Viagens pela Itália.
Parte II
Cerca de dez séculos A.C., os gregos
navegaram pelo Mar Jônico e foram procurar novas terras. Encontraram. E ali
construíram vários povoados. Aos pés de um vulcão cresceu um deles - um dentre
tantos, dessa região que foi conhecida como Magna Grécia – chamado Pompéia. Em
79 D.C., uma irrupção do vulcão destruiu a cidade toda. A fumaça tóxica acabou
com toda vida humana e animal por quilômetros. Um cachorro correndo, um homem
abaixado, outro deitado, uma mulher com uma criança, petrificados pela fumaça
vulcânica, conservados assim pela eternidade. Como em um museu de cera - esse é
de pedra - eles estão lá, nesse museu a céu aberto: as ruínas de Pompéia, a
cidade destruída pelo Vesúvio. Pompéia fica mais ao sul que Nápoles, mais perto
da Costa Amalfitana. As duas cidades são separadas pelo vulcão.
Nápoles é uma grande cidade,
litorânea, banhada pelo Mar Tirreno. Fui até ela com três amigas e por três
motivos: conhecer Pompéia, ir à ilha de Capri e ver a estátua de Hércules no
Museu Arqueológico Nacional. Mesmo sabendo de antemão que era caótica,
desorganizada, perigosa, sob o controle da máfia, fiz questão de ir e ainda
levei minhas amigas. Ficamos em um hotel lindo e chique, no porto, mas com
entorno péssimo. Já sabíamos que ela era perigosa, por isso só chegamos nela
com uma sacola com poucas roupas, para o final de semana. Inês já chegou sem
bagagem nenhuma, pois a companhia aérea tinha extraviado sua mala.
Stendhal, o famoso escritor francês,
escreveu um livro sobre Nápoles, Roma e Florença, as cidades italianas de que
mais gostava. Em 1816, escreveu que era difícil assistir à queda de um império –
o império napoleônico tinha acabado há dois anos – e ele foi se refugiar da
França em ruínas de um império, em Nápoles. Àquela época, Nápoles não era
caótica, pelo contrário, ela era uma cidade chique, repleta de nobreza, todas
as noites, portas abertas do teatro para grandes óperas. Dizia que não era
possível ser feliz em Paris, somente na Itália podia-se viver dia-a-dia, sem
planos para o futuro, renunciando às ambições. Andava pelas ruas de Nápoles,
sob um sol ardente e aspirava às emoções radicais e apaixonadas dos
napolitanos: “um homem nórdico sempre achará absurdo esse jeito de ser dos
italianos”. Mas ele lembrava que não eram paixões profundas e sim voláteis,
pois os napolitanos viviam o momento. Eu soube disso, pois em duas situações
diferentes, dois homens se apaixonaram perdidamente por mim, por uns quinze
minutos ou um pouco mais: ao sair de uma padaria com minhas amigas, ele pegou o
carro e foi atrás de mim porque não poderia esquecer-me nem viver mais sem
saber quem eu era. Ao dizer que meu marido me esperava no hotel, pediu
desculpas e voltou. E o outro que se apaixonou foi um marinheiro lindo no barco
indo para Capri. A paixão durou o trajeto de uma travessia.
Uma coisa em comum com Stendhal: ele
ficou impressionado com os afrescos de Pompéia. Eu também. Atualmente, eles estão no Museu Arqueológico
Nacional. E a herança grega de Pompéia está representada nesses quadros todos:
os deuses gregos estão lá.
Quis ir a Nápoles depois que assisti
ao filme “Viaggio in Itália”. Filme dirigido por Roberto Rosselini. Em uma
Europa se reconstruindo da Segunda Guerra, um casal vai a Nápoles para vender
uma casa. Um casal em crise. A casa a ser vendida ficava próxima do Vesúvio.
Ele é onipresente no cenário do filme. A mulher é interpretada por Ingrid
Bergman. Está belíssima. Em uma das cenas ela vai ao Museu Arqueológico
Nacional e fica parada, impressionada, contemplando a estátua de três metros de
altura de Hércules. Vemos no filme uma Nápoles já caótica, uma Europa destruída
e o desabar de uma relação, sendo vivida pouco a pouco em uma casa diante de um
vulcão. Katherine, a personagem de Bergman, vai a Pompéia ver os restos da
irrupção do Vesúvio, as pessoas petrificadas. Esse filme é o melhor guia do que
se ver na cidade. Fui até Nápoles por causa dele.
Eu, como Bergman, fiquei
impressionada com a estátua de Hércules.
Imponente, com um corpo perfeito, cansado, encostado em seu bastão,
depois de ter executado todas as provas que lhe foram impostas pelos deuses.
Dizem os boatos que depois que Napoleão deixou Nápoles - sim porque Napoleão
também conquistou o reino de Nápoles - a única coisa de que se arrependeu foi
de não ter carregado essa estátua com ele para Paris. Eu também não pude trazer
a estátua comigo, contentei-me com umas fotos, de uma delas, fiz um quadro e
está pendurado em uma parede de minha casa. Mas não tem só essa estátua, no
Museu Arqueológico Nacional estão todos os afrescos de Pompéia, muitas estátuas
lindas. Também gostei demais da estátua de Atlas, envergado, carregando o globo
terrestre nas costas. Alba tirou belas fotos dessa estátua, fez-me fechar uma
grande porta do andar de cima do museu para não refletir na estátua e tirar a
foto perfeita. Morrendo de medo de ser descoberta, mas pensando na foto, fiz. E
também há no museu uma coleção de bustos dos imperadores romanos. Está lá a
Coleção Farnese, uma extensa coleção de arte da antiguidade. É um dos mais
importantes museus da Europa.
E também fomos a Capri, uma ilha
linda, pequena, uma montanha em que se sobe em círculos, para contemplar do
alto os dois rochedos pontudos fincados em um mar azul anil.
Apesar do lixo nas ruas, das casas
depredadas, feias e sujas, da pobreza, das ruelas inseguras, Nápoles tem
Pompéia, Capri e esse museu. Nela, em séculos passados, Stendhal foi se
refugiar de um império em ruínas. E hoje é ela a lembrança de um reinado que
ruiu. E avalio que se não tivesse ido lá, minha visão da Itália não seria a
mesma. Fico tão contente de ter me apaixonado por esse filme e ter tido a
coragem de ir lá. E que minhas amigas me acompanharam. Quanto a Nápoles, só
desejo duas coisas: que vocês também tenham coragem de ir lá, porque quanto a
mim, vou arranjar coragem para voltar. Quem se habilita a voltar lá comigo?
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