terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os dramas das prostitutas: um olhar masculino sobre o desejo

                                                                           

Em dois dias carnavalescos, na semana passada, li o romance “A las que amamos”, do escritor sérvio Aleksandar Tisͮma. Escrita densa sobre o desespero humano, retratado na vida das prostitutas de uma pequena cidade Sérvia. O pós-guerra dos Balcãs, com suas misérias, de pobreza material, de desesperança e segregações, só é mostrado por alusões. É o pano de fundo dessa cidade com muitas prostitutas que precisam ganhar a vida.
É um olhar masculino sobre a mulher não apenas porque o autor é homem, o narrador da história é um homem. E desfilam por suas páginas muitas prostitutas, novas e velhas, brancas, morenas e negras, magras e regordetas – li o romance em espanhol, a tradução da palavra em português é pior: gorducha, melhor deixar em espanhol.
Eis algumas: Katarina, não mais jovem, casada com um homem velho, do qual espera a morte, e sai com outros homens para complementar o orçamento. Com sua habilidade para ver o mal, percebe a falsidade de todos e a fraqueza dos homens pela beleza. Mas em alguns, reconhece, o desejo não está nas mulheres belas, e sim na fealdade. Emina, a jovem forasteira que começa sua vida como prostituta se apaixonando pelo primeiro homem com o qual se deita. E que, depois, manda a ele um recado que o ama e que ele não precisa pagar. Berta, que na sua primeira noite com um cliente, não consegue usar as técnicas da profissão, se envergonha e não tira toda a roupa, com pudor, e é ele a cair de amores por ela, querê-la só para ele, exigindo penosas demonstrações do amor. Vera, que esteve ausente da cidade por dez anos e volta à vida “fácil” na cidade. Não mais tão jovem, tinha um corpo firme e bonito, era linda, mas com olhos distantes e indiferentes. Os homens viam nela a frieza e por vezes a trocavam por outra, que não chegava nem aos pés de sua beleza, mas era mais doce.
São abundantes os comentários sobre os corpos das mulheres. São os corpos que alimentam o desejo deles? Em um primeiro momento parece que sim, pois o narrador nos conta de quantas prostitutas vão perdendo cliente conforme vão ficando regordetas. Porém outras também vão caindo do lugar de objeto de desejo porque ficam magras demais. Eu fiquei pensando sobre o desejo desses  personagens masculinos e percebi que dá para fazer uma síntese do que eles querem: não importa se as mulheres são regordetas ou magras, têm de ter a pele firme, tem de ter viço. E um olhar cheio de entusiasmo, como Emina, a jovem apaixonada, pois a prostituta dos olhos tristes é menos interessante. E além de entusiasmo, ser doce, pois a linda e fria Vera os intimida.
Enfim, carnes firmes e com viço, olhar entusiasmado, alegre, apaixonada, doce e terna, assim é a prostituta perfeita na visão do narrador. Qualidades difíceis de serem encontradas todas, assim, juntas, em uma mulher, prostituta ou não.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Slawomir Mrozek

Eu ando desbravando a literatura dos países mais ao leste, autores ainda não conhecidos no Brasil. Escrevi um comentário abaixo:
Sᴌawomir Mrozek é um escritor polonês que descobri recentemente, graças a editora Acantilados, de Barcelona. Tem um estilo satírico, um humor negro, e ao mesmo tempo dramático. Um tanto descrente na humanidade, ele faz das fraquezas humanas, um deboche; um escritor sobre o absurdo da vida, como Eugène Ionesco.
Li na semana passada o livro de contos La vida para principiantes. No índice, ele nomeia o conto e à esquerda do número, já avisa a temática dele. Vou resumir dois contos para vocês. O primeiro, que se chama “Chá ou café?”, tem como temática a anarquia. Um homem está na casa de alguém e a anfitriã está se aproximando dele, oferecendo café ou chá aos convidados. Já sabe que chegará sua hora de escolher. Se revolta: por que tenho que escolher um ou outro? Quer ganhar tempo, ter o direito natural de ficar com os dois, pois se pede um, perde o outro. Indignado, levanta-se antes que a anfitriã chegue a seu lugar. Sai da sala, a vida de todos continua e quando ele retorna, percebe que todos se esqueceram dele. Aquilo o tocou de uma forma muito viva. Vai até a cozinha, exigir seus direitos, isso é melhor do que ter de eleger as coisas. Pede uma xícara com metade de café e metade de chá. E também uma cerveja. E assim resolve a escolha.
O segundo conto que mais gostei chama-se “Na torre” e tem como temática o medo. É sobre um senhor que se fez forte em seu castelo, para se proteger dos ataques inimigos. No castelo, todas as proteções são possíveis. Se os inimigos conseguirem chegar até o castelo, tem um fosso; se passarem do fosso, uma porta muito firme; se passarem a porta chegam a uma sala fortificada. Da sala fortificada seus homens estarão á espera para protegê-lo. Na sala fortificada, se conseguirem passar por seus homens, tem uma escada íngreme, e se assim, em uma suposição “insensata e impossível”, alguém chegar até sua torre, estará usando uma armadura bem especial, forte. Com isso tudo, não precisa ter medo. Mas acontece que sente um pulsar forte, algo o golpeia, não através dos bosques, dos muros do castelo, mas dentro da armadura. Tira-a rapidamente, e grita “traição”, enfiando a adaga no lado esquerdo de seu peito, onde estava o agressor desconhecido. E morreu.

Mal-estar e segregação religiosa

O artigo abaixo escrevi em 2006, à época das charges de Maomé, feitas na Dinamarca, foi apresentado em um congresso sobre as religiosidades, em Dourados\MS




MAL-ESTAR E SEGREGAÇÃO RELIGIOSA

Andréa Brunetto


Yo soy um moro judio/ que vive con los cristianos
No sé que Dios es el mio/ ni cuales son mis hermanos
Y a nadie le di permiso/ para matar en mi nombre
Un hombre no es más que un hombre
Y si hay Dios, asi lo quiso.
El mismo suelo que piso/ seguirá, yo me habré ido;
Rumbo también del olvido/ no hay doctrina que no vaya/
E no hay pueblo que no se haya/ creido el pueblo elegido.
Jorge Drexler y Chicho Sánchez Ferlosio


As energias que empregamos em sermos todos irmãos
Provam bem evidentemente que não o somos.
Jacques Lacan



Este trabalho pretende explicitar as visões de Freud e Lacan sobre a religião, para em seguida discutir a segregação religiosa e os movimentos fundamentalistas que tem proliferado na atualidade. A psicanálise se interessa em estudar a segregação na medida em que investiga os laços sociais. Em entrevista a revista Cult de setembro de 2005, Baudrillard faz uma análise da contemporaneidade com sua queda dos ideais: “os racismos, fundamentalismos e grupos étnicos se apresentam como um sintoma desesperado de pessoas que procuram uma regra do jogo, porque não há mais”.

1.   Com Freud e Lacan

A vida é muito difícil de suportar, afirma Freud. Ela é muito árdua porque proporciona sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A tarefa impossível de que Freud está falando é a busca incansável que o homem empreende para alcançar a felicidade, busca solitária que cada um deve empreender porque sua solução não vale para os demais.
E, citando Frederico II, o imperador da Prússia – “em meu Estado, cada homem pode salvar-se a sua própria maneira” – marca sua posição: cada um procura ser feliz a seu modo. Nesse texto que estou citando, Mal-estar na civilização, diz que isso é contra os valores religiosos, pois a religião restringe essa escolha, impondo a todos o mesmo caminho.
Para Freud, a busca da felicidade é a busca do prazer, propósito do aparelho psíquico desde o início. Mas este projeto de ser feliz está em desacordo com o mundo. A civilização impõe limites à satisfação pulsional e o sujeito tem hostilidade para com “a civilização pela pressão que ela exerce, pela renúncia da pulsão” (p. 26, O futuro de uma ilusão).
Os homens não são seres gentis que desejam amar e ser amados, e que, no máximo, usam a agressão quando atacados, “são criaturas entre cujos dotes pulsionais deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade”. É Freud citando Plauto: o homem é o lobo do homem.
Os ideais culturais visam unir os membros da comunidade, vincula-los por meio de uma meta comum, evitando que eles se destruam ou destruam os seus semelhantes. E, claro, nesses ideais também encontrarão satisfação narcísica. Estas três formas de unir os homens são a religião, a arte e a ciência.
A religião faz parte destes apoios para tornar tolerável o desamparo humano. Mas Freud a coloca como uma ilusão, um véu que barra a castração, na medida que faz existir um ser onipotente, o pai primevo, que Freud teoriza em Totem e Tabu. A existência desse Um pai, Deus, que tudo pode, permite aos seres humanos dar um sentido a morte, ao sexo, a vida. Enfim, diante das erupções do real, há alguém que sabe, que traça o destino dos homens.
Porém, Freud apostava queda do poder da religião, afinal “os seres humanos não podem permanecer crianças para sempre. Têm de, por fim, sair para a vida hostil” (p. 64).
O trabalho de Eros é unir os homens em famílias, raças, povos, nações e numa única unidade, a humanidade. E Eros se digladiaria com a pulsão de destruição. “Nesta luta consiste essencialmente toda a vida e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida. É essa batalha de gigantes que nossas babás tentam apaziguar com sua cantiga de ninar sobre o Céu” (p. 145).
A idéia de Freud é que uma educação para a realidade teria como meta fundamentar preparar os jovens para ligar com sua agressividade, a qual todo homem se acha destinado. Assim, combateria as ilusões. Entre elas, é claro, a religião.
Freud apostava que o avanço da ciência colocaria o homem em uma relação com a verdade e contra as ilusões. Apostava, conseqüentemente, em uma queda de poder da religião.
No Seminário 11, Lacan sustenta que para o homem das luzes, do século XVIII, a religião era uma fundamental impostura, mas que para o homem do século XX é difícil entender esta descrença, pois “a religião, em nossos dias, goza de um respeito universal”. Fala mesmo, em uma entrevista de 1974 em triunfo da religião. A religião consegue dar um sentido às coisas que outrora eram coisas naturais. A psicanálise propõe uma verdade sobre o vazio que é diferente do que imediatamente dar um sentido a tudo que vem do real[1].
Lacan afirma que se a religião triunfar, a verdadeira, o que é mais provável, isso será sinal que a psicanálise fracassou. Mas não quer dizer que a psicanálise desaparecerá, é até normal que ela fracasse, pois lida com algo que é muito difícil. E relembra Freud, colocando a psicanálise entre as profissões impossíveis.
Porém, Lacan acredita que Freud foi muito incisivo ao afirmar que tudo que é da ordem da religião não significava, ou mesmo acreditando que um dia o homem iria acordar.  Afinal, a função do pai está no âmago da experiência religiosa. E é pelo assassinato do Um pai que se erige um totem, se funda o simbólico e, conseqüentemente, a civilização. Aliás, isso me leva a questionar tantas teorizações sobre a carência da função paterna na contemporaneidade. Será que realmente, com o triunfo da religião, acreditando em Lacan, podemos falar em declínio da função paterna? Não é um paradoxo?

2.   A segregação

Freud já nos mostrou a dificuldade de cumprir o mandamento de amar o próximo como a si mesmo. Tomarei esta dificuldade por um viés: amar o próximo inclui a segregação. O laço social inclui a segregação.  Até aí estamos sendo absolutamente freudiano. Segundo Palácios, o passo a mais, dado por Lacan, decorre de sua teorização sobre o gozo. O sujeito se ressente de sua falta de gozo e onde há falta de gozo supõe um responsável. É para este responsável que a segregação e o ódio se dirige.
Assim, não existe nenhum ato humano que não esteja enfronhado no racismo. É essa a afirmação de Lacan em Televisão: somos muito precários em nosso mais-de-gozar e mais ainda, vestimos com um “humanitarismo sentimentalóide nossas atrocidades. Assim, faria uma operação: quanto mais segregação, mais discurso de igualdade e direito humanos.
Para Lacan, as atrocidades são humanas, demasiadamente humanas, porém previa uma escalada do racismo e da segregação. Na proposição de 9 de outubro de 1967, Lacan  sustenta que a exclusão tem uma coordenada real que foram os campos de concentração. O nazismo foi um precursor da exclusão, que a universalização do sujeito que procede da ciência também faz.
Soler afirma que a segregação é diferente da discriminação. O Antigo Regime, com uma sociedade escravagista, era discriminatório, mas não segregativo. Cada um tinha seu lugar, pois o significante mestre era potente, o que permite tratar as diferenças de gozo.
Amós Oz conta que a Jerusalém de sua infância era um conglomerado de bairros com gente de diferentes culturas: armênios, árabes, judeus. E, mesmo entre os judeus, que vinham de diferentes países, se falavam várias línguas. Em Meu Michel chega a dizer que Jerusalém não existe, que ainda que viva cem anos, nela não se sentirá em casa, pois ela é plena de fortalezas ameaçadoras, de muros sombrios e altas muralhas. “Cidade que arde. Quarteirões inteiros pendurados no nada”. O que todos os bairros tinham em comum era o fervor messiânico, cada um se acreditando o portador da herança verdadeira. Havia tensões, cada um em seu bairro, mas não violência. É um exemplo de uma cidade discriminativa e sem segregação, como Soler afirma. Pelo menos naquele momento. Todos sabemos como está hoje.


3.   O humor contra o fanatismo religioso

No mês de fevereiro passado, foram feitas charges do profeta Maomé por um jornal dinamarquês, que enfureceram muito os muçulmanos e detonaram, revoltas populares nos países árabes e ataques terroristas em embaixadas dinamarquesas pelo mundo. Em resposta, os europeus debocharam mais ainda dos islâmicos. Um ministro italiano deu entrevista na televisão com uma das charges desenhada na camisa. A pergunta que resultou foi: deveriam ou não ser publicadas as charges? Muitos jornalistas, filósofos, historiadores escreveram, falaram. Então, creio que posso também dar minha opinião. Aliás, todos podem. 
Salman Rushdie, escritor indiano que já foi jurado de morte por ter escrito Os versos satânicos afirma que na Universidade de Cambridge aprendeu uma coisa bem interessante em um país que, como a Inglaterra, já foi palco de tanta violência ligada a religião: você pode duvidar de tudo, criticar qualquer sistema de idéias, sem ser grosseiro com seus autores. Nenhuma teoria é sagrada. E isso, que ele chama o sagrado direito de ser ofendido é um avanço nas relações culturais.
Ele está debatendo uma lei proposta por Tony Blair que pretende introduzir uma proibição a toda forma de incitamento ao ódio religioso. “Nietzche considerava o cristianismo a maior desgraça da humanidade. Ele deveria ser perseguido?” Uma lei assim, que censura e tolhe as opiniões, segundo ele, reforça o racismo.
Ele fala que foi dar uma palestra em Washington, em março de 2003 e um senador republicano lhe perguntou porque Osama Bin Laden disse que eles são um país descrente, “não há nada que nós respeitamos mais do que Deus”. Ao que ele, Rushdie, respondeu ‘eu suponho que ele não pense assim’. Tomando a sua cultura como o modelo, o senador republicano se mostrou tão intolerante com a religião do outro quanto Osama Bin Laden. E isso surpreendeu Rushdie, a indignação sincera do homem.
O filósofo esloveno Slavoj Zizek afirma que a medida do verdadeiro amor é poder insultar o outro. Se há amor, se pode dizer coisas horríveis ao outro e nem por isso se faz uma guerra. E que isso de respeito pela cultura do outro, do politicamente correto parece a ele racismo. E ele mesmo se pergunta: como posso estar tão seguro de que não sou um racista? “Só há uma maneira: quando se pode trocar insultos, deboches, chistes sujos com um membro de uma raça diferente, e ambos sabemos que por trás não tem uma intenção racista. Se, ao contrário, jogamos o jogo politicamente correto ‘oh, como te respeito, que interessantes são teus costumes’, é um racismo invertido”.
Tanto Rushdie quanto Zizek apontam a tolerância, aprender a conviver com o diferente, inclusive criticando e aceitando a crítica, como a saída para o fundamentalismo religioso. Sustento que a segregação em nosso mundo atual tem envolvido muito mais os credos religiosos que as raças.
Se já sabemos com Freud que o ódio está no âmago dos laços sociais, como conseguir tal tolerância? O que poderia nos proteger da violência religiosa, como temos visto dia a dia nos noticiários? E não apenas entre religiões opostas. Semana passada, no Iraque, xiitas e sunitas, ambos islâmicos, começaram uma onda de violência declarada – digo declarada, pois a hostilidade já vem de séculos[2]. É o narcisismo das pequenas diferenças. Freud já nos disse que onde as pessoas têm mais coisas em comum é onde se tecem as maiores batalhas. 
Em quatro cartas trocadas entre o escritor japonês Kenzaburo Oe, Nobel de 1994, e o israelense Amós Oz, a segregação e a tolerância são discutidas. Hiroshima é para Kenzaburo um trauma assim como Auschwitz para Oz.  Kenzaburo acredita que a tolerância será a questão do século XXI – as cartas foram trocadas em 1998 – mas previu uma corrente forte em sentido contrário. Segundo ele, a esperança é o poder da imaginação, cada pessoa tentando de imaginar no lugar da outra.
Amós Oz responde que descobriu a cura do fanatismo: o bom humor. “Nunca vi um fanático bem-humorado e nem um bem-humorado se tornar fanático[3].
Zizek e Oz apostam no humor. Esta é a aposta freudiana também. O humor é um triunfo do eu e do princípio do prazer. Uma forma de lutar contra a “crueldade” do real. Freud diz que o humor é uma rebeldia, é como dizer: “Aqui está o mundo, que parece tão perigoso! Não passa de um jogo de crianças, digno apenas de que sobre ele se faça uma pilhéria”.
Infelizmente, o humor é um dom raro, precioso, que poucos tem. Oz o sabe, já que alega que vai concentrar o bom humor em pílulas e distribui-lo. Assim, mesmo o humor é uma saída precária, pois ele não é contagioso. Não é um dom distributivo.
Voltando agora às charges do Profeta Maomé, farei uma analogia. Quando convidamos alguém para freqüentar nossa casa, não é educado dizer ao convidado que ele está mal-vestido ou que não usa os talheres direito. Ser tolerante é saber o que se pode dizer a alguém. É levar em conta o que o outro pode saber.
Discordo de Salman Rushdie que se possa questionar tudo, e mesmo de Zizek que se pode suportar tudo porque se ama. Afinal, é na cama onde o amor se deita que acontecem as piores tragédias. A verdade tem limites, não a dizemos toda. Ainda que pese as afirmativas de que os muçulmanos sejam fundamentalistas – mais uma universalização.
E além do mais, achincalhar a religião do outro é como – com as devidas proporções - dizer ao nosso convidado: coma direito, você está segurando o garfo de forma horrível. Tenho certeza que qualquer pessoa bem educada acharia isso um horror. E além do mais, Freud já nos mostrou que o humor envolve quem o faz e quem o assiste. E com essas charges só houve graça para um lado.
É por isso que a epígrafe desse trabalho é um trecho da música milonga do mouro judeu. Seus autores dizem que mesmo pela Jerusalém dourada, de mil vidas mal gastadas em cada mandamento, a guerra é muito má escola, não importa o disfarce que ela use.Um homem não é mais que um homem. E se há Deus assim ele o quis”.


Bibliografia

1. FREUD, S. O futuro de  uma ilusão.  Obras Completas. Vol. 21. Rio  de Janeiro: Editora Imago, 1976.
2.______ S. Mal-estar na civilização. Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.
3. _____ O humor. Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976.
4. KENZABURO & OZ. A dor compartilhada. Caderno Mais. Folha de São Paulo, 10 de janeiro de 1999.
5. LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1991.
6. ______ O seminário, livro 11: os conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1993.
7. _______ Televisão. RJ: JZEditor, 1993.
8. _______  O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: JZEditor, 1992.

9. _______ Entrevista a imprensa do Dr. Lacan. 29 de outubro de 1974 no Centre Culturel Français-Rome. Tradução: Association Freudienne Internacional.
10. OZ. A. Contra o fanatismo. RJ: Ediouro, 2004.
11. ____ Meu Michel. SP: Cia das Letras, 2002.
12. RUSHDIE, S. O sagrado direito de ser ofendido. Revista Bravo, encarte Livros. SP: Editora Abril, abril 2005.
13. SOLER, C. Sobre a segregação. In: O brilho da inFelicidade. RJ: Contracapa, 1998.
14. ZIZEK, S. La medida del verdadero amor es: Puedes insultar al outro. Entrevista dada a Sabine Reul e Thomas Deichmann. Instituto de Essen, Alemanha. 2002.







[1] Cito o exemplo de Zizek: Jerry Falwell,  figura conhecida americana, diante do ataque ao World Trade Center afirma que isto era um sinal de que Deus não mais protegia os EEUU, porque eles haviam tomado um caminho de maldade, homossexualidade e promiscuidade.

[2] O que nos parece hilário é que os xiitas, que são maioria e que foram espezinhados no governo de Sadam Russein,  descobriram que a intrusão do governo americano com suas eleições arranjadas lhes favoreceriam, já que são em maior número. Vejam que até um dispositivo democrático como a eleição pode ser usada  para acirrar guerras.
[3] Continuando o texto de Oz: “Em outras palavras, meu tipo de messias chegará rindo e contando piadas. (...) O fanatismo é muito contagioso. Pode-se pega-lo no próprio ato de tentar cura-lo. Conheço o perigo de se tornar um fanático antifanatismo. Assim como a violência, o fanatismo pode se disfraçar de várias outras coisas”.