quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A herança de um pai

Acabei de ler Ernestina, de J. Rentes de Carvalho. É um volume de memórias do autor, memórias ficcionadas, lembra seu editor. É também uma história sobre o Norte de Portugual entre 1930 e 1950. Sobre a vida rural difícil dos camponeses, a história de um exôdo, pois eles começam a almejar viver nas cidades. A história de Vila Nova de Gaia, pequena cidade perto de Porto está bem retratada no livro. É nela que Ernestina, a mãe do escritor, vai viver na casa de seus tios, pois vive uma guerra devastadora com a mãe e seu pai decide que assim, duas mulheres guerreando dentro de casa não se vive. E ela abandona o campo, passa a viver com os tios, na cidade. Os tios têm dois filhos, um deles morre e o outro vive de bebidas, mulheres e farras. É com esse que, posteriormente, eles casam Ernestina. E assim, casam o filho com a sobrinha, que criavam como filha.
Casamento feito para "consertar" um homem, tirá-lo da farra, das tavernas e que, claro, não dá certo. O autor/narrador nasce desse desencontro, dessa expectativa frustada, desse arranjo sem amor, sem esperanças, sem desejo. Desde cedo percebe o desencontro, as brigas, as saídas do pai para os bares, a volta embriagado, as agressões físicas.
E para se refugiar desse mal-estar, ele vai olhar para outros lugares. Descobre o prazer de olhar tudo à distância, de um binóculo: "perdia horas a espiar a cidade com o binóculo, admirado das mudanças que a guerra causava". Paralelo ao desencontro dos pais, vivia uma infância de muitas experiências, descobertas, pesquisas. Tem um saudosismo da infância: "A vida nunca mais voltaria a ter semelhante caleidoscópio de surpresas e mistérios, de romantismo, de irrealidade. Em tudo, por toda a parte, era como se constantemente se abrissem portas que ora revelavam ameaças ou deixavam entrever esperanças".
Ainda garoto sentia-se inapto com as meninas, era baixinho, tomava xaropes para crescer e não adiantava. Sentia que os outros garotos tinham fama com as garotas da escola. Com cerca de 10 anos, no exame médico da escola, o médico diagnostica que ele tem uma corcunda que o fará sofrer na vida adulta. Os pais se preocupam e levam em outro médico. Esse descarta a corcunda, mas descobre nele um problema que não quer falar na sua frente. Pede que saia e conta aos pais. Começou a tomar injeções bem doloridas para isso que ele descobriu, logo em seguida, a causa: sífilis congênita. E percebeu que depois desse diagnóstico, "a zaragata começou na cozinha".
Ele sabia que sífilis vinha de coisas que ele ainda não tinha feito, mas não entendia o congênito. "e a procurar o sentido no dicionário compreendi que, como outros bens e males, a mazela me viera por herança. Com dores nas costas pagaria eu os gozos de meu pai, de meus avós e dos avós deles, que de geração em geração tinham passado o mal-turco uns aos outros".
E assim, usará essa herança a seu favor: putanheiro, como o pai. Quando os colegas da escola perguntam porque toma injeções tão dolorosas, responde que é para "uma galiqueira que me pegara uma puta do café Royal".
Livro lindo, com um final lindo. Termina depois da primeira experiência sexual com uma garota criada por tios e que tinha o nome de Ernestina. Será que realmente a garota tinha esse nome e era realmente mais uma Ernestina "adotada" por tios? Ou é um Complexo de Édipo ficcioso criado pelo autor? Pouco importa. É um final lindo: de uma Ernestina até a outra.
E o portugues de portugal, que coisa linda! Zaragata é confusão, desordem. Galiqueira é outro nome para a doença sifilítica.

domingo, 14 de outubro de 2012

Diário argentino II

Terminei na quinta-feira de ler o "Diário argentino", de Gombrowicz. Livro triste, de um homem deslocado e triste, que não se sente feliz em nenhum lugar. O livro termina quando ele volta para a Europa, depois de 24 anos de exílio argentino. Mas, vendo as costas de Barcelona também não fica feliz. A Europa também não é seu lugar. E relembra que está indo para Paris. Esteve lá trinta e cinco anos antes e também sentiu-se estrangeiro.
Fiquei pensando sobre isso: é preciso na vida saber viver como um estrangeiro, um estranho em um lugar. Seja ele onde for. Saber perder-se e encontrar-se. Não importa onde.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mudou

Uma bobagem, uma tolice. Por que disse isso? Uma frase torta, falada na hora errada. Um instante de nervoso, um tropeço daqui, outro de lá. E depois, a vergonha. A inadequação. A  impressão de que se foi mais tolo do que nunca. É isso o desejo: nos atropela, nos interpela, nos interpreta. Tolos, sempre tolos. Divididos, perdidos. Deslocados. Tem alguns que são mais privilegiados para explicar isso: os poetas.
Estamos perdidos, sem localização geográfica, mas não sem poesia. Eis Taiguara:
"Mudou o tempo e o que eu sonhei para nós. Mudou a vida, o vento, a minha voz."

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Madrugei hoje

Madruguei. Vendo notícias. Uma animada entre tantas de morte, acidente, roubo, corrupção, mensalão: Liam Neeson tira a roupa no programa de Ellen Degeneres. E aquele homem gigante, de mais de 1.90m de altura fica só de cuecinha rosa pink, em apoio à campanha do cancêr de mama. E eu sou fã dele, um dos grandes atores do momento e ainda de cueca rosa pink? Maravilha. Quinta começou bem.

Pescando na Lagoa do Itatiaia

          Uma última coisa meio estranha que aconteceu domingo. Conto e vou dormir: um garoto que mora no condomínio veio me mostrar, dentro de uma vasilha, um peixe que ele pescou na piscina do condominio. Digo que não é verdade, que ele pescou na Lagoa do Itatiaia. Ele responde que sim, envergonhado. Na verdade, ele sabe que não poderia ter pescado lá. Ai eu digo - foi automático, não queria colocar tanta culpa na criança - eu acho que você devia devolver à lagoa, no mesmo lugar onde pegou, por que o pai e a mãe do peixinho devem estar atras dele. Foi imediato: a criança fez uma cara de tristeza e culpa. Não tinha pensado no peixinho como tendo familia. Ajudei a criar a neurose em uma criança no dia de hoje. Que coisa.......

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Diário argentino

        Quando descubro um novo autor é como se descobrisse um mundo. Dois escritores argentinos escreveram sobre ele: Witold Gombrowicz. Em 1942, ele foi para um congresso de literatura em Buenos Aires. Estava no navio, à caminho, e os alemães tomam seu país, a Polônia. Sua familia judia é enviada aos campos de concentração. Ele não tem para onde voltar. Está "preso" em Buenos Aires. E fica lá, quase 25 anos. Anos depois, passa a escrever não mais em polonês, mas em espanhol.      
      Estou, agora, deitada na cama e olhando a lua pela janela aberta. E lendo "Diário argentino", de Witold Gombrowicz, o mais novo escritor exilado que descobri. Uma partezinha para vocês, em que fala que a alegria é o melhor do ser humano: "essa alegria que es nuestra única victoria sobre la existencia, la unica gloria del hombre.".
      Não quero interpretar o escritor, mas se vocês lerem o livro, verão que a alegria falta nesse relato diário de seus dias portenhos.