domingo, 11 de setembro de 2011

O verão há de vir

Fui a Corumbá na quinta-feira para um evento do Protagonismo Juvenil, convidada pela psicóloga Anny Funes, organizado pela Secretaria de Assistência Social da cidade (Secretário Haroldo e Gerente de Políticas Públicas, Adelma Galeano) e apoiado pelo CRP 14.

Esperava um vôo tranqüilo – sempre esperamos – e não foi nada fácil enfrentar uma ventania insuportável em um avião pequeno. Fui preparada para 45 graus e fez 17, tinha na mala vestidos bonitos, mas só pude andar com a única calça jeans que levei. E a camiseta de manga comprida que tive que comprar, e também o xale boliviano que comprei na porta do hotel. E vestida assim para a conferência de abertura sobre a ética e a violência na juventude, falei para quase trezentos adolescentes.

E falando sobre a violência, disse aos jovens que menos violento é quem sabe quem é e o que quer para sua vida. Foi a forma, sem teorizar lacanianamente, que encontrei de dizer que o entusiasmo virá da relação com o desejo que os habita. E conclui com Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke - ando lendo e escrevendo sobre Rilke nestes meses. Preparando-me para falar para tantos jovens, muitos deles com medidas sócio-educativas, tendo já transgressões à lei em sua história, passei dias e dias sem uma idéia do que iria falar: o que dizer que pudesse tocá-los sem ser um discurso moralista, superegóico, coisa tão freqüente? Como encontrar uma saída para esse impasse? Achei quando reencontrei a adolescente que eu fui, que lia um pedacinho das cartas de Rilke a Franz Kappus todos os dias.

Para os que não sabem a história dessas cartas, conto-a, para os demais, relembro-a: Franz Kappus tinha 19 anos em 1903, estava estudando em uma escola militar, que ele não gostava e, sentado em um banco da escola, passa seu professor, pergunta o que ele está lendo e ao ver o livro de poemas de Rilke, conta que Rilke tinha sido aluno daquela escola e não gostava de estar lá, queria ser poeta. O professor fica contente de saber que o ex-aluno encontrou seu caminho. Assim, Kappus escreve ao poeta e pede conselhos. Procura algo, uma determinação, uma palavra de alguém que já deu um passo a mais em seu próprio destino para que ele encontre o seu, também na poesia. E Rilke lhe responde. Logo na primeira carta – trocarão várias durante cinco anos – escreve uma das partes mais bonitas. Nela, em meus 15 anos, sentia que Rilke também escrevia para mim, me dizendo para ter paciência, como a árvore que espera sua seiva amadurecer. "O verão há de vir, mas só vem para aqueles que sabem esperar, tão sossegados como se tivessem à frente a eternidade. Aprendo todos os dias, à custa de sofrimentos que abençôo: paciência é tudo".

Assim, fui a Corumbá para dizer aos jovens que tivessem paciência, e para escutá-los. E escutá-los dizer do que mais precisam: serem escutados. E que a paciência também esteja com o outro, adulto, tão apressado com tudo nesses tempos tão curtos. De idéias, de tempo, de esperanças.

E assim deixei Corumbá já com um convite para voltar em alguns meses. Mesmo mal vestida, tudo correu perfeitamente bem.

Andréa Brunetto/ Campo Grande, 11 de setembro de 2011

3 comentários:

  1. Certamente você foi vestida com o que mais importa: idéias! E idéias que ressoem cavando o espaço para o desejo. Parabéns pela iniciativa e pelo belo texto. Lia

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  2. Andrea,
    essa sua sensibilidade com as palavras, com as pessoas e com o mundo é a sua vestimenta mais bonita. Lindo post!

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