segunda-feira, 3 de outubro de 2016

F de falcão, de Helen Macdonald

O livro F de Falcão, de Helen Macdonald foi lançado em 2014 e já premiado na Inglaterra. Nesse ano foi lançado no Brasil e sua autora esteve para autografá-lo e participar da Flip. O romance é claramente autobiográfico e conta a estória de uma mulher que acabou de perder o pai de um enfarto fulminante e se refugia em seu luto treinando um açor, ave de rapina parente do falcão. Com a presença de Mabel, sua ave de rapina, a protagonista vai para lugares ermos, e outros nem tanto, da Escócia, praticar a arte da falconaria. Esse esporte tão famoso à época dos reis, da Velha Inglaterra. Convivendo com a natureza selvagem de Mabel, a personagem sem nome, vai resgatando sua infância e muitas lembranças do pai, um fotógrafo famoso. Ela sabe que os açores são seres da morte, caçadores sem humanidade nenhuma, mas tem mesmo assim um alívio: o que ele faz não tem nada a ver comigo.
Ela, como o pai, era uma voyeur. O pai se tornou famoso fotografando cenas políticas do mundo, e modelos famosos. Já ela, a filha, lembra-se da infância olhando para os animais, o céu, as florestas, enfim, a natureza. A sem nome cresceu numa floresta de pinheiros, com campos formados por formigas-de-madeira-vermelha, salamandras, carvalhos que eram casa de vespas, bétulas próximas da cerca da rodovia, mariposa vermelha que morava atrás da caixa da eletricidade, uma coruja empoleirada na árvore, uma cobra-d´água que o pai trouxe do rio. Assim como Mabel, a ave de rapina selvagem, também a protagonista teve uma infância selvagem. E construiu uma paisagem infantil de um lugar maravilhoso. É por isso que em seu romance o personagem principal, mais até do que Mabel e o pai, é T. H. White, o escritor britânico famoso por escrever os contos sobre o Rei Arthur e sua távola redonda. Era também ele um falcoeiro e escreveu um livro contando sua tentativa de domesticar um falcão. Tentativa fracassada, pois o falcão o abandona, desaparece mesmo com as travas nas patas. A narradora sem nome de F de falcão é obcecada por White, sabe toda sua história, leu seu livros, quer refazer seus passos, desse homem solitário, com dificuldades de aceitar sua homossexualidade, construindo com seus contos arthurianos um período mágico da Inglaterra que só existia em sua imaginação. Tem capítulos que começam assim: Em um dia de brisa soprando em agosto de 1939, White está na Irlanda, escondido da guerra. Pois tem isso também: White é um desertor que tem mais o que fazer do que guerrear, pelo menos essa, atual: “precisa concluir seu épico sobre a Grã-Bretanha medieval, que, afinal, resolverá o mistério de por que os seres humanos lutam.”
Ela, a narradora sem nome, tem uma profunda admiração pela escrita de White. Eis um exemplo: “Ele falava do tempo como um renascimento: escreveu que a vida “parecia estar se criando, parecia que estava nas paredes vazias do caos descobrindo uma abertura ou uma partícula de luz”. Para ela é como se ele fosse um homem vivendo de trás para a frente no tempo: “eu costumava pensar em Merlin como uma magnífica criação literária, mas agora penso nele como uma invenção muito mais peculiar: o futuro ego imaginado por White. Merlin “nasceu na época errada do tempo”.
Esse livro de Helen Macdonald é assim: um livro dentro de um livro. E o livro dentro do dela é “O único e eterno rei”, de T. H. White. Com ele, White, o criador das histórias de Merlin e do Rei Arthur, de um tempo passado mítico, melhor que o presente e com a natureza selvagem de sua infância e de Mabel, a narradora vai fazendo o luto de um pai, que em sua vida foi o único e eterno rei, o rei dessa menina campestre de memórias de florestas, e bichos e aves de rapinas do interior da Inglaterra até as Terras Altas da Escócia.
Já que ela fala tanto de White, ele já comprei também o livro dele e comecei a ler.




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