domingo, 29 de maio de 2011

Variações Freudianas I, o sintoma

Domingo assisti a peça de Antonio Quinet, Variações Freudianas. Nela, um homem e uma mulher expõem seus dramas. O dela, uma cena dos quinze anos, que repete outra, infantil, fundamental, em que a palavra "sai” é marcada. E presa a essa palavra, a mulher está sempre deslocada, de fora, sem consistência. Ele, o homem, dividido entre seu desejo e o vaticínio paterno: pague o que eu não paguei. Pagar ou não pagar, eis a questão é a duvida que diz seu sintoma, mas também define seu ser. Buscando uma resposta para a dúvida e para sua obsessão com ratos, chega a Viena e procura Freud.


Para os dois, o homem e a mulher, os sintomas fazem sofrer, mas também revelam um gozo, e com ele, no inconsciente, são felizes. Essa "felicidade" aponta para outra cena, a do inconsciente. Outra cena é, em alemão, Schauplatz, a praça do olhar, nos lembra o autor.

Ela, encenando nessa praça, fantasia com Marcelo Mastroianni - e em êxtase repete Marcelo, Marcelo, Marcelo - e aparece outra cena, na tela atrás do palco: Mastroianni, lindo como nunca, contemplando aquele exagero de mulher que é Anita Ekberg, em La Dolce Vitta. É a histérica, de fora, que olha Marcelo, que olha Anita, que está em êxtase por estar na Itália. Aliás, como Stendhal, também referido na peça. E, podemos dizer, também como Freud ficou quando lá estava.

E eis que em determinado momento, Antonio Quinet chega perto do palco, se aproxima mais e entra na cena. Por que vocês minhas colegas psicanalistas cariocas não me preveniram que isso aconteceria? Tomei um susto. E Quinet, diretor-autor-ator, intepreta Dr Quinet, o psicanalista. E além de tudo, é uma voz, que nos vem de algum lugar, recitando Freud e Lacan.

E temos de dividir a atenção com o homem, a mulher e essa outra cena, pois ele anda pelo palco, dá um seminário, escreve os matemas lacanianos no quadro, atende o homem e a mulher e corta a sessão: ficamos por aqui.

Mas queria expressar minha preferência: dentre todos os atores que aparecem para deleite de nosso olhar, o melhor é Ilya São Paulo. De longe melhor que Mastroianni, que também está lá, em outra cena. Mas mesmo com Mastroianni presente, ele consegue fazer-nos desviar o olhar de Marcelo (coisa dificil, bem difícil), pois é um ator tão espetacular interpretando o Homem dos Ratos, que só temos olhar para ele. Ele dá seu corpo e seu ser para ser, por uma hora o homem obsedado pelos ratos. E pelo pai.

Seus olhos e seu rosto mostram a agonia de um sujeito perseguido por uma dúvida atroz.

A peça, mais do que ser uma peça da política da psicanálise, é uma apologia do olhar, em que alguém sempre olha para alguém que olha para mais além. Outro, outra, outra cena, outro lugar, outra fantasia, que desvela e vela um outro tempo. É isso a peça, mas não só isso, pois também é Outra coisa.

Rio de Janeiro, 23 de maio de 2011

domingo, 15 de maio de 2011

Uma Polônia surpreendente

Cheguei a Varsóvia ao meio-dia de uma terça-feira de sol. E então, pela primeira vez, a vi tal uma Fênix, renascida das cinzas, com sol, calor e sob o signo de uma cordialidade impressionante de seu povo. Como já disse anteriormente, as pessoas fazem uma cidade - creio que o contrário não acontece - e os poloneses é que fazem de Varsóvia o que ela é hoje.
Andei com minhas amigas pelas ruas novas, reconstruídas, e fomos ao principal a ser visto: o gueto. No lugar onde foi o gueto há um memorial e está sendo construído um museu para contar a história do holocausto. Passamos um dia e meio e partimos.
 A língua é dificílima - embora depois de uma semana eu já estivesse falando algumas frases. Só algumas, poucas, minguadas - mas tem uma sonoridade bonita, musical.
Mas foi em Cracóvia que o amor pela Polônia, sua gente, se intensificou. A piada que Freud nos conta pode ser entendida perfeitamente após se conhecer a cidade: um sujeito que diz que vai a determinado lugar e diz o nome, mas o outro pensa que ele vai a Cracóvia, mas está escondendo isso. Cracóvia é uma cidade para se ir. Muitas vezes, de novo, sempre. E não estou fazendo como o sujeito da piada que recalca a cidade para manter esse prazer só para ele. Eu digo abertamente: vão, vão, vão.
Pequena, antiguíssima, intocada pelos bombardeios, com construções lindas, muralhas medievais e um povo cordial, simpático, gentil. E muito bonito, também. Quando eu cometia meus sacrilégios de tentar falar polonês, riam, riam, riam, achavam graça e ficavam muito contentes da tentativa que eu fazia de falar o idioma. E me ajudavam. Sempre.
Todos são um pouco como João Paulo II, diz minha amiga Alba Abreu. Aliás, assistimos missa no sábado de aleluia na igreja central da praça, onde Carol Voitjla, o antigo papa, rezava suas missas. Ele é a imagem onipresente pela cidade toda.
O polonês é fervoroso, filas e filas para se confessarem, igrejas lotadas. Nem na Itália existe isso. Acho que em nenhum lugar...
Voltando para casa, estou relendo o livro Dos Ciudades, de Adam Zagajewski, autor ucraniano, imigrante que desde criança, viveu na Polônia, mais precisamente, na Cracóvia. Entre ´Liev, sua cidade natal, e Gliwice, primeira cidade polonesa em que viveu e entre a Cracóvia, em que passou anos, e a Paris na qual se exilou, fugindo do regime comunista, escreveu este livro. E depois de anos, retorna a Cracóvia e escreve sobre ela. Cidade explendorosa, mas provinciana, pequena e grande, ao mesmo tempo. Coloco abaixo apenas um trecho para encerrar essa minha declaração de amor pela Polônia, seu povo, sua lingua. Queria tanto ter determinação para aprender essa lingua.....

Castelo de Wawel, Cracóvia - Foto de Alba Abreu Lima


"Sí, en Cracovia, más de una cosa me pareció pequeña y provinciana, pobre y dejada de la mano de Dios. La sala del teatro Stary, donde había experimentado las vivencias teatrales más intensas, de pronto se volvió pequeña. En mis recuerdos era enorme, mientras que en realidad es diminuta.

Me paseé por Cracovia, comprobando lo mucho que había menguado. Pero, andando el tiempo, en el momento menos esperado, redescubrí mi antigua admiracíon por aquella ciudad regia. Y deambulaba por Cracovia, acusando a un tiempo su pequeñez y su grandeza, su provincianismo y su esplendor, sus miserias y sus tesoros, su vulgaridad y su excepcionalidad. Sólo de una cosa no había duda: los árboles de Planty habían crecido. Mi admiracíon estaba impregnada de escepticismo, pero los árboles se habían vuelto todavía más majestuosos, más reales." Dos Ciudades, Adam Zagajewski