domingo, 8 de agosto de 2010

A pobreza do amor em tempos de capitalismo

Na música Chão de estrelas, o compositor Sílvio Caldas conta-nos de um amor que floresce na pobreza, no morro do Salgueiro, no barraco, em que as roupas são trapos dependurados na cadeira, em que a porta do barraco era sem trinco e o teto era furado, e a lua, furando o zinco, salpicava de estrelas o chão. Assim, sua amada pisava sobre os astros distraída. Eis uma riqueza poética para falar das condições em que floresce o amor. O amor nasce na pobreza. É essa a teoria dos artistas- Sílvio Caldas é um exemplo, eu poderia usar outras dezenas de exemplos – dos filósofos e dos psicanalistas.

Platão, em sua obra “O banquete” constrói um mito para falar do amor: ele é filho de Poros e Pênia, o recurso e a pobreza. Mas é a pobreza, Pênia, que com seus subterfúgios, se deita com Poros e concebe o amor. O banquete é composto de vários discursos sobre o amor, é nele que um dos participantes apresenta a idéia moderna do encontro amoroso como um reencontro de duas metades, de um ser humano inteiro e pleno que foi cortado ao meio e jogado pelo mundo, a correr desesperadamente à procura da parte faltante, sua outra metade, seu complemento. Hoje em dia, “modernizamos” o discurso e fala-se em duas metades da laranja, a tampa da panela, mas enfim, a idéia de que quem ama está à procura, algo lhe falta, é o chão, nem sempre de estrelas, de todas as histórias amorosas.

Espero ter deixado claro, então, que o amor não tem relação com situação econômica, mas com uma economia do desejo, da busca, desse desespero que empurrra o ser humano para tantas encruzilhadas. É por isso que o psicanalista Jacques Lacan afirmou que “toda ordem, todo discurso aparentado ao capitalismo deixa de lado o que chamaremos, simplesmente, as coisas do amor, meus bons amigos”. Dizendo de outra forma, no lugar onde se crê que há um objeto que esconde, suplanta, tampa essa “pobreza” própria do humano, o amor não acontece. Se você crê que os objetos que vai adquirindo pela vida, não apenas de consumo, mas de identificação também – “eu sou fulano de tal”, “eu conquistei tal coisa” – servem para dizer seu ser, lhe bastam, o amor não acontece.

Mudando agora de compositor, Chico Buarque de Holanda, em sua música “Suburbano coração” se pergunta se o amor vai entrar na casa, se ele vai pôr os pés no conjugado coração, se ele vai sentar no chão. Novamente um chão e uma pobreza do amor.

O amor, assim como a literatura, parodiando um poeta, é feito para os homens insatisfeitos com a vida que têm, os que querem algo diferente, àqueles a quem a falta incomoda, só a estes o amor pode chegar de surpresa – o amor sempre chega de surpresa – e o chão ser um tapete de estrelas.

“Hoje em dia ninguém ama ninguem, as pessoas só pensam em materialismos”. Uma frase como essa é muito escutada, em suas várias versões, na clínica psicanalítica e em outros discursos também. Quanto mais o capitalismo triunfa, com seus gadgets e sua oferta infinda de objetos, mais o ser humano comparece com sua pobreza. Então, a verdade da queixa supracitada é relativa.

Sobre o amor, suas faltas, sua pobreza e suas fronteiras, falaremos em Joinville no dia 12 de junho, data mais-que-perfeita para falar do amor.

Andréa Brunetto

Artigo publicado no jornal de Joinville em 12 de julho de 2010

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