quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A coragem de um homem

O soldado Emerson Leandro da Silva tinha 19 anos e não sabia nadar. Estava com a namorada e amigos em um pesqueiro à beira do Rio Aquidauna. Sua namorada, que também não sabia nadar, escorregou em uma pedra e caiu dentro do rio. Imediatamente, seu namorado Emerson pulou no rio - esquecendo que não sabia nadar - a empurrou para perto da margem. Os amigos a puxaram e ele foi puxado pela correnteza. Isso aconteceu no final de semana, mas seu corpo foi encontrado somente ontem.

É isso o que a psicanálise define como um ato. Um ato não é algo pensado, decidido em ruminações e ruminações. Aliás, a ruminação impede o ato. Mas, ainda assim, um ato é uma escolha. Ainda que inconsciente.

A grandiosidade do ato de Emerson é maior quando nos lembramos do que Freud escreveu no O mal-estar na civilização. Freud retomou a frase de Plauto, "o homem é o lobo do homem", para sustentar que um ser humano se coloca sempre em primeiro lugar. É sua primeva, narcísica, atitude. Depois, com muita sublimação, e construção simbólica, consegue fazer laço social com seus próximos. Mas lá, em seu imaginário, ele está em primeiro lugar. Então, se um navio vai afundar, se agir pelo seu narcisisimo, ele corre antes, "que afunde os outros, eu escapo". Vocês já perceberam que contraponho a coragem de Emerson à covardia do comandante Schettini?

Emerson sabia que ia morrer? Provavelmente não pensou isso na hora, correu o risco de salvar quem amava, agiu e isso, claro, teve consequências. Sua família deve estar sofrendo muito. Mas sua coragem, esse ato que surgiu em um segundo e tomou sua vida, salvou a vida de uma pessoa.

Só escrevo para sua coragem não ficar anônima, afinal tanto se fala da covardia nesse momento.

Não esqueçam: Emerson Leandro da Silva. Quando alguém vir até vocês com teorias fatalistas de que as pessoas estão cada vez mais egoistas, autistas, ensimesmadas, que o mundo não é mais o mesmo, pensem que existem Emersons por ai. Não muitos, claro. O lugar-comum pode ser o comandante italiano, mas os homens que fazem a diferença no mundo são os Emersons.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Jean Dujardin indicado ao Oscar de melhor ator 2012


Uma noite dessas, sem nada para fazer que ficar passando de um canal para outro na televisão, parei em um programa de entrevistas da TV5. Estava sendo entrevistado um ator francês que nunca tinha visto. Ele fazia a divulgação de seu novo filme - isso já tem dois anos. Gostei do que ele falou sobre o filme e o achei belíssimo. Final do ano, encontrei o filme na FNAC da Rue de Rennes, em Paris. Comprei. O filme se chama "Un Balcon sur la mer". Nele, um homem reencontra na mulher para quem ele está vendendo uma casa, a menina que ele amou na infância. Uma infância passada em uma Argélia em guerra. Saiu fugido de lá, com seus pais, criança ainda. Viveu uma vida esquecendo sua infância, casou-se, teve uma filha, mas um dia reencontra essa menina que amava e via sempre no terraço em frente. Isso justifica o títuto do filme, o terraço (balcon). Por que conto esse filme agora para vocês? Assistindo esse filme, entre natal e ano novo, novamente a beleza do ator desponta. Mas nem só isso, o principal é que ele é um ator espetacular. O nome dele: Jean Dujardin. Acabo de ver que ele foi indicado ao Oscar de melhor ator pelo filme "O artista". Um filme francês, que acaba de ser rodado e que trata da Hollywood dos anos 30. Um filme mudo. Um filme francês, um filme mudo e com Jean Dujardin concorrendo ao Oscar de melhor ator. George Clooney que me perdoe, mas torço por Dujardin.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O último CD de Chico Buarque

O último CD de Chico Buarque de Holanda, que escuto agora pela primeira vez, é um espetáculo. Começa com "Querido Diário", em que ele, um homem que vive sozinho, encontra amigos que lhe dizem "fique com Deus". E a partir daí lhe falta uma religião ou amar uma mulher sem orifício. Essa parte é ótima e meus amigos psicanalistas entendem isso perfeitamente: ele quer amar uma mulher sem gozar dela, ou com ela. Mas já diz, na estrofe seguinte, que é impossível, pois se ama, o desejo por ela já inflama. Depois vem a declaração de amor por Aurora, para quem ele faz uma canção, que vai cantando sem pudor, mas só se for agora, Aurora, sem mais demora, fazendo tórridas confidências mundo afora. E de Aurora, a mulher amada, musa, vira Amora e depois Teodora. E assim entendemos que a musa é a palavra, com a qual vai brincando, rimando.


E depois duas músicas sobre um amor que chegou tarde, a essa hora da vida e que veio embaralhar os seus dias, amor por uma mulher mais nova que nem sabe o que é um baião e que usa expressões “tipo assim”. Mas ela “tipo assim” quer se jogar de cabeça para a vida inteira e ele “tipo assim” está com medo. Ele sente que por essa pequena que tem tempo de sobra ele vai penar muito ainda. E, na próxima música, “Se eu soubesse” é uma mulher que cai na “conversa mole” do amor por um homem, pois não é capaz de gostar de outro, só desse, que tem a conversa mole do amor.

E assim todas as músicas mostram um Chico apaixonadíssimo, falam de um amor a embaralhar horas, a viver com a cabeça na lua, a cantar “eu te amo demais”. Amor por uma mulher que “espalha seu fogo de palha”, no salão, que “arrasta a asa”, mas que é ele, o Chico-amante-compositor que apaga a brasa da amada e com a brasa bem acesa de frases tão lindas, proclama que é ele, que é em sua mão que sustêm o coração dela, que suspira. Essa música “Sou eu” é de um homem que se garante diante de uma mulher. Nem preciso dizer que é uma das que prefiro.

A única exceção do disco, em que o amor não é por uma mulher – mais ou menos – é Barafunda. Nessa música a declaração de amor é pelo futebol, pelo Rio, por Garrincha, Pelé.

Um arco-íris

Depois de três dias sem dar trégua, a chuva parou - parece-me, pelo menos por agora - e abro a janela do quarto e deparo-me com um imenso arco-íris que começa no meio da Lagoa do Itatiaia - estou brincando, de um arco-íris nunca sabemos o começo e o fim. Mas estou com a impressão que ele começa logo aí, na lagoa. E para cúmulo da contemplação, duas araras passaram voando e descansaram uns momentos no muro do condomínio, encostado da minha janela.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Stephen Hawking faz 70 anos

Stephen Hawking fez 70 anos. Diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica aos 21 anos, foi-lhe dado 24 meses de vida e está ai. Fez mestrado, doutorado, orientou os trabalhos dos maiores cientistas que vieram depois dele. Fez uma teoria sobre os buracos negros e depois se redimiu, disse que estava errada; refez; escreveu sobre a física de um jeito que os leigos entendessem (mais ou menos). E em entrevista diz, com bom humor e bastante verdade:


" Ao conceder entrevista à revista New Scientist, Hawking confessou que buracos negros e formulas matemáticas não são desafio nenhum, e que ele passa os seus dias pensando em um assunto bem diferente. "As mulheres. Passo o dia inteiro pensando nelas. Elas são um completo mistério", disse ele.

Viram qual é o grande mistério do mundo, para Freud, para ele, para os homens, para nós mesmas?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Amós Oz na Roda Viva

Ontem assisti a entrevista de Omós Oz e fiquei decepcionada com ele. Acompanho sua obra há tanto tempo, li todos seus livros publicados no Brasil, meu novo livro sobre Psicanálise e literatura - a ser lançado em alguns meses - começa seu  primeiro capitulo intitulado "Não diga amor" dialogando com a obra dele, então foi uma decepção grande. Enorme.
Muito inteligente nas respostas, porém mostrou-se um homem tão duro. Seus personagens masculinos - sobretudo Michel, Fima - são homens tão doces, então não esperava isso. Para começar: diz que só fala o inglês e o hebraico, sua lingua, que seus pais não quiseram que ele aprendesse nenhuma das linguas européias. Como pode? Ele diz que seus mestres são os escritores russos, sobretudo Tchekhov, porém não os lê no original? Ele é filho de eslavos, seus pais eram lituanos e o russo era a lingua deles e ele não lê seus mestres no original? Gostaria que acompanhassem em meu raciocínio: não é apenas uma questão de tradução, um escritor deve ser alguém que se coloque no lugar do outro - ele diz isso literalmente nessa entrevista - não pode ser alguém fechado em um lugar, em um deserto, em seu próprio quintal, fechado em sua lingua e carregando um ressentimento de uma Europa - como se fosse uma entidade personificada em uma pessoa - que os expulsou, exterminou, não os quis.
E não gostei também de sua resposta de que a Europa se destruiu por mil anos e eles e o árabes vão levar menos tempo. São contextos diferentes. Acaso eles estão no tempo das Cruzadas, do feudalismo, da Idade Média? Não se compara o tempo assim. Mas ele tem razão, ainda não apareceram os líderes, com coragem suficiente - nem de um lado nem de outro - para parar essa guerra.
Eu o idealizava, talvez mais depois de sua autobiografia "De amor e de trevas", imaginava-o mais deslocado, mais imigrante, mais estrangeiro e o vi tão sionista, tão seguro de si, tão político, tão duro.
Quando lhe perguntaram o que é ser um árabe e o que é ser um judeu ele foi duro demais na resposta. Disse que não falaria o que é ser um árabe, isso ele não sabe, falaria o que é ser um judeu, deixaria aos árabes dizer o que eles são. Que diabo de resposta é essa? Ele não começou dizendo que um escritor é aquele que pode se colocar no lugar do outro? Por que ele não pode dizer algo do que é ser um árabe? Eu não sou árabe nem judia e me meto a dizer o que penso sobre eles. Acaso só falamos do que somos? Os árabes são os vizinhos e ele não tem uma história para contar? Algo para dizer? Tem sim, é só vocês lerem a autobiografia e vão ver muitas histórias lá. Eu não vou contá-las, está lá. E além disso falamos dos vizinhos, brigamos, gostamos. Sempre temos algo a dizer dos vizinhos. Eu, por exemplo, mudei há alguns meses e tenho um vizinho maravilhoso. Pode ser que ele não tenha a sorte de ter vizinhos maravilhosos, mas não tem nada a dizer?
Mas para finalizar, vou continuar a ler seus livros, gosto dos personagens que ele cria, das pessoas doces, ternas, amorosas. Eu acho que não gosto de homens duros. Nunca mais assisto uma entrevista dele. Nunca mais.

Melancolia, de Trier

Melancholia, de Lars Von Trier é um filme sobre o fim do mundo. Essa metáfora começa representada por três cenas que são cópias de três quadros. O primeiro, creio que de Magritte, com pássaros mortos caindo do céu. Que essa seja uma mensagem do fim do mundo já é batida, foi usada em muitos filmes e não está no Apocalipse também? O segundo é um quadro - tenho uma dúvida - de Brueghel ou Avercamp e o terceiro, Justine morta, no rio, com as flores sobre o colo, é A morte de Ofélia, de J. E. Millais. Só ai já podemos saber qual é o fim do mundo para Justine: o fim do amor. É uma visão do filme: para uma mulher, a morte do amor, a perda do amado é a explosão de um planeta.


Há mais uma coisa que, parece-me, é para assegurar que o fim do mundo é o fim do amor: a música de abertura é Tristão e Isolda de Wagner. Com Tristão e Isolda e Ofélia, Justine é a própria encarnação do amor impossível, da mulher abandonada, atormentada. Vejam só que é Wagner, o compositor preferido de Hitler que abre o filme de Lars Von Trier. Nisso ele também pode entender Hitler? No gosto por Wagner? Wagner virou um compositor proscrito depois que Hitler gostou dele, de sua obra. Tem inúmeras orquestras e países em que ele não pode nem ser tocado, mencionado. Dizer, em Cannes, que poderia entender Hitler também foi uma metáfora de Lars von Trier? Como eu não tenho nada contra Wagner, aliás acho um grande compositor, estou escutando agora, enquanto escrevo para vocês, Abertura e Morte do amor de Tristão e Isolda, de Wagner. Música soberba.

Os personagens masculinos são absolutamente patéticos no filme. Começando pelo pai de Justine e Claire. Um homem para quem todas as mulheres são qualquer uma, para não cometer enganos já chama todas de Beth. A filha Justine passa o filme todo apelando para ele escutá-la e ele não está nem aí. No último apelo, quando pede para ele dormir lá, ele deixa a carta sobre a cama, dizendo que não pode e escrito assim “para minha filha Beth”. Até a filha é qualquer uma, que ele não tem de dar atenção. O chefe de Justine é um pulha capitalista que só pensa em money; o marido de Justine, a quem ela pede que espere por ela, a deixa e o que parecia mais confiável, o rico marido de Claire, é o primeiro a sucumbir ao medo quando o fim se aproxima. Suicida-se, deixando as mulheres e o próprio filho sozinhos. Os homens são todos uns covardes nesse filme de Lars.

O filme é também sobre como as crianças devem ser protegidas do horror. Claire e Justine não o foram. Nunca. Nem no dia do casamento de Justine, seus pais têm o cuidado de não colocar seu ódio e pessimismo em jogo. Pelo contrário, expôem suas mazelas sobre as filhas. O marido de Claire, que a protegia das verdades, não fazia isso com o filho. Pelo contrário, não dava nenhuma esperança a ele: tudo caminha para o fim e pronto.

É a personagem Justine quem o faz: a colisão do planeta, morte do amor e fim da vida, sempre chega, mas agora podemos nos proteger nessa caverna mágica.

Estou aqui relendo a entrevista que Lars von Trier deu para a Veja em 7 de setembro de 2011. Ele diz que a depressão é o fim do mundo. E conta de sua mãe cruel. Mãe cruel é a de Lars von Trier. O resto é fichinha perto dela. E nessa entrevista ele nos dá a chave para entender seu Melancholia: ele diz que 'as personagens femininas sou eu". E continua: "bolei um truque muito esperto ...O que faço é escrever um filme sobre mim, dividindo-me em dois personagens masculinos. Dai escrevo vários papéis femininos - todos de mulheres que são idiotas, idealistas ou covardes. Clichês, enfim. Mas, na hora de começar a roda, inverto os papéis: os masculinos se tornam femininos, e vice-versa". Vejam então que ele é Justine e Claire, ao mesmo tempo. Dois personagens que primeiro ele pensou masculinos e depois viraram mulheres.

Mas o porque a mãe dele é um horror: antes de morrer, toda entubada, no hospital, conta-lhe que o homem que ele pensou a vida toda que fosse seu pai, não o é. Seu pai é um amante que ela teve por longo tempo. E se vai, sem explicar mais nada, sem ele poder brigar, peguntar, descobrir a verdade. Assim, desolado, tendo perdido o pai e a mãe ao mesmo tempo – o que sobra de um amor maternal depois disso? – lhe sobrevêm a depressão, e esse “fim do mundo” tem lhe acompanhado há muito. Pelo que ele conta nessa entrevista, dessa tragédia humana, ele fez uma metáfora, uma bela metáfora sobre o amor, a verdade e a vida. E também sobre as covardias. Sejam de homens ou de mulheres, não importa.

Depois desse filme e dessa entrevista, minha admiração por Lars von Trier só fez crescer.