Antes de
contar sobre o livro, uma história que explica como ele chegou a mim. Ano
passado organizei três bazares de livros, muitos foram para levar e trocar seus
livros, uma senhora bastante idosa veio até mim, estava com o porta-malas de seu
carro lotado de livros. Muitos e muito antigos. Separei vários para ficar
comigo. E os coloquei na pilha a serem lidos. Mês passado peguei esse romance
de Anatole France, uma edição velhinha, de 1955, empoeirado, sujo, amassado,
mas de capa dura e folhas grossas. Fui folhando e descobri dentro dele notas e
mais notas de dinheiro. O dono do livro tinha o hábito de guardar dinheiro
dentro de livros, imagino. Guardou e esqueceu 18 notas distribuídas entre as
páginas do livro todo. Notas de cinco cruzeiros, que não valem mais nada, com a
cara do Barão do Rio Branco e no verso um quadro retratando a conquista do
Amazonas. Esse “O Lírio Vermelho”, de
Anatole France, começou para mim desse jeito.
É um grande
livro de um escritor magistral. Já tinha lido dele “As sete mulheres do Barba Azul”
mas este é melhor. Prêmio Nobel da Literatura de 1921, Anatole France escreveu
esse romance em 1894. Consegue defender muitas ideias sobre a política,
Napoleão, a Revolução Francesa e sobre a Europa e ainda contar uma história de
amor em um livro com umas duzentas páginas. É por isso que não gosto mais de
ler romances com 600 páginas. Conseguir dizer muito com certa redução só um
escritor formidável como esse, um dos últimos clássicos, que influenciou,
posteriormente, Marcel Proust, consegue.
Cito aqui
dois trechos: “Toda ideia falsa é perigosa. Quem pensa que os utópicos não são
prejudiciais, engana-se, pois fazem-no e muito. As utopias mais inofensivas na
aparência, exercem uma realidade, uma influência prejudicial! Tendem a inspirar
o desprezo da realidade”. E o seguinte serve bem para relativizarmos com esse
momento de recrudecimento de fanatismos: “Sem os árabes e judeus, a Europa
estaria ainda mais mergulhada na barbárie, no tempo das cruzadas, na
ignorância, na miséria e na crueldade”.
O lírio que
dá nome ao livro é a flor típica da Toscana, onde se passa uma parte da
estória. A outra parte se passa nos salões de festa de Paris, onde a jovem,
bela e entediada Teresa vive sua vida entre um marido nobre e um amante jovem a
quem ama. Para a sociedade do século
XVIII e XIX era uma coisa normal. Teresa é casada com um homem mais velho e de família
tradicional, pois seu pai é um nouveau
riche sem entrada nos círculos aristocráticos da cidade. Um integrante
desse acordo entra com a nobreza e Teresa com o dinheiro paterno. E marido,
amante, amigos, todos ceiam juntos, debatem sobre a personalidade de Napoleão,
escutam música e vivem sua vida em que nada precisa mudar. Ela não tinha
arranjado amante nenhum até tempos atrás, pois não queria entrar nessa
frivolidade, somente se entrega a esse primeiro amante ao perceber que ele a
ama, fica nervoso quando ela está por perto. Mas um dia, ele que era tão
dedicado a ela, tudo conversava e decidia com ela, resolve uma viagem e ela só
fica sabendo de sua decisão por terceiros. É por isso que termina o romance,
sem ao menos dizer adeus. Sai do apartamento onde se encontravam e sabe que foi
a última vez que esteve lá. Um homem marca de ir à caça e tudo já terminou.
Parece banal, só um ato, mas para ela é só um sinal de que nada é mais o mesmo.
Sai de Paris,
vai passar os meses do verão em Fiesole, cidadezinha nos arredores de Florença,
e lá se apaixona novamente por um jovem que também se apaixonou por ela. É ele
o utópico, sonhador, que motiva a frase que escrevi acima. Um ciumento
possessivo que não aceita seu passado com o outro amante. Quanto ao marido,
esse não conta nada, tudo pode continuar como esta. O livro começa com ela
deixando o primeiro amante e termina quando deixa o segundo. O romance é a
história desse segundo amor que se passa na Toscana. É ele, o jovem sonhador,
que lhe dá o lírio que ferirá seu coração.
Assim, já
conto o final: todas as histórias de amor terminam não dando certo e é ela que vai
embora com uma determinação não muito comum nas mulheres. Anatole France criou
uma personagem feminina que não tenta até o fim fazer o amor dar certo, que
sabe muito bem o momento de parar. E sem se afundar na dor. Gostei, embora seja
um ideal não muito fácil de manter.
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ResponderExcluirPassei num sebo aqui na saida do Metro Carioca. amigo meu cearense que vende livros e livros a mãs-cheias a preço menos que banana- e vi esse livro de Anatole France,a 2,00 - chego ao escritório e abro aqui,acesso num comentário dessa pessoa- penso como o mundo hoje amedronta, ha um medo até físico instalado, mas é tudo muito ao nosso alcance- só com uma ligeira busca já sei o enredo do livro, se ele vai me interessar ou não, isso num tempo record...nossos pais nunca imaginaram isso
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