00F de falcão, de Helen Macdonald<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
O livro F de
Falcão, de Helen Macdonald foi lançado em 2014 e já premiado na Inglaterra.
Nesse ano foi lançado no Brasil e sua autora esteve para autografá-lo e
participar da Flip. O romance é claramente autobiográfico e conta a estória de
uma mulher que acabou de perder o pai de um enfarto fulminante e se refugia em
seu luto treinando um açor, ave de rapina parente do falcão. Com a presença de
Mabel, sua ave de rapina, a protagonista vai para lugares ermos, e outros nem
tanto, da Escócia, praticar a arte da falconaria. Esse esporte tão famoso à
época dos reis, da Velha Inglaterra. Convivendo com a natureza selvagem de
Mabel, a personagem sem nome, vai resgatando sua infância e muitas lembranças
do pai, um fotógrafo famoso. Ela sabe que os açores são seres da morte,
caçadores sem humanidade nenhuma, mas tem mesmo assim um alívio: o que ele faz
não tem nada a ver comigo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Ela, como o
pai, era uma voyeur. O pai se tornou famoso fotografando cenas políticas do
mundo, e modelos famosos. Já ela, a filha, lembra-se da infância olhando para
os animais, o céu, as florestas, enfim, a natureza. A sem nome cresceu numa
floresta de pinheiros, com campos formados por formigas-de-madeira-vermelha,
salamandras, carvalhos que eram casa de vespas, bétulas próximas da cerca da
rodovia, mariposa vermelha que morava atrás da caixa da eletricidade, uma
coruja empoleirada na árvore, uma cobra-d´água que o pai trouxe do rio. Assim
como Mabel, a ave de rapina selvagem, também a protagonista teve uma infância
selvagem. E construiu uma paisagem infantil de um lugar maravilhoso. É por isso
que em seu romance o personagem principal, mais até do que Mabel e o pai, é T.
H. White, o escritor britânico famoso por escrever os contos sobre o Rei Arthur
e sua távola redonda. Era também ele um falcoeiro e escreveu um livro contando
sua tentativa de domesticar um falcão. Tentativa fracassada, pois o falcão o
abandona, desaparece mesmo com as travas nas patas. A narradora sem nome de F
de falcão é obcecada por White, sabe toda sua história, leu seu livros, quer
refazer seus passos, desse homem solitário, com dificuldades de aceitar sua
homossexualidade, construindo com seus contos arthurianos um período mágico da
Inglaterra que só existia em sua imaginação. Tem capítulos que começam assim:
Em um dia de brisa soprando em agosto de 1939, White está na Irlanda, escondido
da guerra. Pois tem isso também: White é um desertor que tem mais o que fazer
do que guerrear, pelo menos essa, atual: “precisa concluir seu épico sobre a
Grã-Bretanha medieval, que, afinal, resolverá o mistério de por que os seres
humanos lutam.” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Ela, a
narradora sem nome, tem uma profunda admiração pela escrita de White. Eis um
exemplo: “Ele falava do tempo como um renascimento: escreveu que a vida
“parecia estar se criando, parecia que estava nas paredes vazias do caos
descobrindo uma abertura ou uma partícula de luz”. Para ela é como se ele fosse
um homem vivendo de trás para a frente no tempo: “eu costumava pensar em Merlin
como uma magnífica criação literária, mas agora penso nele como uma invenção
muito mais peculiar: o futuro ego imaginado por White. Merlin “nasceu na época
errada do tempo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Esse livro de
Helen Macdonald é assim: um livro dentro de um livro. E o livro dentro do dela
é “O único e eterno rei”, de T. H. White. Com ele, White, o criador das
histórias de Merlin e do Rei Arthur, de um tempo passado mítico, melhor que o
presente e com a natureza selvagem de sua infância e de Mabel, a narradora vai
fazendo o luto de um pai, que em sua vida foi o único e eterno rei, o rei dessa
menina campestre de memórias de florestas, e bichos e aves de rapinas do
interior da Inglaterra até as Terras Altas da Escócia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Já que ela fala
tanto de White, ele já comprei também o livro dele e comecei a ler.<o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-s9GXipcmHL4/V_LdA0u5-OI/AAAAAAAAAhs/hA4kS_QwXOsqpLMxYdSTptaL9cjvFET1gCLcB/s1600/14448969_1127045197372211_1386241534203332576_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-s9GXipcmHL4/V_LdA0u5-OI/AAAAAAAAAhs/hA4kS_QwXOsqpLMxYdSTptaL9cjvFET1gCLcB/s320/14448969_1127045197372211_1386241534203332576_n.jpg" width="240" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-oiUXxDZP3lI/V_LdEEL5OQI/AAAAAAAAAhw/rePzIxCqpXAJjslonk9T85Moz_FfmnyQACLcB/s1600/14563502_1127045217372209_5105669318796981762_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-oiUXxDZP3lI/V_LdEEL5OQI/AAAAAAAAAhw/rePzIxCqpXAJjslonk9T85Moz_FfmnyQACLcB/s320/14563502_1127045217372209_5105669318796981762_n.jpg" width="240" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-40295933384784028062016-08-31T19:51:00.002-07:002016-08-31T19:51:47.080-07:00A riqueza de um país que já foi um império. Um museu a céu aberto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-U_i7JIfEbrA/V8eXuP16TgI/AAAAAAAAAgw/lxLvblMU7tQr7uLGPaJtzss3DlA4GdqugCLcB/s1600/Firenze.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-U_i7JIfEbrA/V8eXuP16TgI/AAAAAAAAAgw/lxLvblMU7tQr7uLGPaJtzss3DlA4GdqugCLcB/s320/Firenze.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Na semana
passada, a Itália foi notícia pelos terremotos que atingiram o centro do país,
várias cidades atingidas. Amatrice é a mais conhecida, mais turística. As
cidades atingidas ficam cerca de 100 km de Roma. Fiquei me lembrando desse país
em que estive por três vezes, por isso a crônica da semana, a primeira de
várias, tem como tema o país.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Estive na
Itália pela primeira vez em julho de 2010. Juntamente com Alba, minha amiga de
andanças pelo mundo, cortamos de trem o país de norte a sul, de Milão a Capri.
De Nápoles a Capri, de navio, claro. Em partes do trajeto tivemos a companhia
de Andréa Helena, Rainer e Inês. Depois, em 2012, nos primeiros dias de uma
primavera ainda com cara de inverno, fria e chuvosa, eu e Fabiana Silvestre
andamos pelo norte do país e chegamos a Roma para passar a páscoa. No ano
passado, novamente com Fabiana, e também Silvana e Patrícia, fomos a Milão,
Trieste, Pádua, Veneza, Livorno, depois pegamos o navio para a Córsega e
entramos novamente em solo italiano na ilha da Sardenha. De lá, da cidade de
Olbia, pegamos o avião para Roma, onde passamos alguns dias. Enfim, como se
pode ver, o país tem muitos lugares lindos para serem conhecidos. E eu,
pensando agora, tenho muitas amigas que se dispõem a conhecer o mundo, e
especialmente a Itália, comigo. Fabiana Silvestre é uma delas. Toda vez que vai
a Europa, quer ir à Itália, digo que tem outros países lindos a serem
conhecidos, mas ela quer novamente a Itália. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Antes de viajar
para lá pela primeira vez, estudei muito sobre o país e li romances que se
ambientavam no solo italiano. Conto aqui um pouco como foi minha primeira
andança em terras italianas. Li o que dois autores escreveram sobre a Itália:
Rainer Maria Rilke e Stendhal. Nenhum deles italiano, mas estrangeiros que se
apaixonaram pelo país. Como eu. Que me desculpem a comparação presunçosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
A paixão do
escritor Stendhal pela Itália é bem conhecida. Por todo o país, pela sua
história, pelo temperamento dos italianos. Em contraposição a sua França, à
época de Napoleão. Ele escrevia que enquanto a Itália produzia os Rafael, os
Ticiano, Correggio, Petrarca, a França produzia "esses bravos capitães do
Século XVI, hoje tão desconhecidos, que mataram tantos inimigos".<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Ele dizia que
em contraponto ao motivo monetário das guerras da França, da Inglaterra e da
América, os italianos disparavam tiros por motivos passionais. Na verdade, ele
ressalta muito esse caráter passional dos italianos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Isso já é
notório, o temperamento dos italianos. E no país todo. Talvez mais ainda no sul.
Os italianos são acolhedores, mas exagerados, brigam alto nas ruas, gesticulam.
São curiosos. Um exemplo, mas poderia dar vários: estava no supermercado,
escolhendo alguns cachos de uva e um senhor chega falando alto comigo,
praticamente gritando. Eu demoro para entender que ele estava dizendo, na “briga”
comigo, que eu estava comprando uvas verdes, não era época para aquelas uvas
que eu pegava estarem maduras. E toda essa fala, gritos, gesticulando, era para
falar comigo, pedir de que país eu vinha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Sou de
família paterna italiana, cresci escutando a família falar italiano; estudei
italiano durante a faculdade e alguns anos depois de formada. Retomei meus
livros e cadernos de italiano por seis meses antes da viagem e cheguei lá e
depois de dois dias imersa no idioma, já estava falando razoável. Não imaginava
que saberia falar, que teria essa fluência. Agradável fluência<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Roma é um
museu a céu aberto. Em cada esquina, uma ruína, uma história. A Fontana de
Trevi não tinha aquele encanto como nos filmes, e o calor era insuportável
nesse julho de 2010. O sol parecia mais ardente do que o nosso. Há hordas de
turistas por tudo, não se consegue tirar uma foto que não apareça pelo menos
umas cinquenta pessoas. Mas peguei um taxi e o taxista me mostrou uma fachada
de uma casa qualquer que tinha sido projetada por Brunesleschi. Aonde um taxista
poderia me dar uma aula de arquitetura? Se não em Roma, é improvável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Eu e Andréa
Rodrigues levantamos uma manhã em Florença antes das seis horas da manhã para
encontrar a cidade vazia, tirar umas fotos do rio Arno sem uma multidão e para
ficar à frente na fila de quarteirões para entrar na Galeria Uffizzi. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Tinha me
prometido nessa segunda vez na Itália: nas grandes cidades turísticas, em julho,
não dá para ir. Chega. Mas saí de lá e só lembrei-me da beleza do país e,
esquecendo o que prometi a mim mesma, apareci em Roma em julho do ano passado.
Calor insuportável, o asfalto das calçadas até derretia sob meus pés, multidões
se trompando nas ruas, o ar condicionado não funcionava direito em lugar
nenhum. E mesmo assim, lembro mais do museu etrusco que fui pela primeira vez,
da beleza da vista a partir da Vila Borghese, que ainda não tinha conhecido, da
ópera La Traviata, que assistimos na igreja São Paulo Entre Muros. Roma é
assim: não importa quantas vezes você vá, sempre tem coisas que não viu ainda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E você sai
irritada de lá, com tanta desorganização, calor, gente, bagunça, promete que
não volta – pelo menos não em julho – por um bom tempo, mas depois esquece
tudo. E passam-se uns meses e já está lá você, suspirando por ela, sentindo
saudades do sorvete que tomou em frente à Fontana de Trevi, só se lembra do
gosto maravilhoso do sorvete, esquece que teve que enfrentar fila, empurrar uns
quantos que queriam passar na sua frente, esquece que teve que esperar horas
para tirar uma foto só com umas dez pessoas aparecendo junto com você. E em
Florença, esquece que teve que madrugar para ficar em uma fila. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Como as
grandes paixões, da Itália lembramos com nostalgia das coisas inesquecíveis, as
outras são comezinhas, não nos impedem de voltar. Para os passionais recomendo
irem à Itália, para os que não são, recomendo ir à Itália, pois para viver a
vida, e não apenas sobreviver, é preciso se apaixonar. Vão para Roma, percam-se
nas ruas estreitas e medievais próximas da Praça de Espanha, da Via Condotti,
do Panteão, comam suas massas, conversem com os italianos, tentem entender seu
jeito exagerado. Sinto-me, sempre, um pouco em casa. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-58344005846344638942016-08-31T19:41:00.002-07:002017-01-18T06:14:33.401-08:00Há viagens das quais nunca regressamos. A Bélgica que ainda vive em mim<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-pgJxXK2K0qw/V8eVMy-ztJI/AAAAAAAAAgk/S8Hs27rhVTcisHq926X9RWQMO6D9RCWhACLcB/s1600/belgica%2B013.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-pgJxXK2K0qw/V8eVMy-ztJI/AAAAAAAAAgk/S8Hs27rhVTcisHq926X9RWQMO6D9RCWhACLcB/s320/belgica%2B013.jpg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Sempre a
Bélgica ficará para mim como um lugar de muitos dias nublados e frescos, de
caminhadas pelo campo, de fotos tiradas pelos caminhos, de canais e crepes, de
uma língua tão difícil que nunca consegui aprender. Estive lá em diferentes
momentos, nas várias estações do ano e escolhi a primavera como a mais bonita. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Estive lá
antes de Theo e depois dele. Com ele foi melhor, conheci o país e andei por
muitas cidades. Em algumas, literalmente. Ele registrou-me em um clube de
marcha atlética, participei de várias. Andei mais de cinquenta quilômetros em
três marchas, em três cidades diferentes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Para mim as
quatro cidades que mais gostei de conhecer: Gand, Damme, Tongeren e Dinant. No
Século X, uma violenta tempestade varreu a costa do Mar do Norte e abriu um
canal perto da cidade de Bruges, ao final desse canal se formou uma vila de
pescadores. Assim surgiu a cidade de Damme. Pequena, linda, rodeada de moinhos
e canais; do alto da torre da igreja, avistei a cidade de Bruges e o Mar do
Norte. A beleza de Tongeren não enche tanto os olhos, mas reconheci seu grande
valor histórico. Foi entreposto dos romanos, via de comunicação entre os vários
reinos conquistados. Mas ali os romanos encontraram um povo nativo bravio, que
ofereceu resistência. Ambiorix colocou Júlio Cesar para correr. Uma vez, pelo
menos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Dinant é para
encher nossos olhos de beleza, construída à beira do rio Meuse, com uma
catedral colada a uma grande rocha, cheia de flores e casinhas lindas. Mas foi
palco de uma batalha horrível na I Guerra Mundial. Ela foi capturada pelos
alemães, e contra-atacada pelos franceses. Eles combateram na cidade. Os
alemães incendiaram vinte civis. Escrevo só para que vocês não pensem que é
novidade do Estado Islâmico essa barbárie que é incendiar pessoas. E depois, os
alemães mataram 674 civis desarmados, novamente cidadãos de Dinant. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
E,
finalmente, Gand. Cidade bonita, repleta de canais, com arquitetura gótica
abundante, uma catedral imponente, várias construções imponentes, evidenciando
uma cidade que já foi das mais importantes da Europa, dos Séculos XI ao XVI.
Nela nasceu e foi batizado Carlos V, o Imperador do Império Românico-Germânico.
É a cidade de Theo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Andei muito
pelo país, entre as torres de Bruges e Gand, sob o céu flamengo, com o vento
forte do Mar do Norte no rosto. O país plano, o céu flamengo, o vento do Mar do
Norte, o território mapeado entre as torres de Bruges e Gand, são as marcas que
Jacques Brel coloca de seu país em suas músicas. Jacques Brel é um cantor de
língua francesa muito conhecido, inclusive no Brasil, sobretudo por sua música <i>Ne me quitte pas</i>. Eu não sabia, antes
dessas viagens, que ele era de família paterna flamenga e que compôs essa
música em flamengo, depois traduziu para o francês. Temos uma versão em
português dela, cantada por Raimundo Fagner.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
A Bélgica é
uma junção territorial de dois povos, duas línguas. Os valões falam o francês e
os flamengos, da região de Flandres, falam o flamengo, que é um holandês com
galicismos. Perguntei a Theo se a diferença entre o holandês falado na Holanda
e o falado em Flandres era muito grande. Resposta: pelo que estou estudando do
português, a diferença é menor do que o português de Portugal e do Brasil.<o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-esrxitfuXxk/V8eVX50XDBI/AAAAAAAAAgo/WaR6KksGpqgJlYW4P3oyf6oIitEkkYoawCLcB/s1600/Dinant%252B05.2009%252B%255B2%255D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="214" src="https://3.bp.blogspot.com/-esrxitfuXxk/V8eVX50XDBI/AAAAAAAAAgo/WaR6KksGpqgJlYW4P3oyf6oIitEkkYoawCLcB/s320/Dinant%252B05.2009%252B%255B2%255D.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Em Bruxelas,
eu adorava andar pelas ruas próximas da estação de trens. No geral, ruas
próximas a estações ou rodoviárias não são muito cheirosas, mas em Bruxelas
cheiravam a chocolate. E não qualquer chocolate, o verdadeiro chocolate belga,
o melhor. Depois da estação, subia as escadas e virava à direita, seguia pela
Rua Kantersteen e encontrava uma das melhores lojas de chocolates, que fazia um
chocolate artesanal desde 1919, o cheiro maravilhoso inundava o quarteirão
todo. Nenhuma cidade do mundo por onde andei tem esse cheiro. Bruxelas é doce,
cheira a chocolate por tudo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Estávamos, eu
e Theo, jantando em um dos restaurantes da Rua de Bouchers e ele começou a me
contar histórias dessa rua de restaurantes, de como ela era há trinta anos.
Sentia uma nostalgia da Bruxelas de outrora, com menos trânsito, onde todas as
pessoas se conheciam, se cumprimentavam. Contava-me histórias da Bélgica da
época em que seus pais eram vivos. Contou-me histórias da II Guerra Mundial que
lhe foram contadas por seu pai, quando ele era pequeno. Eu lhe disse que isso
tinha de ser escrito, tinha que se transformar em um livro. No ano anterior, eu
havia publicado meu primeiro livro e estava esboçando umas ideias para o
segundo, estava pesquisando sobre a II Guerra Mundial para um capítulo desse
segundo livro. Por isso meu segundo livro foi dedicado a Theo. Por isso e pelo
amor de outrora. Quando tivemos essa conversa durante o jantar, ele pediu-me
que o ajudasse a escrever esse livro nostálgico de seu país de antes. Disse sim
e passei a anotar tudo que me contava. Tenho isso ainda comigo: apontamentos
para um livro futuro que não existiu, memórias, cenas da vida desse homem e de
seu pai, empobrecido e humilhado durante a guerra, recortes de vidas que não
foram minhas e nunca serão. O que fazer com esses retalhos de um livro
inexistente sobre a Bélgica?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Continuo me
interessando muito por esse país, sua capital, a <i>Grand Place</i> tão milenar, suas ruas e seus invernos gelados, com
flocos de neve que correm na horizontal a te perseguir pelas ruas. Sinto
saudades dessa língua tão difícil, que não consegui aprender mais do que
algumas palavras, de sua culinária maravilhosa, de seus chocolates
insuperáveis. Mas, sobretudo, sinto falta das pessoas, de sua curiosidade
contida, de sua reserva um pouco medrosa, de seus sorrisos envergonhados. Miguel
Souza Tavares, no romance “No teu deserto”, escreve que há viagens das quais
nunca regressamos. Tudo está em mim,
ainda. Intensamente. Não se esquece um lugar onde se foi feliz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-89734608141850844672016-08-30T05:12:00.004-07:002016-08-30T05:12:50.918-07:00Monschau, a cidade de contos de fadas que aspira a ser de outra época<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-DC3inJaFxVk/V8V4ORZ79MI/AAAAAAAAAgA/554I5aZriNI5HlaLS8sAdkP5yfkWWKZ4gCLcB/s1600/Fotolia_22418674_S-jpg-8244023c64ed337c74fdcfccb5a3d75b.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-DC3inJaFxVk/V8V4ORZ79MI/AAAAAAAAAgA/554I5aZriNI5HlaLS8sAdkP5yfkWWKZ4gCLcB/s320/Fotolia_22418674_S-jpg-8244023c64ed337c74fdcfccb5a3d75b.jpeg" width="320" /></a></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Era uma vez
um sábado ensolarado de um mês de maio de uma primavera na Bélgica. Começo
assim, como se começam os contos de fadas, pois Monschau é uma cidadezinha
alemã de contos de fadas, congelada em um tempo medieval, com suas casas de
madeirame, dividida por um riacho e com calçamento de séculos passados. Tudo
nela aspira a ser de outra época, tudo nela parece ter saído de um livro de
estórias infantis. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Monschau fica
na Alemanha, do outro lado da fronteira com a Bélgica, na província da Renânia
do Norte-Vestfália. Está localizada na Serra Eifel, uma cadeia de morros que
aspira a ser montanha, mas não chega nem a setecentos metros de altura. Deixando a cidade de Eupen, na Bélgica,
passa-se pelo Parque Natural Hautes Fagnes, deixamos para trás as Ardenas
Flamengas e chegamos ao Eifel. É uma região de florestas e colinas, e casas no
campo à beira da estrada regional, e muitas flores. Dizia a quem guiava o
carro: pare aqui, por favor, vou tirar uma foto. Não só uma, mas várias vezes
pedi o mesmo. Mais alguns quilômetros nessa estrada reta e quase plana, repleta
de árvores tão floradas que se intrometiam nos dois lados da pista, e de flores
silvestres que adocicavam o ar, e cruzamos a fronteira: uns vinte quilômetros
de minutos depois, chegamos a Monschau. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Quando se
está em Gent, na Bélgica, não é longe. Duas ou três horas de viagem e chegamos.
Um bom motorista e que conheça o caminho também se faz necessário. Senão se vai
pela rodovia federal e perdem-se as estradas estaduais e vicinais e perde-se,
também, a beleza do caminho. Saímos de Gent e paramos para tomar café perto de
Bruxelas. Em Gent se falava flamengo, nessa parada, perto de Bruxelas, francês.
Seguimos pela estrada que vai a Liège. Depois seguimos por uma estrada
regional, a E 61, e chegamos a Eupen. É a última cidade na Bélgica antes de
entrar no parque natural e cruzar a fronteira com a Alemanha. Nessa cidade,
ainda na Bélgica, não se falava nem flamengo nem francês e sim alemão. Gent,
Bruxelas e Eupen, três cidades de um país e se falam três idiomas diferentes.
Como eles se entendem? Não se entendem. Eupen é uma cidade pequena, menos de
vinte mil habitantes, muito antiga e sem cor. As casas foram feitas de blocos
de cimento marrom e cinza e assim ficaram com a passagem dos séculos. Sem
graça. Pode-se perfeitamente, depois de estar com os olhos cheios da beleza do
caminho, passar por ela sem parar. Continuamos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Depois de
Eupen, segue-se pela N 67 e atravessa a fronteira e, em seguida, está Monschau.
É organizada para receber os turistas: na entrada da cidade está o
estacionamento para os ônibus e carros. Tudo lotado. Não fomos os únicos a
desejar passar um sábado de primavera no Século XVIII. O riacho que atravessa a
cidade é, na verdade, o rio Ruhr. Quando cruza Monschau, ele é estreito e
pequeno, um pouco mais que um filete de água, porém em alguns lugares mais
adiante, é bem caudaloso, expande-se e alarga e vai morrer no Reno. A cidade vive
da manufatura de objetos de vidros e da fabricação de mostarda. A fábrica de
mostarda tem mais de cem anos, mas não senti nenhuma vontade de visitar. Mas
pode-se experimentar a mostarda pelas lojas da cidade. E também vive do
turismo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Andamos pelas
ruas de calçamento do Século XVIII, tiramos fotos da Casa Vermelha, construída
em 1752 por Johann H. Scheibler. No centro da cidade, uma praça, o riozinho,
uma colina acima, com as ruínas de um castelo, muitos cafés, o cheiro de
chocolate quente se esparramando por toda a praça. E muitas lojas de artesanatos,
muitas roupas de cama, mesa e banho bordadas de rendas. Muito lindas, mas não
comprei nenhuma, pois se trouxesse para meus amigos, iriam achar que eu comprei
no Ceará, pois eram muito parecidas: a mesma delicadeza e até mesmo os pontos
parecidos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Uma coisa
engraçada aconteceu, e lembro como se fosse uma piada que fiz, mas não sei por que
assim o quis. Eu e Theo tínhamos uma língua em comum, o francês, que não era
nem a sua língua materna, nem a minha. Quando chegamos a Monschau, comecei a
falar com ele em alemão – mesmo com as limitações que tenho no idioma - e
simplesmente mudamos de língua. Ele respondeu nessa língua, a qual também
falava bem em função de seu trabalho, e quando cruzamos a fronteira, voltando,
retornamos ao francês. Hoje não temos mais nenhuma língua em comum, nem a do
amor. Sobretudo essa. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt;">
Theo
perguntou se eu queria como presente uma toalha de renda, disse não; se eu
queria levar alguns potes de mostarda, disse não. Estava em uma cidade de
contos de fadas, perdida em séculos passados, com um homem a quem tanto quis,
vivendo um dia de conto de fadas em um sábado de primavera. Depois o tempo
avançaria, mas ali, naquele momento, eu não precisava de nada mais. E assim
foi. Mesmo nessa cidade que aspira a ser de outro tempo, ao sopé de uma colina
que aspira a ser montanha, o tempo não para. Ainda bem, é sua maior dádiva. Mas
mesmo assim, não posso voltar a ela, com receio de não vê-la com os olhos de
outrora. Eu e ela nos desencontramos e nos desentendemos, cada uma falando uma
língua, cada uma em século diferente. Não posso mais ir lá, mas vocês podem. E
precisam. Ela dá a dimensão de como é ser outra pessoa, viver em outro tempo,
falar outra língua, ser estrangeiro de si mesmo, nem que seja por um dia. E ela
continua lá, cheirosa, graciosa, eterna, esperando vocês. O tempo fez uma curva
lá e parou e está esperando a todos que ainda não foram. <o:p></o:p></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9043959073199069847.post-25884263289179287132016-08-14T13:01:00.001-07:002016-08-14T13:01:15.732-07:00Sevilha, capital da Andaluzia, a sedutora cidade para se morrer de amor. Por ela, inclusive...<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
E cheguei a Sevilha, a capital da Andaluzia: quarenta minutos de trem
rápido a partir de Córdoba. É mais aberta para o mundo, com pessoas mais
acolhedoras do que em Córdoba e Granada. Foi essa a minha impressão, pelo
menos. Perguntei a vários sevilhanos porque lá as pessoas eram diferentes; em
situações diversas, disseram-me que mesmo para eles, o povo de Córdoba e
Granada era fechado, que eles, sevilhanos, aceitam mais os estrangeiros, estão
mais acostumados. Creio que a história é mais antiga. É uma cidade de porto,
dali Colombo saiu para descobrir novos mundos. Na Torre de Ouro tem muitos
quadros, de vários séculos, que mostram as pessoas indo à torre à espera de
novos navios que chegavam pelo rio Guadalquivir. A Torre do Ouro é uma
construção mourisca do Século XII, à beira do rio, construída com a função de
vigilância a todas as embarcações que entravam no canal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
A Praça de Espanha é um dos exemplos mais ricos e lindos da arquitetura
andaluza. Só vê-la valeu a viagem. E tem também a Giralda e a Catedral, a terceira
maior do mundo. Somente a vi por fora, pois estava complicado entrar: havia uma
greve de funcionários que estava fechando a maioria das portas. Não me
incomodei de só tirar fotos de fora, pois já soube na primeira manhã em que andei
pelas ruas de Sevilha que teria de voltar. Então, paciência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Frederico Garcia Lorca, o grande poeta andaluz, escreveu que Sevilha é
uma cidade para se ferir, para sempre se ferir. Mas é uma cidade para viver. E
quanto a Córdoba, diz que é uma cidade para morrer. Escreve isso em mais de um
poema. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Acordava cedo, animada, e enquanto minha amiga ainda dormia, saía para
andar horas pelas ruas estreitas do centro antigo. A cidade que mais gostei de
visitar na Andaluzia, sem sombra de dúvida. Comprei um xale flamenco de seda
pura, verde, de tanto verde que é quase fosforescente, bordado com imensas
rosas brancas. São caríssimos, mas em um minuto de loucura, comprei. Usei-o
poucas vezes, mas segue sendo meu amuleto dessa viagem inesquecível. E não só isso, trouxe de Sevilha a maior parte
das lembranças de viagem: duas reproduções da Torre do Ouro, que estão
penduradas em minha sala; uma miniatura da torre está em meu consultório, e
também uma estatueta de uma dançarina flamenca. Tudo, com um bocado de
sacrifício, chegou inteiro. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-9gDXJNfb7cs/V7DOACbbe7I/AAAAAAAAAfU/rztSDb3bBQ8pfUANRSzpwPvMtt_l61ErgCLcB/s1600/PA011174.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://4.bp.blogspot.com/-9gDXJNfb7cs/V7DOACbbe7I/AAAAAAAAAfU/rztSDb3bBQ8pfUANRSzpwPvMtt_l61ErgCLcB/s320/PA011174.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Nasceu em Sevilha um mito que correu mundo, saiu de lá - houve tentativas
de saber quem seria o sujeito que deu corpo ao mito, mas nunca se conseguiram
os dados históricos – o maior amante de todos os tempos, Don Juan, o Sedutor de
Sevilha, que conquistava todas as mulheres e amava a cada uma delas como se
fosse a única. O personagem foi criado pelo frade espanhol Tirso de Molina,
porém baseado em lendas que já se espalhavam pela cidade. Depois de Sevilha,
ela correu mundo pelas letras de muitos escritores. Mas deve ter deixado marcas
na cidade, em que seus homens precisam ser muito galantes. Era eu pedir um
endereço e o prestativo senhor me levava até onde eu queria, começava a chover
e outro me oferecia um canto de seu guarda-chuva até eu chegar ao hotel. Um senhor a quem eu e Alba pedimos informação
sobre a melhor parada para chegar ao nosso hotel, desceu do ônibus conosco e
fez questão de levar-nos até a porta do hotel. E assim eram as informações que
pedíamos a todos esses sevilhanos donjuanescos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
Sevilha ainda espera meu retorno, com seu passado presente, seus azulejos
coloridos, seus Dons Juans. E, claro, com os poemas imortalizados de Garcia
Lorca: Sevilha, de longos ritmos e labiríntica, uma cidade para se viver. E
morrer de amor. Por ela, também.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
Andrea Brunettohttp://www.blogger.com/profile/14113156791223864776noreply@blogger.com0