O livro F de
Falcão, de Helen Macdonald foi lançado em 2014 e já premiado na Inglaterra.
Nesse ano foi lançado no Brasil e sua autora esteve para autografá-lo e
participar da Flip. O romance é claramente autobiográfico e conta a estória de
uma mulher que acabou de perder o pai de um enfarto fulminante e se refugia em
seu luto treinando um açor, ave de rapina parente do falcão. Com a presença de
Mabel, sua ave de rapina, a protagonista vai para lugares ermos, e outros nem
tanto, da Escócia, praticar a arte da falconaria. Esse esporte tão famoso à
época dos reis, da Velha Inglaterra. Convivendo com a natureza selvagem de
Mabel, a personagem sem nome, vai resgatando sua infância e muitas lembranças
do pai, um fotógrafo famoso. Ela sabe que os açores são seres da morte,
caçadores sem humanidade nenhuma, mas tem mesmo assim um alívio: o que ele faz
não tem nada a ver comigo.
Ela, como o
pai, era uma voyeur. O pai se tornou famoso fotografando cenas políticas do
mundo, e modelos famosos. Já ela, a filha, lembra-se da infância olhando para
os animais, o céu, as florestas, enfim, a natureza. A sem nome cresceu numa
floresta de pinheiros, com campos formados por formigas-de-madeira-vermelha,
salamandras, carvalhos que eram casa de vespas, bétulas próximas da cerca da
rodovia, mariposa vermelha que morava atrás da caixa da eletricidade, uma
coruja empoleirada na árvore, uma cobra-d´água que o pai trouxe do rio. Assim
como Mabel, a ave de rapina selvagem, também a protagonista teve uma infância
selvagem. E construiu uma paisagem infantil de um lugar maravilhoso. É por isso
que em seu romance o personagem principal, mais até do que Mabel e o pai, é T.
H. White, o escritor britânico famoso por escrever os contos sobre o Rei Arthur
e sua távola redonda. Era também ele um falcoeiro e escreveu um livro contando
sua tentativa de domesticar um falcão. Tentativa fracassada, pois o falcão o
abandona, desaparece mesmo com as travas nas patas. A narradora sem nome de F
de falcão é obcecada por White, sabe toda sua história, leu seu livros, quer
refazer seus passos, desse homem solitário, com dificuldades de aceitar sua
homossexualidade, construindo com seus contos arthurianos um período mágico da
Inglaterra que só existia em sua imaginação. Tem capítulos que começam assim:
Em um dia de brisa soprando em agosto de 1939, White está na Irlanda, escondido
da guerra. Pois tem isso também: White é um desertor que tem mais o que fazer
do que guerrear, pelo menos essa, atual: “precisa concluir seu épico sobre a
Grã-Bretanha medieval, que, afinal, resolverá o mistério de por que os seres
humanos lutam.”
Ela, a
narradora sem nome, tem uma profunda admiração pela escrita de White. Eis um
exemplo: “Ele falava do tempo como um renascimento: escreveu que a vida
“parecia estar se criando, parecia que estava nas paredes vazias do caos
descobrindo uma abertura ou uma partícula de luz”. Para ela é como se ele fosse
um homem vivendo de trás para a frente no tempo: “eu costumava pensar em Merlin
como uma magnífica criação literária, mas agora penso nele como uma invenção
muito mais peculiar: o futuro ego imaginado por White. Merlin “nasceu na época
errada do tempo”.
Esse livro de
Helen Macdonald é assim: um livro dentro de um livro. E o livro dentro do dela
é “O único e eterno rei”, de T. H. White. Com ele, White, o criador das
histórias de Merlin e do Rei Arthur, de um tempo passado mítico, melhor que o
presente e com a natureza selvagem de sua infância e de Mabel, a narradora vai
fazendo o luto de um pai, que em sua vida foi o único e eterno rei, o rei dessa
menina campestre de memórias de florestas, e bichos e aves de rapinas do
interior da Inglaterra até as Terras Altas da Escócia.
Já que ela fala
tanto de White, ele já comprei também o livro dele e comecei a ler.
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