A jornalista Angela Kempfer pediu-me um relato de minha "relação emocional" com o divã para uma matéria que está escrevendo sobre o mobiliário. Escrevi o que está abaixo. Gostei e resolvi publicar também aqui.
Freud inventou o uso do divã - o mobiliário era bem comum à época, uma peça
clássica - porque descobriu que a hipnose não funcionava, os pacientes não
lembravam o que estava realmente no inconsciente. E também aquilo que ele
sugestionava-os, hipnotizados, não tinha efeito senão por dias. O cara a cara
também não lhe serviu, pois percebeu que as pessoas precisavamm controlar pelo
olhar do outro como estavam sendo vistas, aprovadas. Fazemos isso toda hora
(fulano me olhou de tal jeito, será que é de aprovação? me disse bom dia com um
olhar tão sério, está bravo comigo? Está ou não gostando do que eu estou
falando?), então imagina o peso disso durante o tratamento? É maior
ainda.Assim ele inventou o uso do divã: o sujeito deita e olha para qualquer
lugar, não conseguindo controlar como está sendo olhado, diz o que vir à cabeça.
A regra: associação livre.
Então, o principal não é o divã, é estar fora do
controle do olhar.Quando comecei a fazer minha formação psicanalítica,
mandei fazer um divã. Um bem simples, que era o que o meu dinheiro conseguia
pagar. Meu analista também tinha um divã simples. Então não me preocupava com a
simplicidade do divã. Porém, eu deitada no divã, enquanto fazia minhas sessões,
olhava para o lado, uma parede toda de vidro e,para além do jardim de inverno da
sala dele, ao longe, enxergava o Cristo Redentor. Como eu não conseguiria em
minha sala, ter ao longe um Cristo Redentor, não me importava que o divã fosse
simples.
Uma parte de minha formação psicanalítica, fiz olhando para o
Cristo. Depois ele se mudou para outro consultório,continuei minha análise, mas
faltava a vista. Estou fazendo humor disso, só para dizer que o mais importante
é olhar para outro lugar e com isso se afloram lembranças, cenas que não se
tinham antes, que estavam apagadas, no inconsciente.
O divã é secundário.
Tanto que, por vezes, estando em outras cidades para dar seminários e cursos,
atendo em quartos de hotel, consultórios emprestados de colegas e,
metaforicamente, carrego meu divã comigo: ele é minha escuta, que propicia aos
pacientes que se "deitem no divã da linguagem".
Mas à parte tudo isso, conto
duas histórias, primeiro uma de Freud e, depois, uma minha: O consultório de
Freud era de mobiliário simples, divã simples e para não ficar tão clean, tinha
um tapete persa pregado na parede, atrás do divã, porém no anteparo da
lareira, ele colocou pequenas estatuetas, de sua rara coleção de estátuas
antigas, estátuas egipcias, uma coleção de falos, vasos etruscos, etc. O divã
simples era ofuscado por essa coleção. Para imitar Freud, e sem condições
financeiras para coleção de arte antiga, nem para mirada do Cristo Redentor,
coloco na prateleira de livros em frente, uma coleção de bolinhas de neve,
dentro com pontos turísticos de todas as cidades por onde passei. Não é a mesma
coisa. É muito menos.
Outra história: anos atrás, andando em uma loja de
móveis em Bruxelas - Maison du Monde - uma das lojas mais lindas que já fui, vi
um divã lindo e quis muito ter um igual em minha sala. Logo eu que sou adepta do
divã simples, vou gostar de um do outro lado do mundo. Tirei uma foto dele,
continua guardada a foto. Foi um sonho de consumo. Quem sabe um dia mando fazer
um igual? Por ora, continuo reformando meu antigo divã, gosto dele, tem me dado
sorte na vida profissional. Eis uma pequena superstição boba que me impede de
ter o caro-cópia-plágio do divã de Bruxelas.
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