quinta-feira, 24 de maio de 2012

Prata da Casa trinta anos depois

Velhos amigos cantam antigas canções

Velhos amigos que se encontram trinta anos depois, e que cantam não as novas canções, mas as velhas, as mesmas que cantaram outrora, à época de gravação do LP Prata da Casa. Isso foi o show de ontem, 22 de maio de 2012, no Glauce Rocha. Esse LP foi o mais falado e homenageado da noite. Ao meu lado alguém dizia “eu tive um” ou “eu estive no outro show quando foi gravado o LP e tinha 10 anos”. Quando velhos amigos se encontram “relembram loucuras de outros verões e fazem de conta que o tempo não ronda os seus corações”. Com essa música, de Almir Sater e Paulo Simões, eles, os autores, e todos os outros amigos, encerraram o show. Começo pelo fim, porque creio que o fim das coisas diz seu começo: foi isso o show, resgate da memória, através de um projeto da UFMS, que permitiu a todos nós reencontrar esses artistas, todos juntos, e creio que tambem nós, os espectadores, éramos velhos amigos. A observar que o tempo passou bem para os músicos sul-mato-grossenses, para os poetas-músicos de nossa região, esses artistas da “fronteira em que o Brasil foi Paraguai”.

Um show para gravação de CD e DVD é um pouco desestimulante: muita parafernália, assistentes de palco trabalhando, cada músico só cantou uma música, entra e sai de artistas, atrasos, câmeras, luzes, apresentador que falava demais de si mesmo. Enfim, mesmo com tudo isso, compartilhamos com os velhos amigos o percurso de 30 anos que cada um fez.

Quase no início estava lá o grupo ACABA, quarenta anos dos canta-dores do Pantanal, com a música Pássaro branco: “ainda criança aprendi o caminho dos pântanos, aprendi a voar. Sua asa desenhou meu retrato para ficar nessa terra.” Quando o ACABA acabou de cantar, vieram outros e sempre a referência era essa terra, a paixão pelo Pantanal, pelos sonhos guaranis, por esse planalto central de cerrados e pantanais, pelos Kadiwéus, remanescentes da grande nação guaicuru. Geraldo Espíndola cantou Kikiô, esse índio que nasceu no centro, entre montanhas e mar.

E falando dos Espíndolas, eles comparecem em peso ao show: Celito, Geraldo, Alzira, Tetê e Jerry. O que dizer mais? Eles já sofreram o tombamento, transformados em patrimônio da humanidade do Mar de Xaraés do cerrado central.

Temos o nosso mar, o Mar de Xaraés, longínquo. Deve ser por isso que quando um sul-mato-grossense vê o mar, tem uma nostalgia milenar. A paixão pela terra, pelas origens, que domina os homens, dominou todas as vozes, todas as letras. O homenageado foi José Boaventura, que esteve no Prata da Casa anterior e agora já se foi. Os Hermanos irmãos o homenagearam. Ele foi a presença-ausência da noite, que o tempo levou, mas a obra e a saudade deixou.

Quando Geraldo Roca cantou sua Mochileira, com a mesma voz linda e possante de sempre, pudemos constatar que ele continua com a mesma presença de palco de outrora. A conversa das velhas amigas – eu e minhas três amigas – no jantar pós show foi norteado pela pergunta: quem foi essa mochileira a quem um homem assim fica pedindo “fica comigo essa noite, me fala de outros lugares, etc”?

Como escrevi acima, assisti o show com três amigas e fomos conversando durante o show (baixinho) sobre o passado. Uma delas assistiu o show anterior. Não tinha a idade que disse que tinha, mas não entramos em celeuma de idade de mulher; a outra sabe de histórias de bastidores e teve um rápido affair com um dos pratas – engoli em seco com uma rápida e “pequena” inveja. Não conto mais nada sobre isso – e a outra, uma corumbaense, amante da música, que tem um trabalho no qual coloca as mãos na lama e na fauna pantaneira, ficou um pouco dispicionada com a organização do show. Dispicionada é um neologismo de uma velha corumbaense que ela lembrou para falar de sua decepção. A dispicionada foi eu: não estive a trinta anos atrás, não tive o LP-bolacha Prata da Casa, não tive affair com prata nenhum e não trabalho no Pantanal. A mais dispicionada e desprivilegiada das quatro e tenho a responsabilidade de escrever esse singelo texto como uma forma de agradecimento a Marta Ferreira e Angela Kempfer, do Campograndenews, que arranjaram uma maneira que eu fosse ao show mesmo com o teatro lotado. Meu obrigada para elas. Aliás, também não tinha ingresso.

Para encerrar, não quero resvalar na visão que havia mais entusiasmo e alegria no show original. Isso seria a saudade nostálgica ao estilo “em busca do tempo perdido”. Vi o show como uma festa, um brinde alegre a memória, a alegria do tempo vivido, a comemoração de obras construídas no percurso de trinta anos. E isso tanto do lado de cá quanto de lá do palco. Tim Tim.



sábado, 12 de maio de 2012

Te vi


Acordada desde as cinco da manhã porque o mundo estava explodindo em raios, trovões que iluminavam meu quarto e ensurdeciam meus ouvidos. O mundo eu não sei se explodia todo, ele é muito grande, mas quase todos os raios sob os céus de Campo Grande parece que vieram estalar sobre a Lagoa do Itatiaia. Fazendo nada em uma manhã sem luz do sol, e com uma eletricidade que não comparecia - faz só uma hora que voltou - mesmo assim, cantava mentalmente a mesma música com a qual fui dormir: Un vestido y un amor. Essa história de um homem que a viu esperando o tempo passar em Madri, e que para ajudar a viver, ela fumava e escrevia. E enquanto para ela não tinha graça esse país - só tinha um vestido e um amor - ele a viu. Ele não esperava ninguém e nada e sem expectativa, desavisado e surpreso, a viu.