quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um homem certo


Um homem se lembra de quando era pequeno e sua mãe praticava abortos, lembra das jovens que vinham até sua casa para fazê-los com sua mãe. Imagina pedaços de corpos, o sangue. Nem vou continuar a dizer mais o que li na matéria do Terra.  Essa história ele vai contar em um de seus sermões. A mãe, que não faz mais isso há muito tempo, que agora também é evangélica, vai se retratar e dizer que o filho era muito pequeno quando isso aconteceu, que ele não viu nada. Ele mentiu? Muito provavelmente não. Era criança – não sei exatamente quantos anos tinha,  mas uma criança imagina muito, sonha, tem muitas fantasias, um mundo de terrores e fobias pululam suas noites. Sei de adultos que não conseguem olhar embaixo da cama à noite até hoje, acalentando os mesmos medos infantis. Então o garoto deve ter imaginado realmente o que conta agora como verdade.

Aborto é crime no Brasil. Eu não vou entrar em consideração quanto a isso. Crime é crime. Seja eu contra ou a favor, a mãe do garoto estava fora da lei. Mas isso aconteceu há mais de duas ou três décadas. A questão que me ficou foi uma: ele poderia ter colocado essa história da mãe assim, em público, em um de seus sermões, para pregar o certo e o errado? Foi ético? Ele deve ter se colocado do lado certo, e a mãe do lado errado.

Quando disse que John Lennon merecia ter sido assassinado, também se colocou do lado certo. Lennon, do errado. E o mesmo para o conjunto Mamonas Assassinas. Só que dessa vez quem executou a vingança foi Deus  - que jeito esse de ver Deus! - que colocou a mão e disse que se vingava dos que cantavam músicas torpes às crianças. Mamonas errados. Lennon errado. E Caetano Veloso também. Sinceramente agora esqueci o porquê Caetano Veloso está errado. Mas Caetano que se cuide, pois os outros artistas errados já se foram. Deus está de olho em Caetano Veloso. Veloso, Mamonas, Lennon, todos errados. Ele certo.

Ah, os africanos também errados, estão sendo punidos por Deus. Os africanos vivem muitas dificuldades realmente, mas são um povo tão rico, de cultura, de riquezas minerais, de fauna, de flora, estão sendo punidos por Deus. Os africanos “estão como estão” porque todo mundo vai lá roubá-los. Sobretudo os europeus, que dilapidaram suas riquezas. Como aliás, as nossas também. Os africanos errados, ele certo.

Eu não gosto de gente que se acha tão certa, tão correta, tão moralmente viável, e que aponta as faltas do outro. Até da mãe publicamente. Acho gente com tanta certeza assim perigosa. E insolente, e audaciosa. É de se arrogar que sabe o que é o melhor para os outros. É gente com empáfia. Crê que o ser humano é grande coisa, que ele é grande coisa, os outros é que são os errados. Mas o ser humano é como Thomás de Aquino disse: sicut palea. Estrume, dejeto, nada. É isso, no fundo, o ser humano: do pó vem e para ele vai. Por que não se lembra dessa parte na hora de apontar o dedo para os outros? O engraçado é que quando um sujeito não quer enxergar isso, mais vira isso.

Estou escrevendo isso indignada com um amigo meu que colocou um post defendendo esse homem certo. Uma defesa e com um argumento mais ou menos assim: só críticas para ele e os outros políticos ficam numa boa. E os corruptos, e os mensaleiros, e os outros? Isso é mais ou menos assim: é como se alguém pudesse se defender do erro dizendo que os outros erram também. Eu roubei, mas o outro também roubou.

È claro que os políticos depois se entendem, fazem reuniões. Aliás, já fizeram, já cortaram as devidas fatias do bolo e deram essa para ele, o homem certo, para ficar com as maiores para si. Na verdade, esse argumento é débil demais. Se eu continuar pensando nisso, os errados somos nós. E nesse caso, creio realmente. Errados somos nós se temos os políticos que temos. Será que é castigo de Deus?

domingo, 7 de abril de 2013

Lendo Rainer Maria Rilke em um domingo de chuva

Acordei seis da manhã nesse domingo de céu fechado. Fui caminhar com minha amiga Fabiana e voltamos correndo para meu apartamento, completamente ensopadas. Em 10 minutos o tempo fechou mais ainda, de cinza transformou-se em quase negro. As sete da manhã virou noite e a chuva, em vez de começar devagar, dando aviso, caiu de uma vez, inesperadamente. Sem uma árvore para nos proteger, tomamos chuva igual quando crianças. Engraçado é que me senti quando menina: tomava banho de chuva como quem transgride, comete uma infração. Pequena, mas infração.
Para quem acordou depois das oito da manhã - o que é mais normal em um dia de domingo - perdeu essa mudança, essa imprevisibilidade da metereologia, que nesse aspecto repete a vida.
Em um domingo de chuva como esse o que fazer, além de comer e assistir televisão? Escrevi. Escrevi muito, pois faz uns dias que uma escrita me assombra. Para um livro que quero escrever faz dois anos. Já tinha escrito páginas e páginas. E depois enviado para a lixeira, pois não era aquilo. Nessa semana as frases gestadas intimamente vieram fortes. E estou com mais de vinte páginas escritas, sabendo que estas são as que eu queria escrever.
É uma alegria tão grande de algo que só é mensurável para mim. Só para mim não. Todo mundo que já quis escrever um artigo, um livro, uma tese e as palavras não vinham sabe como é. O particular dessa alegria, o que ela significa especialmente para mim é que é o singular.
E depois desse esvaziamento das laudas e laudas escritas, fui ler Rainer Maria Rilke.

"O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós, o mais superior testemunho de nós próprios, a obra absoluta em face da qual todas as outras são apenas ensaios. É por isso que os seres bastante novos, novos em tudo, não sabem amar.E precisam aprender. Com todas as energias de seu ser, reunidas no coração que bate inquieto e solitário, aprendem a amar. Toda aprendizagem é uma época de clausura. Assim, para o que ama, durante muito tempo e até durante a vida, o amor é apenas solidão."