sábado, 23 de julho de 2016

Alma, de Manuel Alegre


                                                                           


O narrador de Alma nasceu nessa cidade imaginária situada nas proximidades de Aveiro e Vizeu, NA casa dos avós maternos, republicanos, onde também moravam seus pais. O pai, monarquista. Com esse pai monarquista e a mãe, que esperava um futuro diferente para ele, vai contando suas lembranças de infância.
Manoel Alegre escreve poesias e romances. E os romances escreve como se escrevesse poesia. Seu narrador vai desfiando as memórias do menino encantado com os ciganos e com o circo. Ambos vinham de fora, ficavam um tempo na cidade e partiam. Eis alguns trechos dessa que é uma das mais belas do livro: “Eu tinha inveja dos ciganos, das suas fogueiras em Além da Ponte, das suas carroças que os levavam para o sul e passavam a fronteira. Não tinham casa, não eram obrigados a ir à escola, não estavam sujeitos a nenhum horário, a nenhuma obrigação. Um dia, Zé Mafra, pai de um ciganito meu amigo disse-me uma coisa lindíssima, nunca mais a esqueci, parece um poema: cigano não tem casa, cigano só tem caminhos.”
E continua: “Era talvez por isso que eu não resistia a andar com eles: pelo que neles havia de vagabundagem, outros rios, outras terras, outras fronteiras. Hei de casar com uma cigana, dizia eu às vezes. E a minha mãe via nisso mais um sinal. Mais não sei se achava graça. Creio que ela sempre teve medo que eu lhe fugisse.
E quanto ao circo, ele conta que depois de dias felizes com o circo na cidade, ele partiu para Vizeu. Ele e Nicolau pegaram dinheiro escondido e planejaram ir para Vizeu encontrar o circo. Foram descobertos e surpreendidos na estação, quando iriam pegar o trem. O pai de Nicolau bateu no menino lá mesmo, na frente de todos. Sua mãe o conteve, disse ao pai tão nervoso que os meninos não sabiam o que faziam. Ele pensou: a gente sabia sim, mas não contradisse sua mãe. Em casa, a mãe muito ofendida e magoada com ele por não ter contado para ela o projeto, ter escondido dela algo tão importante, que sempre poderia contar tudo para ela, dizer tudo. “Então chorei e tentei explicar-lhe o que era difícil de explicar: que tinha uma paixão pelo circo, algo que eu nem sabia bem o que era. É uma saudade, mãe, uma saudade nem sei do quê.... Ela fez-me uma festa, deu-me um beijo e disse-me que percebia muito bem. Não sei ao certo se sim, se em tudo aquilo ela viu apenas mais um sinal, ou se ela própria por vezes também tinha um sentimento assim, uma saudade de saudade, uma paixão.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário