domingo, 20 de novembro de 2016

São Paulo, a acelerada cidade de tantos gostos e desgostos





Fui a São Paulo na terça-feira passada. Como era feriado aqui em nosso Estado, era uma manhã mais calma do que as outras, trânsito calmo, aeroporto tranquilo, e cheguei a São Paulo em uma terça-feira de dia útil – e os feriados seriam inúteis? – numa cidade gigantesca, acelerada e fervilhante. Fui com Fabiana e encontramos Márcia já no aeroporto, vinda de Aracaju, para assistirmos ao show de Andrea Bocelli. Não estávamos no ritmo acelerado, pois eram dois dias “inúteis”, para aproveitarmos as coisas “inúteis” da vida: o show de Andréa Bocelli, três museus e alguns restaurantes para mangiare bene. Escrevo assim, em italiano, para já entrar no clima do show. Fazer tudo isso em dois dias, só sendo paulistano: acelerando.
Eu e minhas amigas passamos dois dias andando de Uber em São Paulo. Fizemos muitas perguntas sobre o aplicativo. Vários dos motoristas começaram a trabalhar com o Uber depois de perderam seus empregos em fábricas, grandes magazines, shoppings, e estavam contentes de estar ganhando dinheiro com o novo trabalho. E, disseram, também os passageiros estavam contentes, pois as tarifas do Uber são bem mais acessíveis que o do taxi comum. Realmente, se nesses dois dias tivéssemos tomado taxis normais, simplesmente teríamos gasto uma fortuna. Disse-nos um deles que um dos candidatos não chegou ao segundo turno, que em determinado momento da eleição teve chances, porque sustentou que iria acabar com o Uber. Nem os motoristas, nem os passageiros queriam isso. E o outro candidato – isso foi conclusão minha e de minhas amigas – não permaneceu porque tentou desacelerar São Paulo. Todos os motoristas reclamaram de multas tomadas nas marginais por excesso de velocidade. Eu argumentei: mas não diminuíram os acidentes, sobretudo os com mortes? Nenhum dos motoristas com os quais conversamos aceitaram que a velocidade na Marginal precisava ser cinquenta quilômetros por hora, por exemplo. Eu repetia a pergunta: e as mortes? Não é bem assim, era sempre a resposta. Enfim, cada um conclua essa história que conto como achar melhor. Eu só posso entender uma coisa: São Paulo não aceita ser desacelerada.
Quanto aos motoristas de taxi e Uber que tomávamos, era entrar no carro e Márcia perguntava: você é de Recife, você é do Ceará? Você é de Alagoas? Márcia é nordestina – de nascimento é carioca – e sabe reconhecer todos os sotaques. Se um sujeito era do interior do Ceará e não de Fortaleza, por exemplo. Mas conto tudo isso só para mostrar que o Nordeste está em São Paulo. Então por que aquilo que se passou na última eleição, de os paulistanos acusarem os nordestinos de terem elegido uma presidente de esquerda? Nem sentido tem isso. A não ser o do preconceito. E para encerrar essa história de Uber e nordestinos, um último fato. Na quinta-feira, dia de ir embora, Carolina, uma jovem motorista do Uber, que estava em seu segundo dia de trabalho no aplicativo, veio nos buscar no hotel. Antes trabalhava como gerente de uma loja de eletrodomésticos, marca bem conhecida, e foi demitida depois de quase uma década. Perguntei se era paulistana. Sim, mas filha de nordestinos. Enfim, a impressão que tive é que a São Paulo que trabalha, que produz, que faz a cidade acontecer, é nordestina.
Fomos ao MASP, na Avenida Paulista. A coleção permanente do museu é um espetáculo: quadros importantíssimos. E muitos deles doados para o acervo do museu há décadas. Anotei algumas doações: Ovídio de Abreu doou um Van Dyck, pintor flamengo importantíssimo. Os quadros de Van Dyck valem milhões. Henryk Spitzman doou quadros de Cézanne e Gauguin para o museu. E também a Família Sotto Mayor doou vários quadros. E a Companhia Antártica. Todas essas doações são de pelo menos quarenta anos atrás. E doações recentes? Nenhuma. Os ricos de agora não doam para os museus? Parece que não. Nisso, talvez nossos milionários não querem parecer com os europeus e também, em menor grau, com os americanos. Na Avenida Paulista, onde os empresários de agora constroem patos gigantes, aliás plagiados de um artista norueguês, os do passado faziam doações para as artes.
Fiquei pensando isso depois do show de Andrea Bocelli e da posição dele, dos dividendos de sua riqueza. Antes dele entrar no palco, passou um filme no telão: mostrava o trabalho de um instituição que leva o seu nome, no Haiti. Uma instituição que ampara as crianças em suas necessidades de saúde, educação, moradia. Ficamos sabendo que ele faria um show em Aparecida, para todos, à frente da catedral. E alguns dias depois um show que ele estaria doando para a instituição Santa Marcelina. E ainda mais, ontem vi que ele foi escutar um coral em um presídio. Um homem engajado que paga bem o preço de sua fama e riqueza. Pessoal, inclusive. Com tudo isso, até o perdoei que ele tenha começado e terminado o show, diante de um estádio lotado, e não tenha dito nem Boa noite Brasil, Boa Noite São Paulo. Já o perdoei.
O que é imperdoável, no Brasil do momento, é que os milionários não paguem dividendos de suas grandes fortunas, como em quase todos os países da Europa se faz – e Bocelli deve pagar, e ainda investe um tanto dela no Haiti - que os políticos se aposentem com oito anos, que estes não diminuam suas regalias parlamentares, que os altos cargos da justiça ganhem tanto em proporção ao que ganha o povo, que os rentistas ganhem tanto com os juros altos. E, para terminar, diante da necessidade – que ninguém duvida – de que é preciso conter gastos, seja a saúde, a educação e a segurança pública que vão pagar o pato. Estamos caminhando para onde?
São Paulo, a capital da solidão, como Roberto Pompeu de Toledo a adjetiva em seu livro sobre essa cidade gigantesca, caminha aceleradamente para onde? Ela está uns passos mais acelerada que Campo Grande, mas diante do que o Brasil vive, estamos todos indo para o mesmo lugar. É uma pena, pois somos um país de tantas riquezas.
Andrea Bocelli já é um artista consagrado no mundo inteiro, com uma voz espetacular, um tenor com grande presença de palco. Isso tudo já era esperado. A surpresa: a jovem cantora Anitta, cantora de funk, entrou no palco e cantou Somewhere Over the rainbow. Lindamente vestida (vestido sóbrio e bonito) e maquiada, com uma voz linda cantou essa música ímpar. E sozinha. Recebeu um começo de vaias, mas o público foi escutando sua voz e abdicou de seu preconceito e a apladiu muito. Na segunda música, já cantou com o tenor, em português. E depois cantou Vivo per Lei, e sua voz acompanhou a do tenor. Uma diva.
Dois dias em São Paulo foi uma grande viagem, de grande aprendizado, de muitas artes. Por isso, a foto que mais gostei de todas que tirei foi esta à frente de um quadro de Portinari, com esse homem trabalhador, sabedor de sua força e de seu poder. Um homem altivo, que não abaixa a cabeça e segue adiante. Portinari tão bem retratou os trabalhadores da colheita do café, do milho, os retirantes. Esse povo explorado, o trabalhador. Eu, você, a maior parte desse país.





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