Um homem se lembra de quando era
pequeno e sua mãe praticava abortos, lembra das jovens que vinham até sua casa
para fazê-los com sua mãe. Imagina pedaços de corpos, o sangue. Nem vou
continuar a dizer mais o que li na matéria do Terra. Essa história ele vai contar em um de seus
sermões. A mãe, que não faz mais isso há muito tempo, que agora também é
evangélica, vai se retratar e dizer que o filho era muito pequeno quando isso
aconteceu, que ele não viu nada. Ele mentiu? Muito provavelmente não. Era criança
– não sei exatamente quantos anos tinha, mas uma criança imagina muito, sonha, tem
muitas fantasias, um mundo de terrores e fobias pululam suas noites. Sei de
adultos que não conseguem olhar embaixo da cama à noite até hoje, acalentando
os mesmos medos infantis. Então o garoto deve ter imaginado realmente o que
conta agora como verdade.
Aborto é crime no Brasil. Eu não
vou entrar em consideração quanto a isso. Crime é crime. Seja eu contra ou a
favor, a mãe do garoto estava fora da lei. Mas isso aconteceu há mais de duas
ou três décadas. A questão que me ficou foi uma: ele poderia ter colocado essa
história da mãe assim, em público, em um de seus sermões, para pregar o certo e
o errado? Foi ético? Ele deve ter se colocado do lado certo, e a mãe do lado
errado.
Quando disse que John Lennon
merecia ter sido assassinado, também se colocou do lado certo. Lennon, do
errado. E o mesmo para o conjunto Mamonas Assassinas. Só que dessa vez quem
executou a vingança foi Deus - que jeito
esse de ver Deus! - que colocou a mão e disse que se vingava dos que cantavam músicas
torpes às crianças. Mamonas errados. Lennon errado. E Caetano Veloso
também. Sinceramente agora esqueci o porquê Caetano Veloso está errado. Mas Caetano
que se cuide, pois os outros artistas errados já se foram. Deus está de olho em
Caetano Veloso. Veloso, Mamonas, Lennon, todos errados. Ele certo.
Ah, os africanos também errados,
estão sendo punidos por Deus. Os africanos vivem muitas dificuldades realmente,
mas são um povo tão rico, de cultura, de riquezas minerais, de fauna, de flora,
estão sendo punidos por Deus. Os africanos “estão como estão” porque todo mundo
vai lá roubá-los. Sobretudo os europeus, que dilapidaram suas riquezas. Como aliás,
as nossas também. Os africanos errados, ele certo.
Eu não gosto de gente que se acha
tão certa, tão correta, tão moralmente viável, e que aponta as faltas do outro.
Até da mãe publicamente. Acho gente com tanta certeza assim perigosa. E
insolente, e audaciosa. É de se arrogar que sabe o que é o melhor para os
outros. É gente com empáfia. Crê que o ser humano é grande coisa, que ele é
grande coisa, os outros é que são os errados. Mas o ser humano é como Thomás de
Aquino disse: sicut palea. Estrume,
dejeto, nada. É isso, no fundo, o ser humano: do pó vem e para ele vai. Por que
não se lembra dessa parte na hora de apontar o dedo para os outros? O engraçado
é que quando um sujeito não quer enxergar isso, mais vira isso.
Estou escrevendo isso indignada com
um amigo meu que colocou um post defendendo esse homem certo. Uma defesa e com
um argumento mais ou menos assim: só críticas para ele e os outros políticos
ficam numa boa. E os corruptos, e os mensaleiros, e os outros? Isso é mais ou
menos assim: é como se alguém pudesse se defender do erro dizendo que os outros
erram também. Eu roubei, mas o outro também roubou.
È claro que os políticos depois
se entendem, fazem reuniões. Aliás, já fizeram, já cortaram as devidas fatias
do bolo e deram essa para ele, o homem certo, para ficar com as maiores para
si. Na verdade, esse argumento é débil demais. Se eu continuar pensando nisso,
os errados somos nós. E nesse caso, creio realmente. Errados somos nós se temos
os políticos que temos. Será que é castigo de Deus?