domingo, 15 de dezembro de 2013

Hoje morreu Peter O'Toole


Porque te amava, enfeixei vagas de homens nas minhas mãos
e em estrelas escrevi nos céus o meu desígnio
de te conquistar a liberdade, palácio de sete pilares
onde teus olhos brilhariam
talvez por mim quando voltássemos

A morte parecia seguir-me como escrava,
até que me aproximei - e te vi esperando.
Sorriste-me e ela correu avante ciosamente aflita
e assim te arrebatou para a sua quietude.

O amor exausto apalpou tímido o teu corpo
breve prêmio nosso, nosso por um momento.
Antes que a branda mão da terra explorasse
tuas formas e noturnos vermes engordassem devorando tua substância

Pediram-me que a nossa obra, casa inviolada, eu a erguesse em memória de ti.
Mas, para melhor exaltar, espedacei-a inacabada e agora lembranças furtivas
se conjugam e serpenteando se inflitram
nas ruínas, nas sombras do dom que me deste.

Thomas Edward Lawrence.

Este poema, que compôe 7 Pilares da Sabedoria, eu recitava de cor na minha adolescência. Depois de assistir Lawrence da Arábia, quis saber quem era esse britânico que lutou ao lado dos árabes, pela causa deles, que também virou sua. Imaginava que era por amor a S.A. Imaginava que fosse uma mulher. Parece-me, descobri depois, que não era. Hoje não importa o sexo de S.A., homem ou mulher, por ele Lawrence mudou sua causa, sua vida, seu destino.
E além disso, temos que lembrar que o amor não tem sexo.
Lembro isso hoje porque morreu Peter O'Toole, que magistralmente interpretrou Thomas Edward Lawrence no cinema.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Coleccionista lleno de agujeros

"....A veces me siento jodidamente mal: cuántas cosas he dejado escapar, coleccionista lleno de agujeros, cuánto he derrochado, olvidado, especialmente allí, en casa.  Sólo restan conmigo (em mí?) una especie de patio y pasillos oscuros, buhardillas húmedas, dientes de léon pisoteados, zanjas por llenar, postes pintados de blanco.... Sólo aquí, en otros países, empecé a labrarme todo mi ser, todo lo que soy. Me hundí en abismos salvajes del ánimo, incluso no llegue a alcanzarlos y me dio miedo, tal como me habia pasado en casa, de perderlo casi todo. Al fin y al cabo, así incluso se puede vivir con mayor tranquilidad. Considerar todo lo perdido como superfluo. Todo lo no perdido (una parte minuscula) como indispensable. O sea, ineludible..."
É assim que o poeta ucraniano Stanislav Perfetski vai descrevendo sua vida durante uma viagem de carro entre Munique e Veneza. Passou em Munique a quarta-feira de cinzas e nos mostra nela o primeiro dia melancólico da quaresma. Pega carona com um casal que vai a Veneza e vai escrevendo sobre sua vida de "pleno colecionador de buracos". Seu relato começa dia três de março e já sabemos de antemão, pois nos é contado por um narrador, que no dia dez de março, dia de seu aniversário, se jogará de uma janela de hotel em Veneza, desaparecendo em um de seus canais. Sobre a escrivaninha, estará esse relato que é o romance.
O narrador que, em um preâmbulo abre a estória, antes de começar o relato de Perfetski, é o próprio autor do livro, Yuri Andrujovich, ucraniano e nova voz na literatura do leste. Genial o jeito que ele começa seu romance: colocando um narrador, que é ele mesmo, como um outro, a contar a vida do poeta ucraniano desaparecido em um dos canais de Veneza. Estou quase na metade do livro intitulado Perverzión. Publicado em Barcelona pela Editora Acantilado. E que talvez chegue no Brasil no dia de são nunca.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Morre Nelson Mandela

Chego em casa parecendo um final de dia normal, 19hs da noite, quarenta e tantos graus de calor, vento fraco, ligo a TV e fico sabendo que Nelson Mandela morreu.
Estava doente, cansado, já tinha declarado que sentia que toda sua meta no mundo tinha sido cumprida, porém a sensação para mim é de orfandade.
William Bonner, nesse jornal rasteiro, diz que ele foi quem foi menos por ser de esquerda do que por defender a liberdade para todos. Alguém imagina que qualquer hotentote decente, contra a segregação, o racismo, a violência infringida por um governo totalitário, poderia não ser de esquerda na África do Sul dos anos 60?
Existe algum homem que tenha saído da prisão depois de 27 anos e tivesse se tornado uma pessoa melhor? Com esperanças, ideais, mais conciliador?
Que depois de décadas preso, saiu e viveu muito, foi o pai de uma nação, separou, amou novamente, casou-se, viajou, conversou com os maiores líderes. Deu uma lição de como um homem que faz laços sociais deve ser.
Agora estou escutou o DVD do show de tributo a ele, que reuniu os maiores cantores do mundo.
Para mim ele foi a grande personalidade do Século XX. Um homem ímpar

domingo, 6 de outubro de 2013

A árvore que não morreu

Esta é uma foto que tirei duas horas atrás, da árvore que não morreu. De frente para a Lagoa do Itatiaia, ela teve seu tronco queimado por uns rapazes, na madrugada, final do ano passado. Os morados de frente para ela, chamaram o poder público, que teve a capacidade de fazer nada. Eles mesmos apagaram as chamas do tronco. A árvore continuou lá, com seu tronco aberto, queimado pela metade, preto, parecendo carvão. Eu achei que ela iria aos poucos fraquejar, morrer e cair. Dei até entrevista para a televisão falando isso: ninguém fez nada para salvá-la, nenhum remédio, nenhum encosto, reforço. Sei lá quais são os remédios da biologia. Pois veio a primavera e ela está assim, o tronco machucado continua lá. E a beleza dela desabrochou com esta primavera.
Estou escrevendo tudo isso porque ontem à noite escutei no jornal da história da moça que perdeu o pé andando de moto. Ainda bem que não entrei no midiamax e no campograndenews hoje, pois fiquei sabendo que colocaram a foto do pé perdido da moça, que foi encontrado por um homem, horas depois. Isso é coisa para se mostrar?????
O que uma coisa tem a ver com a outra? Sinto pelo acidente da jovem, mas prefiro ver a árvore.
Para esse finalzinho de domingo, de vento fresco, um espetáculo de roxo de uma árvore que sobrevive.

domingo, 30 de junho de 2013

Ando tão à flor da pele

 
Depois de andar por ruas, cidades, países, em que faz falta escutar música, a saudade da música brasileira se agiganta, a saudade desse enviscamento, disso que faz com que para nós, a música esteja à flor da pele. Para cada momento, uma música, para cada sentimento, uma música. Mas a música sempre. 
Há pouco bateu-me uma saudade que só essa música explica.
Um barco solto, sem rumo, sem vela....

domingo, 16 de junho de 2013

Venda de meu livro

Caros amigos, a partir de segunda-feira à tarde meu livro vai estar à venda na Livraria Le Parole, na Rua Euclides da Cunha, quase na esquina com a Ceará. E começo de julho, quando voltar de férias, combinei de deixar na Livraria Leitura, no Shopping Campo Grande.
Quem é de fora de Campo Grande pode pedir no site da Editora Escuta ou mesmo para mim, se preferir, e eu mando pelo correio.
Obrigada a todos pelas mensagens carinhosas.

sábado, 15 de junho de 2013

Sobre amores e exílios

 
 
Ontem, lançamento de meu livro aqui em Campo Grande. Estava muito feliz. Publicar um livro é uma realização tão grande. É um alívio, é como se muitas coisas que eu teria que dizer, não preciso mais. Estão aí, no escrito.
 
 
 
 
                            Com Márcia, Priscila, Marta, Neiba, Fabiana e minha irmã Maristela



                                                 Com Adriana, Débora, Inês e Samuel


sexta-feira, 14 de junho de 2013

Nelson Mandela

Faz alguns dias que Nelson Mandela está internado. Ontem deu uma melhorada. Eu acho que logo logo ele se vai, seja agora ou nos próximos anos. Melhor que seja nos próximos anos. Já tem 92 anos. E vamos perder este homem que é a maior autoridade e o maior respeito que nos ficou do Século XX. Nelson Mandela é um exemplo da capacidade que o ser humano tem de mudar, melhorar, perseverar, resistir, conquistar.
Nelson Mandela é o melhor do humano. Que, então, ele viva vários anos ainda...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um pensamento para o dia dos namorados

"Todos os amores são infelizes porque são feitos de tempo, todos são o nó frágil das criaturas temporais que sabem que vão morrer; em todos os amores, até nos mais trágicos, há um instante de felicidade..." E assim Octávio Paz continua falando sobre o amor em um dos livros mais lindos que já li. Queria escrever sobre o amor assim, como ele faz em A dupla chama, mas peguei outro viés: os desencontros, o exílio de viver sem o objeto amado. Quem não ama é sem terra pátria, sem chão.


Hoje de manha dei uma entrevista na Rádio FM 94 e uma das perguntas que me fizeram foi: quem ama perdoa uma traição? Minha resposta: que só dá para responder na singularidade de um sujeito, cada um ama de um jeito.

Qual seria o instante de felicidade que anularia a fragilidade do amor? Um beijo na boca? um buquê de rosas vermelhas? escutar o outro, compartilhar a solidão? aliviar a carga de viver do outro? Um sorriso pleno de esperanças? desejo? Cada um escolhe o que melhor lhe aprouver.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Lançamento de meu livro, ontem na Livraria Acadêmica, em Fortaleza.


Eu e Sandra Mara, que junto com Socorro, da Livraria Acadêmica, organizaram um lançamento lindo. Tinha até meus livros pendurados pelas paredes, como ao fundo. Obrigada.
 

Osvaldo, coordenador do FCL-Fortaleza, ontem à noite, na Livraria Acadêmica.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Novamente

Para você:

Me disse vai embora, eu não fui
Você não dá valor ao que possui
Enquanto sofre, o coração intui
Que ao mesmo tempo que magoa o tempo
O tempo flui
E assim o sangue corre em cada veia
O vento brinca com os grãos de areia
Poetas cortejando a branca luz
E ao mesmo tempo que machuca o tempo me passeia
Quem sabe o que se dá em mim?
Quem sabe o que será de nós?
O tempo que antecipa o fim
Também desata os nós
Quem sabe soletrar adeus
Sem lágrimas, nenhuma dor
Os pássaros atrás do sol
As dunas de poeira
O céu de anil no pólo sul
A dinamite no paiol
Não há limite no anormal
É que nem sempre o amor
É tão azul
A música preenche sua falta
Motivo dessa solidão sem fim
Se alinham pontos negros de nós dois
E arriscam uma fuga contra o tempo
O tempo salta

domingo, 2 de junho de 2013

As sessões

Quem já assistiu "As sessões"? Não sei se choro ou dou risada.
Helen Hurt é uma terapeuta sexual, que trepa com os pacientes, com hora marcada. Não é uma puta não, não confundam. Estou debochando.
Ela tem clientes que lhe são enviados por uma psicoterapeuta, homens que não conseguem transar por alguma incapacidade. Marc é um homem que nunca transou com uma mulher, teve poliomelite aos 6 anos de idade e ficou sem conseguir mover nada além da cabeça e do pênis. E a contrata para conseguir transar.
 No início, ela é de um frieza horrível: agora vou fazer isso, agora vou passar minha mão em tal lugar, agora seu negócio está posicionado. Eu nem sei como ele consegue ter ereção com tanta ciência.
Ele só consegue ir para a cama com essa mulher porque o padre o liberou. Disse 'vá em frente'. As cenas em que ele conta tudo para o padre são de chorar de rir.
As coisas não estão dando certo, ele fica contrariado, pois cada vez tem uma ejaculação precoce. O padre dá um conselho maravilhoso: esqueça essa baboseira psicológica e fale, você é um poeta.
E ele é poeta dos bons. Ele escreve para ela: "Deixe-me tocar-te com minhas palavras, porque minhas mãos jazem caídas como duas luvas vazias; deixe minhas palavras acariciarem seus cabelos, escorrerem por suas costas, fazerem cócegas pela sua barriga, pois minhas mãos, leves, mas inertes, ignoram minhas vontades e se recusam a realizar meus desejos mais silenciosos. Deixe minhas palavras entrarem na sua mente, levando tochas, admita esse peito aberto em seu corpo, para que possa te acariciar gentilmente aí dentro."
E quando um homem começa a falar com uma mulher, e de sentimentos, fazendo poemas e na cama, a coisa deixa de ser simples. E o que era uma simples tentativa de fazer uma relação sexual ser levada até o fim, se complica mais. E o amor surge.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

"Todo tempo feliz é filho ou neto da separação"


Rainer Maria Rilke escreveu isso em seus Sonetos a Orfeu. Depois de passar dez anos esperando escrever algo que não sabia o que era, mas tomado por uma ideia de algo importantíssimo que teria de ser escrito, e sem conseguir escrever uma linha, saíram esses sonetos. Li os comentários de um crítico literário e ele escreveu que Rilke vivia um tempo de aridez criativa. Podemos chamar de aridez essa impressão que um escritor sente de que tem algo a escrever, que se prepara para isso, que está submetido a uma ideia que não sabe bem o que é, que escreve outra coisa e sabe que não é isso¿ É como uma gestação, vai se encaminhando semana a semana em direção à obra. Uma gestação literária que demorou dez anos para parir. Que angústia deve ter sentido! Paciência é tudo, o conselho que ele deu ao jovem poeta se aplicou a ele também.

E depois escreve esses que são os mais belos sonetos que já li. Orfeu, o que vive à procura da amada, que faz por ela todos os esforços e morre em seu fascínio por Eurídice.

Sabemos da paixão que Rilke declarou por Lou-Andréas Salomé, a russa. Escreveu para ela as palavras mais lindas que um homem pode escrever a uma mulher.  Apaga-me os olhos: ainda posso ver-te, tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te. E continua para, no fim do poema, afirmar que a traz em seu sangue. E em outro escreve que o amor de um ser humano por outro é a experiência mais difícil para cada um de nós, “o mais superior testemunho de nós próprios, a obra absoluta em face da qual todas as outras são ensaios”.

Dez anos antes desses Sonetos a Orfeu foi com Salomé à Rússia, se preparou para essa viagem, aprendeu russo. E não esqueceu nunca a Rússia. Nos sonetos cita essa viagem “Lembro-me de um dia de primavera na Rússia\Um cavalo às escuras...”. Uma viagem da qual nunca esqueceu, um amor russo, uma primavera.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Sobre amores e exílios

 
 
Capa de meu novo livro.
Coloco abaixo o release que Renato Lima fez sobre ele.
 
 
Andréa Brunetto lança o livro "Sobre amores e exílios"
 
 
“A honra da literatura é evi­denciar que o homem não é a “fina flor da criação” – essa é a ilusão de seu ser religioso – e sim Sicut pa­lea, isso que Lacan almejava que um analista descobriria ser ao fi­nal de sua análise: nada, dejeto, estrume. E dessa condição de “exi­lado das coisas“, de falta do obje­to, seu ser de desejo pode emergir. Isso é o que melhor a literatura nos mostra. Um mundo de desejos incandescentes, como de forma tão linda Vargas Llosa escreve. Então, por que alguém escre­ve? Cada romancista tem seus mo­tivos. Salman Rushdie, o escritor indiano-mulçumano, autor de Os versos satânicos, alega que escreve para preencher o lugar esvaziado de Deus; Marguerite Duras para cons­truir um exílio, uma pátria do verbo, “uma pátria sem terra, sem nação, a mais sólida do mundo, a mais indes­trutível”. (Andréa Brunetto)
 
Apai­xonada pela psicanálise, apaixonada pela literatura, Andréa Brunetto transparece essa paixão em to­das as páginas deste livro que, como diz o título, está na fronteira entre uma e outra. Fiel ao preceito de Lacan de que o psicanalis­ta não deve tentar encontrar, a partir de sua obra, as neuroses de um autor, ela se vale dos textos de renomados escritores – como Freud fez com a Gradiva, de Jensen – para ensinar aquilo que o romancista revela, de­monstrando o que ela nos anuncia nas pri­meiras páginas: de que a psicanálise pouca importância tem para a literatura, mas esta tem muito valor para o analista.
Tomando-nos pela mão, Andréa nos faz com­panheiros e confidentes da viagem através desse litoral como se estivesse conversando conosco e tornando-nos cúmplices do seu ar­rebatamento para mostrar como, tanto no amor como no exílio, somos todos estrangei­ros, “desterrados do país-infância”, exilados do inconsciente e habitantes dessa outra cena. Por isso ela pode passear por autores e lugares tão diversos como Imre Kertész, Elfried Jelinek ou Orhan Pamuk, entre ou­tros, e Auschwitz, Viena ou Istambul, evi­denciando que não só a psicanálise, mas também a literatura não tem pátria nem fronteiras.
Porém, não nos enganemos com essa aparente simplicidade. Ela é fruto de uma extensa lei­tura e grande familiaridade com todos os es­critores citados, tanto de um território quanto do outro, evidenciando que o gosto pela lite­ratura que herdou do pai – como nos infor­ma logo nas linhas iniciais – foi inteiramente conquistado por ela (segundo a recomendação freudiana), pois assumido como um desejo seu e “anexado” àquele pela psicanálise.
Viajando por tantas terras, este livro é uma carta-letra que sem dúvida chegará ao seu destino. (Andréa Rodrigues)
 
 
LANÇAMENTO:
Todos estão convidados para o próximo dia 14 de junho, acompanhar o lançamento deste livro em um coquetel que será realizdo às 20h30, no Grand Park Hotel, em Campo Grande. A entrada é gratuita.
 
SOBRE A AUTORA:
 Psicanalista, psicóloga, membro (AME) da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, funda­dora do Ágora Instituto Lacaniano, de Campo Grande. Autora de Psica­nálise e educação: sobre Hefesto, Édi­po e outros desamparados dos dias de hoje (UFMS, 2008). Escreve, publica e apresenta traba­lhos na interface da psicanálise com outros saberes.  Atualmente é conselheira do CRP14, coordenando a Comissão de Ética.

 
 
 
 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um homem certo


Um homem se lembra de quando era pequeno e sua mãe praticava abortos, lembra das jovens que vinham até sua casa para fazê-los com sua mãe. Imagina pedaços de corpos, o sangue. Nem vou continuar a dizer mais o que li na matéria do Terra.  Essa história ele vai contar em um de seus sermões. A mãe, que não faz mais isso há muito tempo, que agora também é evangélica, vai se retratar e dizer que o filho era muito pequeno quando isso aconteceu, que ele não viu nada. Ele mentiu? Muito provavelmente não. Era criança – não sei exatamente quantos anos tinha,  mas uma criança imagina muito, sonha, tem muitas fantasias, um mundo de terrores e fobias pululam suas noites. Sei de adultos que não conseguem olhar embaixo da cama à noite até hoje, acalentando os mesmos medos infantis. Então o garoto deve ter imaginado realmente o que conta agora como verdade.

Aborto é crime no Brasil. Eu não vou entrar em consideração quanto a isso. Crime é crime. Seja eu contra ou a favor, a mãe do garoto estava fora da lei. Mas isso aconteceu há mais de duas ou três décadas. A questão que me ficou foi uma: ele poderia ter colocado essa história da mãe assim, em público, em um de seus sermões, para pregar o certo e o errado? Foi ético? Ele deve ter se colocado do lado certo, e a mãe do lado errado.

Quando disse que John Lennon merecia ter sido assassinado, também se colocou do lado certo. Lennon, do errado. E o mesmo para o conjunto Mamonas Assassinas. Só que dessa vez quem executou a vingança foi Deus  - que jeito esse de ver Deus! - que colocou a mão e disse que se vingava dos que cantavam músicas torpes às crianças. Mamonas errados. Lennon errado. E Caetano Veloso também. Sinceramente agora esqueci o porquê Caetano Veloso está errado. Mas Caetano que se cuide, pois os outros artistas errados já se foram. Deus está de olho em Caetano Veloso. Veloso, Mamonas, Lennon, todos errados. Ele certo.

Ah, os africanos também errados, estão sendo punidos por Deus. Os africanos vivem muitas dificuldades realmente, mas são um povo tão rico, de cultura, de riquezas minerais, de fauna, de flora, estão sendo punidos por Deus. Os africanos “estão como estão” porque todo mundo vai lá roubá-los. Sobretudo os europeus, que dilapidaram suas riquezas. Como aliás, as nossas também. Os africanos errados, ele certo.

Eu não gosto de gente que se acha tão certa, tão correta, tão moralmente viável, e que aponta as faltas do outro. Até da mãe publicamente. Acho gente com tanta certeza assim perigosa. E insolente, e audaciosa. É de se arrogar que sabe o que é o melhor para os outros. É gente com empáfia. Crê que o ser humano é grande coisa, que ele é grande coisa, os outros é que são os errados. Mas o ser humano é como Thomás de Aquino disse: sicut palea. Estrume, dejeto, nada. É isso, no fundo, o ser humano: do pó vem e para ele vai. Por que não se lembra dessa parte na hora de apontar o dedo para os outros? O engraçado é que quando um sujeito não quer enxergar isso, mais vira isso.

Estou escrevendo isso indignada com um amigo meu que colocou um post defendendo esse homem certo. Uma defesa e com um argumento mais ou menos assim: só críticas para ele e os outros políticos ficam numa boa. E os corruptos, e os mensaleiros, e os outros? Isso é mais ou menos assim: é como se alguém pudesse se defender do erro dizendo que os outros erram também. Eu roubei, mas o outro também roubou.

È claro que os políticos depois se entendem, fazem reuniões. Aliás, já fizeram, já cortaram as devidas fatias do bolo e deram essa para ele, o homem certo, para ficar com as maiores para si. Na verdade, esse argumento é débil demais. Se eu continuar pensando nisso, os errados somos nós. E nesse caso, creio realmente. Errados somos nós se temos os políticos que temos. Será que é castigo de Deus?

domingo, 7 de abril de 2013

Lendo Rainer Maria Rilke em um domingo de chuva

Acordei seis da manhã nesse domingo de céu fechado. Fui caminhar com minha amiga Fabiana e voltamos correndo para meu apartamento, completamente ensopadas. Em 10 minutos o tempo fechou mais ainda, de cinza transformou-se em quase negro. As sete da manhã virou noite e a chuva, em vez de começar devagar, dando aviso, caiu de uma vez, inesperadamente. Sem uma árvore para nos proteger, tomamos chuva igual quando crianças. Engraçado é que me senti quando menina: tomava banho de chuva como quem transgride, comete uma infração. Pequena, mas infração.
Para quem acordou depois das oito da manhã - o que é mais normal em um dia de domingo - perdeu essa mudança, essa imprevisibilidade da metereologia, que nesse aspecto repete a vida.
Em um domingo de chuva como esse o que fazer, além de comer e assistir televisão? Escrevi. Escrevi muito, pois faz uns dias que uma escrita me assombra. Para um livro que quero escrever faz dois anos. Já tinha escrito páginas e páginas. E depois enviado para a lixeira, pois não era aquilo. Nessa semana as frases gestadas intimamente vieram fortes. E estou com mais de vinte páginas escritas, sabendo que estas são as que eu queria escrever.
É uma alegria tão grande de algo que só é mensurável para mim. Só para mim não. Todo mundo que já quis escrever um artigo, um livro, uma tese e as palavras não vinham sabe como é. O particular dessa alegria, o que ela significa especialmente para mim é que é o singular.
E depois desse esvaziamento das laudas e laudas escritas, fui ler Rainer Maria Rilke.

"O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós, o mais superior testemunho de nós próprios, a obra absoluta em face da qual todas as outras são apenas ensaios. É por isso que os seres bastante novos, novos em tudo, não sabem amar.E precisam aprender. Com todas as energias de seu ser, reunidas no coração que bate inquieto e solitário, aprendem a amar. Toda aprendizagem é uma época de clausura. Assim, para o que ama, durante muito tempo e até durante a vida, o amor é apenas solidão."

domingo, 24 de março de 2013

Cuaderno de Bitácora

Cuando llega la hora de la verdad, sencillamente no hay modo de esconder cosas tan grandes. Sobre todo en la llanura, donde non hay escondrijos." Estou lendo Cuardernos de Bitácora. Eu não sabia o que era bitácora: é um armário, um pequeno armário em cima donde é colocada a agulha naútica, ao lado do timão. E a partir daí surgiu a expressão cadernos de bitácora para mostrar que é dentro desse armá...rio que se coloca os papéis, as rotas do navio, a fim de serem protegidos da inclemência do tempo.
Pelo menos é assim que entendo nessa obra do escritor polonês Andrzej Stasiuk.
Ele não gosta das planícies, sente-se desprotegido nelas. Vivendo nos confins do mundo, como ele chama, em um canto da Polônia com a fronteira com a Ucrânia, terra que já foi Húngara, já foi alemã, já foi dos russos, desapossado da pátria, inclusive da lingua, pois cada colonizador enfiou sua lingua ao povo dominado, dá para enteder porque precisa de uma bitácora e de montanhas. Nada do desamparo das planícies.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Björnstjerne Björnson, um escritor norueguês: a imensidão da natureza

Estudando sobre a Noruega, a literatura norueguesa, os fiordes, os vikings, descobri além de Henrik Ibsen e Strindberg, os autores mais conhecidos, Bjornstjerne Bjornson. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1903, é autor de muitos romances, poesias e peças de teatro.
Estou lendo "Além das forças", drama ambientado no norte do país, nos campos, perto de um vilarejo situado acima de Trondheim, bem acima de Bergen, encostado do Círculo Polar Ártico. O dilema da família Sang é todo enredado na força da natureza, em sua grandiosidade e poder. Enquanto falam, enquanto preocupam-se com a saúde da matriarca, sabem que perto, a força das ondas do Atlântico Norte bate contra os rochedos, adentra os fiordes.

Eis uma descrição do poder e da beleza da natureza norueguesa, que hei de conhecer ainda:

"...Para nós, sim: aqui a natureza parece fugir de todas as suas leis e de todas as suas formas, e isto, é claro, nos afeta. Temos noite durante todo o inverno, o dia quase todo o verão, e o sol no horizonte noite e dia. Já viste alguma vez o sol de noite? Sabes que atrás das brumas do mar ele parece como inchado, como se de repente se tornasse enorme? E os efeitos de luz no céu, sobre o mar, sobre as montanhas? Dos vermelhos mais ardentes aos amarelos mais pálidos e, nas tardes de inverno, todas essas tintas tornadas ainda mais doces, essa luz boreal que lhes dá não sei que infinitas variações.... E todas essas maravilhas monstruosas da natureza? Esses bando de pássaros que cruzam aos milhares, esses cardumes infindáveis que assaltam nossas costas... Vês esses rochedos que avançam a pique sobre o mar? Não são também como os outros. Todo o Atlântico vem quebrar-se neles! E naturalmente nós, os seres humanos, à força de viver assim no meio de tudo isto, temos nossas idéias perturbadas; elas rodopiam, infinitam, desordenadas, misturando tradições e lendas em contos fantásticos de gnomos e gigantes... Oh, podes rir o quanto quiseres, mas escuta um pouco as nossas lendas e, quando tiveres falado com nossos camponeses, depressa verás que o Pastor Sang é o homem de que precisam."

Preciso dizer que a "idéia perturbada" que rodopia, infinita e desordenada, em minha cabeça, nesse momento, é que já estou quase fazendo a mala para ir lá?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

46 anos de casamento

Hoje meus pais, Jacir e Eugênia, fazem 46 anos de casados. Casaram-se em Santa Catarina, mudaram-se para Rio Brilhante logo em seguida, onde começaram a vida juntos. Só sei da cidade à época que nem luz tinha. (eu me lembro dela, anos depois, já iluminada). Atravessaram o país, construíram uma vida juntos, tiveram quatro filhos - sou a mais velha - aposentaram-se e se mudaram para Campo GRande. Perderam um filho e seguiram em frente. Seguem em frente há mais de meio século. Eu e meus irmãos somos frutos desses dois desejos tão decididos.