domingo, 20 de novembro de 2016

Conhecer o norte da França é uma aula de história e um exagero de beleza




François-René de Chateaubriand nasceu em Saint-Malo, na Bretanha. Hoje, norte da França. É um escritor que descobri meio por acaso – como, aliás, muitos deles – pois é atualmente pouco lido, um escritor que só os mais “velhos” conhecem. É do século XVIII e da virada do XIX; foi diplomata francês à época de Napoleão, foi embaixador em Londres, viajou até os EUA em uma época dos desbravadores. Foi ao Oriente, à África. Escreveu sobre suas viagens nesse mundo tão inóspito. Era um viajante, um homem visionário que relatou as aventuras de sua vida – políticas, amorosas e, também, como viandante – em um diário intitulado Memórias do Além-Túmulo.   
Depois que comecei a ler sua obra, quis conhecer sua cidade Saint Malo e sua região amada, a Bretanha. Suas descrições sobre a Bretanha e sobre sua cidade eram deslumbrantes. Descreveu Saint-Malo como a cidade onde a lua encontrava a terra se deitando no mar. Saint-Malo, na costa norte da França, é uma dentre várias cidades do que é denominado A Costa Esmeralda, balneário de luxo dos franceses. Como tornar essa viagem viável?
E eu tinha outro desejo que era conhecer o Monte Saint-Michel, na Normandia, vizinho à Bretanha. Quanto ao Monte Saint-Michel, também tinha uma ideia que era ir a Avranches, de onde se pode ver o monte. No Jardim das plantas, na praça da pequena cidade de nove mil habitantes, se tem uma excelente vista do monte. Assim o escritor Maupassant relata em um de seus contos: o personagem fica sentado confortavelmente nesse parque e vendo o pôr-do-sol cair sobre o Monte Saint-Michel. De Avranches dá para ir a pé até o monte.
Eu fiquei meses com esses dois lugares na mente, tentando encontrar um jeito de ir de trem, a partir de Paris – de onde deveria sair, pois estava em um congresso – e nada dava certo, pois para Avranches as linhas de trens eram complicadas e não havia trens rápidos.
Abandonei a ideia de ir a Avranches e fomos para Rennes, a capital da Bretanha. Eu, Priscila, Duda, Fernanda, Alba e Heloisa, pegamos um TGV, o trem francês de alta velocidade, até Rennes. Ficamos hospedadas lá, nessa cidade linda e antiga e perto de Saint-Malo e também do monte. Em um dia fomos de ônibus ao monte e, no outro, de trem passar o dia em Saint-Malo. E em outros tantos dias andamos por Rennes.

O Monte Saint-Michel é um dos lugares mais turísticos do mundo, uma ilhota rochosa na foz do Rio Couesnon. Conta a história que no século VIII, após três aparições do Anjo São Miguel, o bispo de Avranches quis construir uma abadia no alto da rocha, nessa ilha minúscula tomada pela maré. De manhã, com maré baixa, pode-se ir a pé, de tarde, o rio começa a subir e só se volta de embarcação. O cenário é um espetáculo, muitos e muitos degraus para subir nessa rocha\ilha até chegar à abadia e sempre acompanhando, até aonde a vista alcança, o rio subindo às voltas do monte. Todas minhas revistas de viagem diziam que os restaurantes no monte tinham preços exorbitantes, e ainda mais, comprei um jornal da cidade, em Rennes e havia uma matéria em que os bretões reclamavam dos preços exorbitantes de tudo no Monte Saint-Michel. Eu e minha amigas, depois de concluir que os preços, mesmo em euros, eram exorbitantes, resolvemos fazer um almoço-piquenique no monte. E assim fomos, pegamos um ônibus bem cedo, andamos cerca de cento e cinquenta quilômetros, chegamos ao monte com nossa sacola de comida – antes que vocês pensem que estávamos umas “farofeiras” é preciso que diga que quase todo mundo teve a mesma ideia que a gente – e passamos o dia tirando fotos e olhando tudo com grande emoção. Eu ficava dizendo “nem acredito que estou aqui” e Duda, filha da Priscila, com nove anos, respondia “e eu nem acredito que estou na França”. Fernanda, praticamente uma fotógrafa profissional, embora seja psicanalista, levou seus equipamentos profissionais, junto com um tripé o qual era demorado montar. Era preciso ser paciente, todas éramos. Valeu a pena, temos as mais belas fotos do monte.

Em Saint-Malo contratamos um passeio de barco e passamos horas nesse mar verde de ondas fortes, em que, do mar, avistamos cidadezinhas cada uma mais linda que a outra, nessa Costa que é Esmeralda. Quando voltamos do passeio, andamos pela cidade, compramos souvenirs e o horário do trem se aproximava. Saint-Malo, em séculos passados, foi uma cidade esconderijo dos corsários, os piratas dos mares, toda muralhada, medieval e com muitos mirantes e faróis a perscrutar o mar. E não tive tempo para ir ao túmulo de Chateaubriand. Assim como, já em Paris, depois de ter deixado a Bretanha, sonhei que estava sentada em um banco de praça e, à distância, via o Monte Saint-Michel e muitas ovelhas pastando no campo antes de chegar ao rio. É uma paisagem que vi em muitas fotos. Fiz uma viagem, vi o monte, estive lá, mas persegue-me o que me falta: a vista a partir do Jardin des Plantes, de Avranches.

Começo minhas viagens com os livros, depois as coloco em prática e saio delas e elas não saem de mim. Dias atrás, lendo um trecho dos diários de Chateaubriand – são vários volumes, ainda estou lendo aos poucos, ano após ano – deparei-me com essa frase: “As ciências explicam tudo para a inteligência e nada para o coração”. Linda, não? Escrita pelo maior escritor francês do romantismo, em 1811, ano em que entrou para a Academia Francesa de Letras. A ciência, de lá para cá, evoluiu muitíssimo, mas o amor continua sendo o amor. E o ser humano continua sendo o ser humano. Com seus enigmas, seus segredos, seu insondável coração. 

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