sábado, 14 de janeiro de 2012

O último CD de Chico Buarque

O último CD de Chico Buarque de Holanda, que escuto agora pela primeira vez, é um espetáculo. Começa com "Querido Diário", em que ele, um homem que vive sozinho, encontra amigos que lhe dizem "fique com Deus". E a partir daí lhe falta uma religião ou amar uma mulher sem orifício. Essa parte é ótima e meus amigos psicanalistas entendem isso perfeitamente: ele quer amar uma mulher sem gozar dela, ou com ela. Mas já diz, na estrofe seguinte, que é impossível, pois se ama, o desejo por ela já inflama. Depois vem a declaração de amor por Aurora, para quem ele faz uma canção, que vai cantando sem pudor, mas só se for agora, Aurora, sem mais demora, fazendo tórridas confidências mundo afora. E de Aurora, a mulher amada, musa, vira Amora e depois Teodora. E assim entendemos que a musa é a palavra, com a qual vai brincando, rimando.


E depois duas músicas sobre um amor que chegou tarde, a essa hora da vida e que veio embaralhar os seus dias, amor por uma mulher mais nova que nem sabe o que é um baião e que usa expressões “tipo assim”. Mas ela “tipo assim” quer se jogar de cabeça para a vida inteira e ele “tipo assim” está com medo. Ele sente que por essa pequena que tem tempo de sobra ele vai penar muito ainda. E, na próxima música, “Se eu soubesse” é uma mulher que cai na “conversa mole” do amor por um homem, pois não é capaz de gostar de outro, só desse, que tem a conversa mole do amor.

E assim todas as músicas mostram um Chico apaixonadíssimo, falam de um amor a embaralhar horas, a viver com a cabeça na lua, a cantar “eu te amo demais”. Amor por uma mulher que “espalha seu fogo de palha”, no salão, que “arrasta a asa”, mas que é ele, o Chico-amante-compositor que apaga a brasa da amada e com a brasa bem acesa de frases tão lindas, proclama que é ele, que é em sua mão que sustêm o coração dela, que suspira. Essa música “Sou eu” é de um homem que se garante diante de uma mulher. Nem preciso dizer que é uma das que prefiro.

A única exceção do disco, em que o amor não é por uma mulher – mais ou menos – é Barafunda. Nessa música a declaração de amor é pelo futebol, pelo Rio, por Garrincha, Pelé.

Um comentário:

  1. Tambem amei esse cd andrea. Alias, os criticos meia-tigela não entenderam nada e criticaram a rima de sacrifício/sem orifício dizendo ser o pior verso da lingia portuguesa. Não entenderam nada claro, nem de mulher, nem de chico. Mas tb tem uma boa dose de despeito contra a posição politica do chico aue éexplicitamente contra a da revista.
    Agora voce esqueceu de comentar a minha preferida:Sinhá. A primeira vez que ouvi essa musica, estava subindo a serra de Guaramiranga e as lágrimas omediatamente me vieram aos olhos. Uma musica sobre a pulsao, o olhar, a vida, mas tabém sobre a morte, a crueldade e a dor. E no final ainda dá uma dica sobre os nossos antepassados, da mistura de sangue entre sinhas e escrevos, negras e senhores de engenho , da qual somos todos hedeiros.
    Obrigada pelo post. Me emocionei de novo.
    Bjs
    Lia

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