Quase na virada
do Século XX, Rainer Maria Rilke chegou a Florença. Ainda não era o gigante da
poesia que viria a se tornar, era um jovem poeta apaixonado por uma mulher mais
velha, comprometida e já uma escritora renomada. Nessa cidade, campo das artes,
começa a escrever um diário para contar a ela - a amada, a amante, a confidente
e interlocutora fundamental com a qual foi construindo sua obra - sobre a viagem, para que ela pudesse
acompanhar o que ele via. Assim nasceu o Diário
de Florença. O que pretendo é mais ou menos isso: que vocês vejam Florença
a partir de meus olhos.
Estive em
Florença duas vezes, uma no verão e outra na primavera. Sempre ela é lotada de
gente, com grandes filas para entrar nos museus, restaurantes, igrejas, trens.
Mesmo com todas essas dificuldades, uma pessoa não pode ir à Itália sem ir a
Florença. Na primeira vez que fui, acordei às cinco da manhã para andar pela
cidade vazia, tirar fotos do rio Arno, ficar na fila para entrar na Galeria Uffizi e
ver, dentre centenas de quadros importantes, o Nascimento de Vênus, de Sandro
Botticelli.
Nessa primeira
vez fui em um verão, fiquei mais de uma hora em uma fila que contornava
quarteirões, para entrar na Galeria da Academia de Belas Artes e ver a estátua
de Davi, de Michelangelo. Desisti antes de chegar lá, sabendo que voltaria em
breve para vê-la. Voltei. Contentei-me em contemplar a réplica da estátua
original na Praça della Signoria. Nessa praça há réplicas de três estátuas
belíssimas: o Davi, de Michelangelo, o Rapto das sabinas, de Giambologna e Netuno,
de Bartolomeo Ammannati. É uma praça das artes. Nela escutei um concerto de um
músico polaco que tocava lindamente violino. Comprei seus CDs. De vez em
quando, quando sinto saudades da cidade, coloco suas músicas e lembro-me de
Florença e da Praça della Signoria.
O poder da Família
Médici, durante trezentos anos, transformou Florença em um resplendor do
renascimento. É a cidade de Bruneleschi, Michelangelo, Dante Alighieri, Giorgio
Vasari, Giambologna, Leonardo Da Vinci (que nasceu numa cidade vizinha), Sandro
Botticelli, Ghirlandaio. São tantos os nomes de artistas que deixaram sua marca
para a história, praticamente todos os nomes do renascimento que estudei na
escola, estão inscritos na história da cidade, em sua arquitetura, museus,
igrejas e praças.
Rilke escreve
que “a cidade espraia-se na harmonia dos tons marrons e cinza, e as cores da
noite já atingem as montanhas de Fiesole.” Nesse Diário de Florença, diz que a
poesia deve ser lida à beira de um caminho, com um pouco de floresta e à luz do
sol de um verão. Assim, cada poema conserva seu significado: o frescor, o
perfume e o brilho. Mas lembra que em Florença não têm florestas, então as
igrejas são como florestas. E em Florença tem muitas, e são lindas e cheias de
obras de arte. Na Santa Maria Novella está o quadro O nascimento de Maria, de
Ghirlandaio.
Foi com esse
Diário de Florença, de Rilke, que cheguei à cidade. Com o olhar romântico,
artístico, e apaixonado, escreveu esse diário que foi para mim um guia de
viagem. Mas se vocês preferirem outra referência sobre a cidade, sugiro
assistirem ao filme “Uma janela pra o amor”, do diretor James Ivory. Nele, os
atores Julian Sands e Helena Bonhan Carter se olham, apaixonadamente, de uma
janela de um andar alto e, além dos dois, vemos a cúpula da Catedral Santa
Maria del Fiore. No filme, a beleza de Florença é evidente e a cidade é a
protagonista.
A cidade é um
palco para o amor. Há uma igreja em Florença, a Chiesa di Dante, onde se diz
que Dante viu pela primeira vez Beatrice e se apaixonou por ela. Robert e
Elisabeth Barret Browning, os poetas ingleses, para viver mais livremente seu
amor, foram se refugiar em Florença. Para mim, Florença é a cidade onde se pode
viver o amor. Muito mais romântica do que a suja e confusa Veneza.
Mas se vocês
preferirem outros motivos para ir lá, sem tanto amor, ei-los: é a capital da
Toscana, uma província linda, acolhedora, terra de muitas vinícolas, de
vilarejos antiquíssimos, escondidos nas montanhas, repletos de ruínas dos
etruscos, povo que antecedeu aos romanos. Por motivos históricos, para os
amantes do vinho, para andar pelo Rio Arno e pela Ponte Vecchio, se pode ir a
Florença. Para contemplar seus telhados vermelhos, sua arte, seus corredores
amplos, vale à pena ir a Florença. Pelo exagero de tanta beleza junta, de
tantos artistas. Tudo está lá, para todos os gostos. Com amor ou sem amor. Mas
com amor é sempre melhor, tem mais brilho, tem mais arte. Tudo se pode
encontrar lá, tantos foram viver seu amor lá, por que não eu? Por que não você?
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