O diabo chega a Moscou comunista de
1930 e começa seus intentos – que ninguém sabe bem qual é - destruindo
primeiramente os escritores. Os dois primeiros comunistas poetas que descobrem
que o estrangeiro Woland é o capeta perdem a cabeça, um literalmente, decepada
por um bonde, e o outro, enlouquecendo. Ninguém acredita quando o poeta diz que
conversou com o capeta e ele esteve presente quando Pôncio Pilatos deu sua
sentença. O poeta fica confinado no manicômio e uma das coisas que descobre lá
é que era mau poeta e deve parar de escrever.
E o diabo, que chama-se Woland, é um
estrangeiro e não russo, chega a Moscou acompanhado de seus anjos decaídos e
outras criaturas demoníacas: Behemot, Abaddon, Azazel, uma feiticeira ruiva, que sempre andava nua, de
beleza perfeita se não fosse por uma cicatriz horrenda no pescoço, e outra
figura patética, Korôviev, um baixinho, de óculos e terno xadrez, todo
meticuloso. É a descrição perfeita de um burocrata. Este é o séquito infernal
que bagunçará os alicerces de Moscou. Behemot é descrito no Livro de Jó como um
monstro gigante ou como um leão monstruoso ou um grande touro. Segundo a
tradição judaica, esse “animal” é o monstro da terra, em oposição a Leviatã, do
mar. Pelo que eu pesquisei, não é um servo do diabo, mas no romance de Mikhail Bulgákhov
assim o é, e mostra-se como um enorme gato. O enorme gato Behemot é um dos
servos do satanás.
Em “O mestre e a margarida”, Mikhail
Bulgákov faz uma sátira do regime comunista, uma ferrenha crítica disfarçada,
mas tão disfarçada, que o que ele denuncia está às claras: no seu show no
teatro da cidade, Woland deu dinheiro estrangeiro para os “pobres” moscovitas,
ofereceu novos vestidos e perfumes estrangeiros para as mulheres, que aceitaram
imediatamente. Quando saem do espetáculo, na rua perto do teatro, os vestidos
desaparecem e estão nuas – versão que Bulgákov dá para A nova roupa do rei – e o
dinheiro era dinheiro de tolos, pois vira papel. E um dos ajudantes do diabo
sai com essa pérola: os moscovitas continuam os mesmos. Forma que o autor usa
para mostrar a hipocrisia: apoiam publicamente o comunismo com seu desprezo
pelo dinheiro e consumismo dos “inimigos”, mas é disso que gostam. E nesse
show todas as hipocrisias são reveladas, os corruptos, os que têm amantes, os que roubam o partido. Depois, a investigação concluirá que foi uma hipnose de todos que
estavam no teatro, mesmo quando tantos funcionários do teatro dizem que é coisa sobrenatural, do mal, não podem acreditar: não acreditam em Deus e nem em Diabo.
Enfim, o diabo serve para mostrar
as incongruências dos moscovitas, do comunismo, de Stalin. Fiquei pensando quem
seria o diabo: o diabo é Stalin? O diabo foi o comunismo? É o ser humano com
suas hipocrisias e falsidades? E gana de poder?
Só quem não se corrompe pelos
oferecimentos do diabo é Margarida, que sofre porque é casada com um homem a
quem não ama, que lhe dá todos os bens materiais que ela precisa, perfumes e
roupas, pois é um homem importante na hierarquia – mais uma vez Bulgákov mostra
a hipocrisia do partido – e ama um escritor a quem não pode ter, pois está
desaparecido. Ela vive um inferno, pois não esquece o Mestre um minuto. O
escritor amado por Margarida é assim designado por ela. No romance, então, o
mestre não é o diabo. Parece-me até mesmo, na segunda parte do livro, que o
mestre é o amor. Margarida quer esquecer esse amor, se não pode reencontrar o
Mestre, que o esqueça, que volte a pensar em outras coisas, a encontrar
alegrias em outras coisas na vida. Margarida queria o dom do esquecimento da
dor de um amor. O diabo envia Azazel para lhe oferecer um pacto. Ela aceita,
mas ao invés de esquecer o Mestre, o diabo lhe oferece uma nova tentativa de
fazer dar certo o amor, com a condição de que ela ocupe por uma noite o lugar
de acompanhante dele no baile anual do Inferno. Essa parte é hilária. Margarida
vira Rainha Margot, a recepcionar todos os moradores do Inferno.
E depois Margarida e o Mestre se
reencontram e podem ser felizes juntos. Mas nem assim eles conseguem o céu. A
partir daqui não conto mais. Para não tirar a graça de vocês lerem a parte
final, não conto mais nada.Sim, porque vocês têm de ler esse livro. Ele tem quase um século que foi escrito, mas não perdeu o humor. Eu ficava rindo sozinha em minha sacada no final de semana passado enquanto o lia. Recomendo muito a leitura.
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