terça-feira, 30 de agosto de 2016

Monschau, a cidade de contos de fadas que aspira a ser de outra época


Era uma vez um sábado ensolarado de um mês de maio de uma primavera na Bélgica. Começo assim, como se começam os contos de fadas, pois Monschau é uma cidadezinha alemã de contos de fadas, congelada em um tempo medieval, com suas casas de madeirame, dividida por um riacho e com calçamento de séculos passados. Tudo nela aspira a ser de outra época, tudo nela parece ter saído de um livro de estórias infantis.
Monschau fica na Alemanha, do outro lado da fronteira com a Bélgica, na província da Renânia do Norte-Vestfália. Está localizada na Serra Eifel, uma cadeia de morros que aspira a ser montanha, mas não chega nem a setecentos metros de altura.  Deixando a cidade de Eupen, na Bélgica, passa-se pelo Parque Natural Hautes Fagnes, deixamos para trás as Ardenas Flamengas e chegamos ao Eifel. É uma região de florestas e colinas, e casas no campo à beira da estrada regional, e muitas flores. Dizia a quem guiava o carro: pare aqui, por favor, vou tirar uma foto. Não só uma, mas várias vezes pedi o mesmo. Mais alguns quilômetros nessa estrada reta e quase plana, repleta de árvores tão floradas que se intrometiam nos dois lados da pista, e de flores silvestres que adocicavam o ar, e cruzamos a fronteira: uns vinte quilômetros de minutos depois, chegamos a Monschau.
Quando se está em Gent, na Bélgica, não é longe. Duas ou três horas de viagem e chegamos. Um bom motorista e que conheça o caminho também se faz necessário. Senão se vai pela rodovia federal e perdem-se as estradas estaduais e vicinais e perde-se, também, a beleza do caminho. Saímos de Gent e paramos para tomar café perto de Bruxelas. Em Gent se falava flamengo, nessa parada, perto de Bruxelas, francês. Seguimos pela estrada que vai a Liège. Depois seguimos por uma estrada regional, a E 61, e chegamos a Eupen. É a última cidade na Bélgica antes de entrar no parque natural e cruzar a fronteira com a Alemanha. Nessa cidade, ainda na Bélgica, não se falava nem flamengo nem francês e sim alemão. Gent, Bruxelas e Eupen, três cidades de um país e se falam três idiomas diferentes. Como eles se entendem? Não se entendem. Eupen é uma cidade pequena, menos de vinte mil habitantes, muito antiga e sem cor. As casas foram feitas de blocos de cimento marrom e cinza e assim ficaram com a passagem dos séculos. Sem graça. Pode-se perfeitamente, depois de estar com os olhos cheios da beleza do caminho, passar por ela sem parar. Continuamos.
Depois de Eupen, segue-se pela N 67 e atravessa a fronteira e, em seguida, está Monschau. É organizada para receber os turistas: na entrada da cidade está o estacionamento para os ônibus e carros. Tudo lotado. Não fomos os únicos a desejar passar um sábado de primavera no Século XVIII. O riacho que atravessa a cidade é, na verdade, o rio Ruhr. Quando cruza Monschau, ele é estreito e pequeno, um pouco mais que um filete de água, porém em alguns lugares mais adiante, é bem caudaloso, expande-se e alarga e vai morrer no Reno. A cidade vive da manufatura de objetos de vidros e da fabricação de mostarda. A fábrica de mostarda tem mais de cem anos, mas não senti nenhuma vontade de visitar. Mas pode-se experimentar a mostarda pelas lojas da cidade. E também vive do turismo.
Andamos pelas ruas de calçamento do Século XVIII, tiramos fotos da Casa Vermelha, construída em 1752 por Johann H. Scheibler. No centro da cidade, uma praça, o riozinho, uma colina acima, com as ruínas de um castelo, muitos cafés, o cheiro de chocolate quente se esparramando por toda a praça. E muitas lojas de artesanatos, muitas roupas de cama, mesa e banho bordadas de rendas. Muito lindas, mas não comprei nenhuma, pois se trouxesse para meus amigos, iriam achar que eu comprei no Ceará, pois eram muito parecidas: a mesma delicadeza e até mesmo os pontos parecidos.
Uma coisa engraçada aconteceu, e lembro como se fosse uma piada que fiz, mas não sei por que assim o quis. Eu e Theo tínhamos uma língua em comum, o francês, que não era nem a sua língua materna, nem a minha. Quando chegamos a Monschau, comecei a falar com ele em alemão – mesmo com as limitações que tenho no idioma - e simplesmente mudamos de língua. Ele respondeu nessa língua, a qual também falava bem em função de seu trabalho, e quando cruzamos a fronteira, voltando, retornamos ao francês. Hoje não temos mais nenhuma língua em comum, nem a do amor. Sobretudo essa.

Theo perguntou se eu queria como presente uma toalha de renda, disse não; se eu queria levar alguns potes de mostarda, disse não. Estava em uma cidade de contos de fadas, perdida em séculos passados, com um homem a quem tanto quis, vivendo um dia de conto de fadas em um sábado de primavera. Depois o tempo avançaria, mas ali, naquele momento, eu não precisava de nada mais. E assim foi. Mesmo nessa cidade que aspira a ser de outro tempo, ao sopé de uma colina que aspira a ser montanha, o tempo não para. Ainda bem, é sua maior dádiva. Mas mesmo assim, não posso voltar a ela, com receio de não vê-la com os olhos de outrora. Eu e ela nos desencontramos e nos desentendemos, cada uma falando uma língua, cada uma em século diferente. Não posso mais ir lá, mas vocês podem. E precisam. Ela dá a dimensão de como é ser outra pessoa, viver em outro tempo, falar outra língua, ser estrangeiro de si mesmo, nem que seja por um dia. E ela continua lá, cheirosa, graciosa, eterna, esperando vocês. O tempo fez uma curva lá e parou e está esperando a todos que ainda não foram.  

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