Um filho, um
dia qualquer, folheando um livro do pai, descobre uma carta e nela, que ele teve um filho com uma
alemã, antes de se casar com sua mãe. Nunca soube dessa história, nunca foi
falada na família. A partir dessa descoberta, mexendo nos livros e nas gavetas
do pai e da mãe, descobre outros capítulos da história pregressa do pai: em
1931, jovem jornalista, é enviado a Berlim, fica lá um ano e meio e conhece
Anne. Andam pelas ruas de Berlim, se apaixonam, ela engravida. Quando ela está
com alguns meses de gravidez, ele é chamado de volta ao Brasil. Deixa-a,
promete voltar, mas embarca no navio sem nem ao menos olhar para trás e acenar
para ela. Essa cena é imaginada mais de trinta anos depois por esse filho do
jornalista, que tenta entender porque o pai fez o que fez. De factual há uma
carta de Anne no ano seguinte perguntando se ele voltará, que quer saber, pois
o bebê nasceu, é um menino e precisa ser registrado. Ela agora tem um
pretendente que se propõe a ficar com ela e a registrar a criança.
O filho
também descobre que o governo alemão escreveu ao pai dele para averiguar se ele
não tem sangue judeu, precisam averiguar se a criança não tem antepassados
judeus a fim de definir seu destino, pedem certidões até dos avós desse homem.
Ele só consegue as suas e de seus pais. O governo alemão não acha suficiente e
escreve novamente. Pede que o pai brasileiro, que não registrou a criança,
envie ajuda financeira para sustenta-la, que está sob a responsabilidade do
governo alemão. Anos difíceis, às vésperas de começar a Segunda Guerra Mundial.
Essas cartas todas estão impressas nas páginas do livro que acabei de ler.
Esse filho,
um dia, na mesa de almoço familiar, solta essa frase: eu não teria vergonha de
ter um filho alemão. O pai para, com o garfo cheio de comida, suspenso entre o
prato e a boca, olha-o e não diz uma palavra. Nada. Dessa história o pai nunca
falará nada com ele. E, pelo visto, com ninguém, pois o filho sente que também
sua mãe gostaria de ter uma ideia do que foi essa história. Mas nada, nenhuma
palavra.
O filho que
faz essa investigação sobre a história do filho alemão do pai, filho que o pai
não registrou, não criou, não foi atrás dele na Alemanha – no romance, o narrador-filho
com irmão alemão, cria uma cena em que o pai vai à Alemanha atrás do filho – é
Chico Buarque de Holanda. O pai se chama Sérgio Buarque de Holanda, o grande
historiador que escreveu Raízes do Brasil. O filho alemão de Sérgio Buarque de
Holanda foi chamado Sérgio Ernst, ficando só com o sobrenome da mãe, Anne
Ernst. Quando ela o deu para adoção – eu acho que essa criança pode ter sido
tomada dela, já que o governo alemão tinha a suspeita que ele tivesse sangue
judeu – seu nome e sobrenome foram mudados. Mas assim que ele descobriu sua
história, retornou ao nome Sérgio, dado por sua mãe.
Em 2013,
Chico Buarque com quase setenta anos, foi a Berlim resgatar a história de seu
pai. Com a ajuda de seu editor e de um historiador, com a ajuda de sua filha
Silvia Buarque na tradução, conheceu a família e a história de seu irmão alemão
Sérgio Gunter. Ele manteve o sobrenome da família que o adotou. Chico
encontrou-se com sua ex-mulher, sua filha, neta, amigos e assim, soube quem foi
Sérgio, seu irmão alemão, que tinha morrido de câncer aos 51 anos, na década de
80.
Desse drama que
parece ter assombrado sua história e a de seu pai, Chico escreveu seu melhor
romance, este que está nas livrarias agora, O irmão alemão.
Agora um impressão minha: sonhei essa noite com Sérgio Günter e queria ter sabido o que foi a vida dele, nascido no pré-guerra, pesando sobre sua cabeça a suspeita do "crime" de ter sangue judeu, vindo de um pai que não foi pai, que não o registrou, "dado" para adoção, tendo o nome mudado, depois retornado ao nome Sérgio, vivido sua juventude na Berlim Oriental, morrido de câncer tão jovem. Creio que vou pensar em Sérgio Günter por vários dias ainda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário