Fui
a São Paulo na terça-feira passada. Como era feriado aqui em nosso Estado, era
uma manhã mais calma do que as outras, trânsito calmo, aeroporto tranquilo, e
cheguei a São Paulo em uma terça-feira de dia útil – e os feriados seriam
inúteis? – numa cidade gigantesca, acelerada e fervilhante. Fui com Fabiana e
encontramos Márcia já no aeroporto, vinda de Aracaju, para assistirmos ao show
de Andrea Bocelli. Não estávamos no ritmo acelerado, pois eram dois dias
“inúteis”, para aproveitarmos as coisas “inúteis” da vida: o show de Andréa
Bocelli, três museus e alguns restaurantes para mangiare bene. Escrevo assim, em italiano, para já entrar no clima
do show. Fazer tudo isso em dois dias, só sendo paulistano: acelerando.
Eu
e minhas amigas passamos dois dias andando de Uber em São Paulo. Fizemos muitas
perguntas sobre o aplicativo. Vários dos motoristas começaram a trabalhar com o
Uber depois de perderam seus empregos em fábricas, grandes magazines, shoppings,
e estavam contentes de estar ganhando dinheiro com o novo trabalho. E,
disseram, também os passageiros estavam contentes, pois as tarifas do Uber são
bem mais acessíveis que o do taxi comum. Realmente, se nesses dois dias
tivéssemos tomado taxis normais, simplesmente teríamos gasto uma fortuna.
Disse-nos um deles que um dos candidatos não chegou ao segundo turno, que em
determinado momento da eleição teve chances, porque sustentou que iria acabar
com o Uber. Nem os motoristas, nem os passageiros queriam isso. E o outro
candidato – isso foi conclusão minha e de minhas amigas – não permaneceu porque
tentou desacelerar São Paulo. Todos os motoristas reclamaram de multas tomadas
nas marginais por excesso de velocidade. Eu argumentei: mas não diminuíram os
acidentes, sobretudo os com mortes? Nenhum dos motoristas com os quais
conversamos aceitaram que a velocidade na Marginal precisava ser cinquenta
quilômetros por hora, por exemplo. Eu repetia a pergunta: e as mortes? Não é
bem assim, era sempre a resposta. Enfim, cada um conclua essa história que
conto como achar melhor. Eu só posso entender uma coisa: São Paulo não aceita
ser desacelerada.
Quanto
aos motoristas de taxi e Uber que tomávamos, era entrar no carro e Márcia
perguntava: você é de Recife, você é do Ceará? Você é de Alagoas? Márcia é
nordestina – de nascimento é carioca – e sabe reconhecer todos os sotaques. Se
um sujeito era do interior do Ceará e não de Fortaleza, por exemplo. Mas conto
tudo isso só para mostrar que o Nordeste está em São Paulo. Então por que
aquilo que se passou na última eleição, de os paulistanos acusarem os
nordestinos de terem elegido uma presidente de esquerda? Nem sentido tem isso.
A não ser o do preconceito. E para encerrar essa história de Uber e
nordestinos, um último fato. Na quinta-feira, dia de ir embora, Carolina, uma
jovem motorista do Uber, que estava em seu segundo dia de trabalho no
aplicativo, veio nos buscar no hotel. Antes trabalhava como gerente de uma loja
de eletrodomésticos, marca bem conhecida, e foi demitida depois de quase uma
década. Perguntei se era paulistana. Sim, mas filha de nordestinos. Enfim, a
impressão que tive é que a São Paulo que trabalha, que produz, que faz a cidade
acontecer, é nordestina.
Fomos
ao MASP, na Avenida Paulista. A coleção permanente do museu é um espetáculo:
quadros importantíssimos. E muitos deles doados para o acervo do museu há
décadas. Anotei algumas doações: Ovídio de Abreu doou um Van Dyck, pintor
flamengo importantíssimo. Os quadros de Van Dyck valem milhões. Henryk Spitzman
doou quadros de Cézanne e Gauguin para o museu. E também a Família Sotto Mayor
doou vários quadros. E a Companhia Antártica. Todas essas doações são de pelo
menos quarenta anos atrás. E doações recentes? Nenhuma. Os ricos de agora não
doam para os museus? Parece que não. Nisso, talvez nossos milionários não
querem parecer com os europeus e também, em menor grau, com os americanos. Na
Avenida Paulista, onde os empresários de agora constroem patos gigantes, aliás
plagiados de um artista norueguês, os do passado faziam doações para as artes.
Fiquei
pensando isso depois do show de Andrea Bocelli e da posição dele, dos dividendos
de sua riqueza. Antes dele entrar no palco, passou um filme no telão: mostrava
o trabalho de um instituição que leva o seu nome, no Haiti. Uma instituição que
ampara as crianças em suas necessidades de saúde, educação, moradia. Ficamos
sabendo que ele faria um show em Aparecida, para todos, à frente da catedral. E
alguns dias depois um show que ele estaria doando para a instituição Santa
Marcelina. E ainda mais, ontem vi que ele foi escutar um coral em um presídio.
Um homem engajado que paga bem o preço de sua fama e riqueza. Pessoal,
inclusive. Com tudo isso, até o perdoei que ele tenha começado e terminado o
show, diante de um estádio lotado, e não tenha dito nem Boa noite Brasil, Boa
Noite São Paulo. Já o perdoei.
O
que é imperdoável, no Brasil do momento, é que os milionários não paguem
dividendos de suas grandes fortunas, como em quase todos os países da Europa se
faz – e Bocelli deve pagar, e ainda investe um tanto dela no Haiti - que os
políticos se aposentem com oito anos, que estes não diminuam suas regalias
parlamentares, que os altos cargos da justiça ganhem tanto em proporção ao que
ganha o povo, que os rentistas ganhem tanto com os juros altos. E, para
terminar, diante da necessidade – que ninguém duvida – de que é preciso conter
gastos, seja a saúde, a educação e a segurança pública que vão pagar o pato.
Estamos caminhando para onde?
São
Paulo, a capital da solidão, como Roberto Pompeu de Toledo a adjetiva em seu
livro sobre essa cidade gigantesca, caminha aceleradamente para onde? Ela está
uns passos mais acelerada que Campo Grande, mas diante do que o Brasil vive,
estamos todos indo para o mesmo lugar. É uma pena, pois somos um país de tantas
riquezas.
Andrea
Bocelli já é um artista consagrado no mundo inteiro, com uma voz espetacular,
um tenor com grande presença de palco. Isso tudo já era esperado. A surpresa: a
jovem cantora Anitta, cantora de funk, entrou no palco e cantou Somewhere Over
the rainbow. Lindamente vestida (vestido sóbrio e bonito) e maquiada, com uma
voz linda cantou essa música ímpar. E sozinha. Recebeu um começo de vaias, mas
o público foi escutando sua voz e abdicou de seu preconceito e a apladiu muito.
Na segunda música, já cantou com o tenor, em português. E depois cantou Vivo
per Lei, e sua voz acompanhou a do tenor. Uma diva.
Dois
dias em São Paulo foi uma grande viagem, de grande aprendizado, de muitas
artes. Por isso, a foto que mais gostei de todas que tirei foi esta à frente de
um quadro de Portinari, com esse homem trabalhador, sabedor de sua força e de
seu poder. Um homem altivo, que não abaixa a cabeça e segue adiante. Portinari
tão bem retratou os trabalhadores da colheita do café, do milho, os retirantes.
Esse povo explorado, o trabalhador. Eu, você, a maior parte desse país.
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