terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Amós Oz na Roda Viva

Ontem assisti a entrevista de Omós Oz e fiquei decepcionada com ele. Acompanho sua obra há tanto tempo, li todos seus livros publicados no Brasil, meu novo livro sobre Psicanálise e literatura - a ser lançado em alguns meses - começa seu  primeiro capitulo intitulado "Não diga amor" dialogando com a obra dele, então foi uma decepção grande. Enorme.
Muito inteligente nas respostas, porém mostrou-se um homem tão duro. Seus personagens masculinos - sobretudo Michel, Fima - são homens tão doces, então não esperava isso. Para começar: diz que só fala o inglês e o hebraico, sua lingua, que seus pais não quiseram que ele aprendesse nenhuma das linguas européias. Como pode? Ele diz que seus mestres são os escritores russos, sobretudo Tchekhov, porém não os lê no original? Ele é filho de eslavos, seus pais eram lituanos e o russo era a lingua deles e ele não lê seus mestres no original? Gostaria que acompanhassem em meu raciocínio: não é apenas uma questão de tradução, um escritor deve ser alguém que se coloque no lugar do outro - ele diz isso literalmente nessa entrevista - não pode ser alguém fechado em um lugar, em um deserto, em seu próprio quintal, fechado em sua lingua e carregando um ressentimento de uma Europa - como se fosse uma entidade personificada em uma pessoa - que os expulsou, exterminou, não os quis.
E não gostei também de sua resposta de que a Europa se destruiu por mil anos e eles e o árabes vão levar menos tempo. São contextos diferentes. Acaso eles estão no tempo das Cruzadas, do feudalismo, da Idade Média? Não se compara o tempo assim. Mas ele tem razão, ainda não apareceram os líderes, com coragem suficiente - nem de um lado nem de outro - para parar essa guerra.
Eu o idealizava, talvez mais depois de sua autobiografia "De amor e de trevas", imaginava-o mais deslocado, mais imigrante, mais estrangeiro e o vi tão sionista, tão seguro de si, tão político, tão duro.
Quando lhe perguntaram o que é ser um árabe e o que é ser um judeu ele foi duro demais na resposta. Disse que não falaria o que é ser um árabe, isso ele não sabe, falaria o que é ser um judeu, deixaria aos árabes dizer o que eles são. Que diabo de resposta é essa? Ele não começou dizendo que um escritor é aquele que pode se colocar no lugar do outro? Por que ele não pode dizer algo do que é ser um árabe? Eu não sou árabe nem judia e me meto a dizer o que penso sobre eles. Acaso só falamos do que somos? Os árabes são os vizinhos e ele não tem uma história para contar? Algo para dizer? Tem sim, é só vocês lerem a autobiografia e vão ver muitas histórias lá. Eu não vou contá-las, está lá. E além disso falamos dos vizinhos, brigamos, gostamos. Sempre temos algo a dizer dos vizinhos. Eu, por exemplo, mudei há alguns meses e tenho um vizinho maravilhoso. Pode ser que ele não tenha a sorte de ter vizinhos maravilhosos, mas não tem nada a dizer?
Mas para finalizar, vou continuar a ler seus livros, gosto dos personagens que ele cria, das pessoas doces, ternas, amorosas. Eu acho que não gosto de homens duros. Nunca mais assisto uma entrevista dele. Nunca mais.

3 comentários:

  1. Andréa, cheguei no teu blog por acaso. Sou judia e um amigo meu, q/ não é, q/ está morrendo de uma doença incurável, q/ ama o Omóz Oz também, achou por bem me mandar um comentário muito elogioso sobre a mesma entrevista q/ te desagradou e, ao investigar sobre isso, o google me sugeriu teu texto em sua lista.

    És latina, Andrea, como eu e isso nos atrapalha ao tentar entender os israelis, mesmo a mim q/ sou uma judia vinda de uma família russa e q/ morei em Jerusalém e estudei na Universidade Hebraica, lá. Os judeus q/ nascem em Israel são chamados sabras, talvez já o saibas, porque este é o nome de um cactus q/ lá existe e cuja característica é ser espinhento por fora mas muito doce por dentro. A vida dura em Israel e, particularmente no kibutz, a ameaça constante do terrorismo islâmico 24 horas por dia, 7 dias por semana, TODOS os anos, + o serviço militar e depois o mês dedicado ao exército até a idade avançada, a morte aleatória de jovens e velhos conhecidos, o tempo todo, a presença dos abrigos anti-bombas em TODAS as quadras das cidades e das vilas, tudo isso cria um estilo duro e pragmático de enfrentar o mundo (caso contrário a pessoa enlouquece e se mata, como a frágil mãe dele o fez).

    Mas, apesar desta aparente dureza, desta maneira sem frescuras, direta e sem-desculpas com q/ ele enfrenta o mundo, basta ver q/, como sabra, ele é um indivíduo doce e sensível, a ponto de poder, com tanta empatia, criar o belo mundo literário q/ conheces.

    Somos latinos, emocionais, temperamentais e opiniáticos. Achamos natural olhar o vizinho c/ curiosidade infantil e descarada. Outras culturas não. E, p/ um israeli, cansado de enfrentar diariamente uma religião medieval preservada e cristalizada, como o islamismo, numa população de 400 milhões de pessoas q/ DIARIAMENTE PROCLAMAM )via seus líderes religiosos e políticos) q/ te querem ver morto (a ti e a tua família, pais, netos e conterrâneos) enqto. o mundo aplaude. E trazendo nas costas a experiência acumulada de 2 milênios de anti-semitismo q/ agora se transformou em anti-israelismo, contando apenas / os meros 8 milhões de israelenses q/ precisam conviver c/ tanto e tão numeroso e persistente ódio, com governos islâmicos ditatoriais e teocráticos q/ manipulam o ódio ao judeu como pão&circo p/ suas ignorantes e perigosas populaçõesm c/ uma mídia de esquerda q/ é cúmplice dos terroristas e escolhe vilanizar a única verdadeira e permanente democracia do Oriente Médio, q/ ocupa um trecho ínfimo de terra depois de 2 milênios de expulsão deste local amado, tem q/ ser cínico e desconfiado e duro, até q/ possa permitir q/ vislumbremos a doçura oculta, modesta e maravilhosa q/ esconde.

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  2. (comentário em duas partes porque muito longo para publicação – desculpe! rs)

    Olá, Andréa. Bom encontrar, por acaso, outra leitora do Oz. :)

    Gostei do modo como escreve e da sua sinceridade, digamos, em dizer o que pensa e como se sente. Por este ângulo, gostei muito da sua postagem. Mas, por outro, devo dizer que, amigavelmente, claro, discordo de tudo o que você apontou! :) Posso descrever o modo como eu interpretei os fatos, as falas que você menciona? Obrigada!

    A questão dos idiomas também me surpreendeu e meio que me decepcionou, sim. Mas entendi, sim, a explicação que ele deu. Não concordo, claro, amante do estudo das línguas que sou, mas consegui compreender e aceitar a posição dele. É uma posição bem particular, bem delicada, a de defender um idioma com tanto amor e tanto aferro. Não acho que possamos julgá-lo, pois não nos encontramos, com o português, na mesma situação - a de tocar em uma catedral vazia, sim (só quase! rs)... Achei bonito o amor dele pela sua própria língua - e, não, não o achei... linguisticamente "xenófobo" ou algo parecido. Foi apenas a escolha dele, enfim.

    Bom, não posso comentar muito a frase dele sobre os conflitos na Europa e os de sua terra, já que não tenho conhecimento o bastante para isto. Mas, mais uma vez, posso tentar defendê-lo dizendo que, como muitas das afirmações de um escritor (ou não!), ela deve ser ouvida, lida, recebida, enfim, de forma menos literal? Como ele mesmo disse, é difícil profetizar (principalmente na terra dos profetas, rs); podemos, então, deixar que faça sua tentativa? Tentativa, eu diria, político-poética - não sei ao certo o quanto ele mesmo leva essa frase sua a sério... Todos têm suas "frases de efeito", algo assim - eu o perdoo se essa for uma das dele... :)

    A resposta que ele deu à pergunta sobre o que é ser judeu e o que é ser árabe me pareceu, sem exagero, uma saída de mestre, rs - uma saída de uma possível situação de desconforto com a comunidade árabe ou parte dela. Para mim, foi uma baita demonstração de diplomacia, não de dureza, como soou para você. Concordo que todos temos o que dizer acerca daqueles que nos cercam, claro. Mas nem sempre é prudente dizê-lo. Não acredito que eu gostaria muito se um estrangeiro (um argentino? rs E, sim, eu adorei a Argentina!...) fosse à televisão e explicasse o que é ser um brasileiro... Não é "bairrismo" ou algo do gênero; é mais uma questão de identidade mesmo. É claro que se pode aprender muito sobre o(s) outro(s) por meio de convivência, observação, leitura, estudo... É até trabalho de alguns (cientistas sociais e etc.) nos ajudar nessa busca de definição, de compreensão do outro. Mas, na minha opinião, é sábio escutar este outro e deixar que ele defina a si mesmo, por mais tendenciosa que tal definição possa ser. Ao menos, fazer isto antes de que ofereçamos, nós mesmos, uma resposta a essa pergunta. Na verdade, se me perguntassem o que é ser um brasileiro, não sei se saberia o que exatamente responder... rs Enfim, achei a postura do senhor Oz educada, não o contrário - afinal, ele não foi grosseiro com quem lhe fez a pergunta, não usou um tom do tipo "E eu vou lá saber? Pergunta idiota! Vá perguntar a um árabe!"...

    (continua)

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  3. (continuando)

    Finalmente, a impressão que ele passou a quem viu a entrevista - esperando ter me deparado com mais uma fã extasiada, rs, confesso que fiquei surpresa ao ler seus comentários. :) Relembrando os momentos que você destacou e outros, consigo entender por que você terminou o programa se sentindo da forma que descreve no seu texto com relação ao homem, não ao escritor. Mas, mais uma vez, devo dizer que, em mim, o efeito foi o contrário! rs Se tinha alguma dúvida sobre o tamanho de Amós Oz na literatura e no mundo, já não tenho mais. A imagem que você leu dele durante a entrevista foi a de alguém muito inteligente, sim, mas também excessivamente duro, político e seguro de si. Pode parecer até engraçado, mas eu o vi como alguém inteligente, claro, seguro de si no melhor sentido do termo (ou seja, jamais atacando os outros, mesmo diante de possíveis ataques; pelo contrário, sereno na firmeza de suas convicções), político também no melhor sentido da palavra (ele deseja a paz, enfim!) e muitíssimo bem-humorado! :) Fiquei até com vontade de conhecê-lo pessoalmente – ou, pelo menos, de escrever uma carta (já que ele não usa a internet!) para ele, rs...

    Gostei da parte dele no programa (nem tanto do programa em si, já que, como era de se esperar, aliás, focaram mais em política do que em literatura - e, impressão minha, o Conti até tentou colocar o entrevistado em situações desagradáveis, forçando respostas que ele queria ouvir às suas próprias perguntas...) justamente pela tal segurança (afinal, são mais de sete décadas de uma vida e tanto, mais muitas outras décadas de escritura e de jornalistas lhe perguntando exatamente as mesmas coisas! rs) que você também notou, a qual, ao meu ver, em momento nenhum foi sinônimo de arrogância ou desrespeito, e pelo sopro de vida que ele conseguiu, em vários momentos (escrever por sorvete, escrever para impressionar as garotas! rs) trazer a uma entrevista que, em alguns momentos, beirou o inconveniente, a estreiteza ("Você considera a arte feita pelos judeus fora de Israel, como o Allen e etc., uma arte menor, sobretudo do ponto-de-vista moral?" - pergunta com resposta óbvia se se conhece a postura, em geral, do entrevistado!), o mau-gosto mesmo, na minha opinião. Você se lembra dos sorrisos dele, de como ele parecia genuinamente feliz quando lhe perguntavam sobre seu trabalho em si, quando diziam que admiravam um ou outra obra em particular, quando teciam comentários acerca de pontos da sua escrita? A felicidade dele, os sorrisos dele eram espelhados pelos meus - por mais que a questão política me interesse, não é por ela que me tornei sua leitora, não é por ela que leio literatura como um todo. Acredito que o maior respeito que se pode demonstrar a um escritor como ele é falando de seus livros. Chegou a me incomodar a insistência de alguns dos entrevistadores em interromper uma discussão mais, por assim dizer, artística para voltar a pontos que, no fim das contas, eram mais do mesmo...

    Ufa! Peço desculpas por ter me empolgado e me estendido desta maneira. Acho, porém, que você vai me entender - é o amor que sentimos por essas obras, por esses homens e essas mulheres que nos impele a também escrever. :) No site da Cultura, há a transcrição de uma entrevista anterior do Oz no Roda Viva, de 2007 – você a conhece? Se não e se achar que deve, que deseja (re)encontrar no autor que tanto admira um pouco do homem que gostaria de também admirar, por que não dá uma olhada? Li bem rapidinho, mas tive a impressão de que essa outra entrevista foi mais focada na literatura e, também, de um pouco mais de bom-gosto. O tom (não vi a gravação) me soou mais amigável. Por que você não dá uma segunda chance a ele, Andréa? Posso estar enganada, pois apenas li alguns dos seus livros, não conheço seus textos políticos ou outras de suas entrevistas, mas acho, sinceramente, que ele merece. Terminei de ver o programa com a forte sensação, uma espécie de grande emoção mesmo, rs, de que podia, caso me pedissem, dizer o nome de um grande escritor e grande homem vivo. :)

    Abraço.

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