A Indonésia está muito em voga no
facebook no momento por causa dos dois brasileiros condenados à morte por
tráfico de drogas. E muito se tem falado da crueldade de um Estado em
executá-los. Ainda mais nesse caso mais recente, em que o jovem estava
delirando, em surto psicótico, como a família e os advogados sustentaram.
Antes de fazermos uma opinião
sobre o país é preciso entender a história. Eu sou sempre pela história. Quando
escuto como psicanalista, escuto uma história para entender como o sujeito age
como age, o sintoma que tem. Ajudo meus pacientes a construírem sua história. E
antes de entender um fenômeno social, também tem de se entender a história.
Sugiro a leitura de dois livros.
Os dois de V. S. Naipaul. Um escritor formidável – Nobel de Literatura de 2001 –
que tenta entender o islamismo na Ásia. O primeiro livro retrata sua viagem ao
Irã, Paquistão, Malásia e Indonésia em 1981 e chama-se Entre os fiéis. O segundo é o retorno dele a esses países em 1998: Além da fé.
Vou fazer um resumo do resumo do
que nos conta sobre a Indonésia, depois de andar por Jacarta e suas aldeias no
interior, de conversar com pessoas, saber suas histórias e de seus
antepassados. O islamismo que floresceu depois da década de 60 do Século XX, um
islamismo imperialista, que tenta negar a história anterior do povo, um
islamismo político, é fruto de uma história de colonização que começa no Século
XVI e que tem nos holandeses sua primeira opressão. O islamismo entra no país
quase no mesmo período que os holandeses, mas estes últimos foram tão tiranos,
que os seguidores da religião árabe, dos ensinamentos do profeta, sentiram-se
também dominados.
E foram os holandeses que levaram
o cristianismo, religião dos imperialistas, e tentaram com ele apagar o passado
budista, hinduísta, animista dos indonésios. Em 1942 os japoneses dominaram o
país com fúria e violência; muita gente foi para a prisão por se opor ao
regime. Os japoneses mandaram destruir os monumentos que lembravam o domínio
holandês.
Mas o Japão perde a guerra e é
afastado do país pelo poderio militar, tendo à frente Sukarno. E até 1965 ele
conduz o país e cada vez mais o islamismo se fortalece. Sobretudo entre os
jovens. Na ânsia por liberdade, os jovens vivem cada vez mais a fé pura, de um
islamismo Estado, político. O islamismo surge como uma mudança. Grande
paradoxo.
Naipaul encontra nas pequenas
cidades e aldeias do interior, uma religião compósita, feita de budismo,
animismo, hinduísmo, cristianismo e islamismo. O islamismo não conseguiu entrar
com força entre o povo simples, os camponeses. Eles continuam adorando seus
antigos deuses, seguindo suas tradições. Dizemos em psicanálise que eles mantêm
seus ideais do Eu.
Querem saber o que os EUA fizeram
com um homem à espera de receber a injeção letal e que estava em franco surto
psicótico? Tentaram dar a ele antipsicóticos, como o fizeram durante o
julgamento, para que ele entendesse o contexto em que estava sendo incriminado.
Só não puderam executá-lo delirante porque os direitos humanos não o
permitiram.
Qual a diferença entre a
Indonésia e os EUA quanto à pena de morte? Na essência, nenhuma: de um lado
injeção letal, com uma morte mais asséptica, e na Indonésia, 12 tiros. Não
concordo com pena de morte. Seja no tiro ou na injeção. Assim como não concordo
com presos em condições sub-humanas como vivem no Brasil. Se a meta é resgatar
a humanidade, é preciso tratar com humanidade. Isso não é condescendência, é
responder com respeito a quem precisa saber que não se age com barbárie. Aliás,
saber que todo ser humano deveria carregar consigo, já que ninguém é uma ilha.
Só para terminar, sugiro ler os
dois livros de Naipaul. São formidáveis.
E fiquei com uma pergunta que não
terá resposta: se alguém quer fazer tráfico de drogas, por que logo na
Indonésia? Que desígnio a escrever para a própria vida! Há sempre uma história
por trás desse ato. Também nisso seria preciso compreender a história.
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