São
Petersburgo, apesar de ser uma cidade linda, possui muita pobreza e só agora
está se abrindo para muitas coisas do mundo ocidental. Sua moeda estava bem
desvalorizada perto do real e tudo era barato para nós. Foi um alívio, depois
de passar pela Noruega, em que um prato de macarrão era uma pequena fortuna - não
só o macarrão, tudo, até mesmo a comida no supermercado custava uma pequena
fortuna - chegamos a uma cidade em que nosso dinheiro dava até para comprar souvenirs para os amigos.
É
difícil se comunicar com eles. A maioria das pessoas não fala nem algumas
palavras em inglês. Tivemos que resolver quase tudo na mímica. Quase perdemos o
trem por conta dessa dificuldade do idioma. Eu e minhas amigas chegamos a São
Petersburgo a partir de um voo de Estocolmo e sairíamos uma semana depois, de
trem. Descobrimos que havia um novo trem de alta velocidade, saindo de lá e
chegando a Helsinque. Foi construído pelo governo finlandês, pois muitos
finlandeses trabalhavam na Rússia e assim faziam o trajeto com rapidez e
conforto. Compramos o bilhete na Estação Central de São Petersburgo sem que a
vendedora soubesse uma palavra do inglês. Colocamos no papel o dia da viagem, o
horário, de onde e para onde iria – seguindo todas as informações pesquisadas
na internet, pois lá na estação não tinha um folder que informasse sobre esse
trem, o Allegro- e compramos. Mas a vendedora não disse que esse trem, que era
finlandês, parava em outra estação, se disse, foi no perfeito russo e não
entendemos. Depois fomos perceber que a estação era velha e antiga e os
dormentes também, daqui não sairia um trem-bala de jeito nenhum.
Tivemos a sorte de chegar à estação mais de
uma hora antes e mostrávamos o bilhete para todo mundo, procurando a plataforma
de saída, pois nada apontava para o trem Allegro. Um funcionário da estação viu
que estávamos erradas, ele era faxineiro, estava varrendo o chão. Um homem determinado,
pois dois ou três policiais estavam ali, explicando a nós, quatro mulheres, em
russo, que o trem não saia daquela estação.
Esse
homem chegou ao burburinho, pegou uma de nossas malas e fez sinal para segui-lo.
Descemos um metrô tão fundo, abaixo do rio Neva, pegamos outro, e uma segunda
baldeação e tudo o seguindo. Ele pagou até os bilhetes de metrô para a gente,
para ser mais rápido, e nos deixou no outro canto da cidade, em outra estação
ferroviária - essa maravilhosa, internacional, com o trem finlandês. Se ele não
tivesse feito isso, o trem estaria perdido. Indo de taxi não iria dar tempo, e
para entender todo esse trajeto teríamos demorado bem mais. Depois, olhamos
pelo mapa e entendemos que atravessamos a cidade inteira.
Em
poucos lugares do mundo, e poucas pessoas que conheço fariam isso para quatro
mulheres desconhecidas, que não sabiam falar a língua dele. Poucas pessoas
teriam tanta disponibilidade para fazer isso para pessoas estranhas. Léa é uma
pessoa muito comunicativa e espiritualizada, teve a primeira conversa com esse
homem – ela em português e ele em russo - e acreditou na boa energia e no bom
caráter dele.
E
demos um dinheiro para ele, pela gentileza, por ter pagado os bilhetes de
metrô, embora saibamos que não há dinheiro que pague o que ele nos fez. Quando
chegamos à outra estação, já mais aliviadas, fomos cumprimentá-lo estendendo a
mão. Acho que, até no calor da emoção, devemos tê-lo abraçado. Ele era um homem
bem sério e inibido e ficou muito envergonhado com nossa efusão. Não sei se
entendeu que éramos brasileiras, mas se entendeu, deve ter nos achado um pouco
loucas.
Só
não perdemos o trem pela rapidez de decisão desse homem, pela sua gentileza,
sua decisão de ajudar naquela situação. Nenhum dos funcionários da estação nem
os policiais que viram nossa aflição fizeram nada. Isso mostra que um homem
decidido faz toda a diferença. De vez em quando lembro-me dele, até mesmo suas
feições ficaram gravadas em minha memória.
E
no trem chique, moderno e todo tecnológico, passamos pelo carimbo de passaporte
pelos russos e, depois, na fronteira, a polícia finlandesa pediu os passaportes.
Estávamos novamente entrando na União Européia. Contei essa história para
alguém de minhas relações, logo depois do ocorrido, e ele me escreveu: quatro
mulheres com energia boa e mesmo sem entender uma palavra, esse homem percebeu
isso.
Estou
terminando de ler o livro de Iván Bunin, “Dias Malditos” e ele escreve “na
Rússia, Deus e o diabo se sucedem um ao outro, constantemente”. Passei uma
semana lá, e a sucessão não foi tão constante, pois do segundo nem tive
notícias, só do primeiro. E lembro-me das feições dele até hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário